A doutora em Antropologia Social Mirian Goldenberg, 51 anos, escolheu a mulher como seu principal objeto de estudo. A liberdade de Leila Diniz e questões como infidelidade e o corpo como capital foram abordados com rigor científico em suas pesquisas. Mas foi aos 40 anos, em uma consulta dermatológica – em busca de indicação sobre filtro solar –, que Mirian sentiu literalmente na pele um incômodo tipicamente feminino. A dermatologista deu uma série de indicações para deixá-la mais jovem: preenchimento, botox, levantamento de pálpebra. Começava ali uma crise existencial que duraria quase um ano.
O que mais incomodou Mirian foi tentar entender de quem era a culpa pelo seu envelhecimento. Seria dela mesma? “A dermatologista me fez enxergar rugas e flacidez que antes eram invisíveis para mim e que, a partir de então, passei a desejar eliminar para ficar mais jovem.”
A tal crise acabou impulsionando mais um estudo antropológico, desta vez sobre o envelhecimento. A expressão “coroa” foi usada como título de seu livro como uma provocação, já que para a antropóloga o termo é usado como uma acusação.
Incomodações femininas fazem parte dessa nova pesquisa. Ao saber que a atriz Juliette Binoche posou, aos 43 anos, nua para a revista Playboy francesa, a antropóloga não se restringiu a criticar ou preparar um ensaio feminista. Foi investigar o caso, tentar entender o papel dessa revista e como as mulheres são retratadas nela. Em Coroas – Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade, além de discutir como mulheres brasileiras e alemãs encaram a chegada da idade, Mirian fala de nudez e das relações. Em entrevista ao Viver Bem, ela comenta sua crise e como as mulheres estão enfrentando, de maneira errada, o envelhecimento.
O que é ser coroa? Existe uma idade em que se pode considerar oficialmente coroa?
Coroa é uma categoria de acusação usada contra aqueles que envelhecem ou passam de determinada idade. Quero mudar o significado desta idéia e mostrar que envelhecer tem muito mais aspectos positivos do que negativos se a mulher, ou homem, que envelhece encara essa fase da vida com humor, maturidade e afeto. A idéia é pensar que ser coroa pode ser muito bom e criticar uma cultura em que o principal valor é o corpo e a sexualidade. Não existe idade para ser “coroa”, apesar das acusações acontecerem muito precocemente. Para muitos, aqui no Brasil, após os 40 uma mulher já está coroa, o que é um completo absurdo se olharmos para outras culturas, como estou fazendo.
Você cita diversas vezes Simone de Beauvoir e Leila Diniz, que além de objeto de estudo (no caso de Leila), são suas referências. Hoje você acha que alguma mulher representa, de alguma forma, o que esses dois símbolos de liberdade e emancipação feminina representaram?
Não vejo outros símbolos tão fortes como essas duas mulheres. Leila Diniz continua sendo um ícone de liberdade, prazer e irreverência, como mostro no livro Toda Mulher é Meio Leila Diniz, que acabou de sair em edição de bolso (Bestbolso). Já Simone de Beauvoir, com o clássico O Segundo Sexo, revelou que a principal luta da mulher é por sua liberdade, autonomia, independência, lutas que permanecem mais do que necessárias até os dias de hoje.
Você também diz que nos anos 60 e 70 houve progresso no processo de emancipação da mulher e daí em diante começou a retroceder. Por que, na sua avaliação, isso aconteceu?
Por essa obsessão feminina em querer ser jovem, sexy, magra, sem perceber que essa luta pela juventude passa a ser um obstáculo para a aquisição de outras questões muito mais importantes para a felicidade. Enquanto a brasileira acreditar que o seu corpo (sexy e magro) é o seu único capital ela estará sempre insatisfeita e fazendo loucuras com seu corpo, saúde e qualidade de vida.
O corpo como um produto do capital faz com que a mulher tenha medo de envelhecer. Você acredita que esse seja o fator principal do medo: a idéia de se desvalorizar?
Exatamente, a mulher acredita que ter um corpo sexy e magro e um homem ao seu lado é o que lhe dá valor. Na verdade, o valor feminino está em outro lugar: nos seus afetos, amores, amizades, trabalho, personalidade, simpatia. Portanto, os verdadeiros capitais femininos estão no mundo das relações e das realizações. Não na aparência.
Durante sua pesquisa, você constatou que algumas mulheres sentem mais inveja das “bem casadas” do que das “gostosas”. O que você chama de “capital marital” seria uma contradição no meio desse modelo de valorização ao corpo?
Na verdade são dois capitais diferentes. Um é o corpo, que serve para a mulher ter sucesso em vários mercados (sexual, casamento, trabalho). Outro é o marido, figura fundamental na vida da mulher brasileira. Mesmo em um casamento insatisfatório, muitas mulheres preferem viver acompanhadas do que sós. O medo da solidão e também o medo de ser considerada fracassada fazem com que as brasileiras se submetam a relações infelizes.
No que a mulher deve investir para tentar sair dessas armadilhas?
Em outros capitais. Acredito que os amigos, o trabalho, a cultura, as viagens, o conhecimento, a maturidade, os afetos são capitais muito mais preciosos do que um corpo magro e sexy.
No livro Coroas você faz uma ligação com outro objeto de estudos seu, a infidelidade. A mulher coroa realmente tem medo de ser trocada por uma garotinha?
Depende da mulher. O que quero mostrar no livro é que existem diferentes maneiras de ser uma coroa, algumas muito positivas. A coroa que quero mostrar é aquela mulher que enfrenta seus medos investindo em outros capitais (e não apenas no homem e no corpo).
E você? Como resolveu a “crise da dermatologista”? Como lida com as mudanças do corpo e da idade?
Fazendo exatamente o que proponho no livro: trabalhando muito com muito prazer, apostando nos amigos e amigas (que são meu principal capital), nas aulas que adoro dar para alunos interessados e interessantes, escrevendo muito, buscando ser generosa, honesta e corajosa para ser uma “coroa meio Leila Diniz”.
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Serviço
Coroas – Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade, de Mirian Goldenberg; Editora Record; R$ 28.
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