Comportamento

Bendito fruto

Érika Busani
12/03/2006 23:12
erikab@gazetadopovo.com.br
O funcionário público Marcos Mendes de Oliveira, 31 anos, foi criado em meio a muitas mulheres. Eram mãe, irmã, madrinha e quatro tias. Com o pai, não teve contato. Durante um tempo, um primo fez as vezes de pai, nas festinhas da escola, nas brincadeiras e até na hora de dar uma “chamada” no guri.
Como será que os valores e parâmetros femininos influenciam na formação do caráter de um filho homem? Afinal, a mulher, mais sentimental, tem maior tendência a proteger a cria que o pai? E quando ele falta, qual o resultado dessa equação? Esses filhos são mais sensíveis às questões femininas, transformam-se em pais mais carinhosos?
Para o psicólogo Rubens Marcondes Weber, o lado positivo é que esse homem pode, sim, ter mais sensibilidade, “uma leitura não tão fria da realidade”. “A mulher vê uma sociedade mais justa e leva isso para casa”, pondera. O problema seria a mãe errar na mão e acabar transformando o menino no popular “filhinho da mamãe”. Weber lembra que o pai contrabalança a tendência feminina de superproteção. E dá o seguinte exemplo: “se o filho se envolve com alcoolismo ou drogas, a mãe acoberta, mas o pai dá o limite. Os dois podem estar errados, mas se trabalharem juntos, estão certos.”
Outro risco apontado pelo psicólogo é do filho tornar-se ainda mais machista do que se tivesse o pai presente. “Muitas mulheres são mais machistas que os próprios homens. Esses filhos podem querer que a namorada seja igual à mãe, que faz tudo por ele.” Ou seja, depende muito do que a mãe passa para o filho. “Se ela estiver tranqüila com sua realidade, estará em um bom caminho.”
Na opinião da psicóloga Cleia Oliveira Cunha, que atende famílias e casais, “o homem latino-americano é muito machista e impinge ao filho seu preconceito. O menino não pode chorar, não pode gostar de cor-de-rosa e tem de gostar de futebol. Quando é criado pela mãe, ele pode ou não gostar de futebol, é uma relação mais natural”.
A questão central, para ela, é a sobrecarga dessa “mulher-mãe”. “São múltiplas funções que ela precisa assumir e a grande maioria delas não pode nem namorar, enquanto o homem muitas vezes vê o filho a cada 15 dias”, lembra.
Além da sobrecarga financeira – especialmente quando a mãe é viúva ou o pai vai embora – a responsabilidade com a educação do filho acaba sendo apenas dela, que em momentos de dificuldades pode se sentir solitária e insegura, diz a psicóloga Carla Cramer, terapeuta de famílias e casais. Sensações que podem ser amenizadas quando a mãe conta com uma rede de apoio, como a família de origem e amigos.
Mas Carla lembra que isso também não deixa de ter uma vantagem: “o fato de não haver necessidade de negociar com uma terceira pessoa regras, valores, limites, estilos educativos. Por exemplo: a que horas ele terá que voltar para casa, poderá ou não dormir na casa do coleguinha, será educado na sua religião ou na minha, entre tantas outras questões”.
Marcos, que cresceu sendo o “bendito fruto”, não vê diferença da sua criação em relação aos amigos que tiveram o pai presente, a não ser pelo fato de muito cedo ter aprendido a fazer pequenos serviços em casa, como trocar o gás, lavar louça ou varrer a casa – “isso era até divertido”, diz. Ele tem namorada, sonha ter dois ou três filhos – para os quais quer ser tudo que o pai não foi, dar “o melhor: compreensão, carinho e apoio.” E quando o assunto na mesa do bar é depreciar as mulheres, fica na dele, mas não gosta. “É chato ouvir esse tipo de comentário.” Nem tão igual assim…