Temaki tinha apenas quatro meses quando chegou à casa de Allan Galvão, 38, em setembro de 2015. O border collie deveria ficar hospedado com ele como em um hotelzinho para cachorros. No primeiro mês tudo correu como o esperado, mas, a partir do segundo mês, o então tutor do filhote começou a atrasar os pagamentos até sumir de vez.
“Em meados de fevereiro a dívida já estava em R$ 2 mil e ele nada de pagar ou aparecer. Um dia eu perdi a paciência e liguei no número que estava na carteirinha de vacinação do Temaki. Quem atendeu foi a mãe dele.” Conversando com ela, Galvão descobriu que o cãozinho tinha sido vítima de abandono.
Depois de manter Temaki na garagem por alguns meses, o tutor percebeu que se tratava de uma raça ativa demais. Tentou levá-lo para a casa da namorada, onde o cachorro também deu problemas. Por fim, encontrou na plataforma de hospedagem uma solução rápida e cruel para a questão: abandonar. Para a sorte de Temaki, Galvão decidiu adotá-lo.
Assim como Temaki, pelo menos outros dez cães border collie foram abandonados desde o começo de 2018, em Curitiba. Quem faz as contas é a corretora de seguros e professora de taekwondo Brunna Allessi, 30. Ela é administradora de um grupo no Whatsapp e um no Facebook que reúne tutores da raça de Curitiba e região. Também tem dois border collie em casa. O Einstein, de oito anos, e o Shakespeare, de nove meses. Para ela, a alta rejeição a esses cães se deve à falta de conhecimento.
“Você sabe que, para ter um cachorro, você vai gastar dinheiro. Tem que dar vacinas, a comida e tudo mais. Com um border collie você vai gastar um pouco mais. É uma raça muito ativa e você até pode ter em apartamento, mas precisa sair com ele todo dia por muito tempo ou pagar uma creche”, detalha.
Galvão, que é adestrador, explica que o border collie precisa gastar muita energia. Do contrário, a tendência é de que ele de fato destrua o que encontrar pela frente. “Já foi provado, inclusive em estudos, que o border collie precisaria de nove horas por dia de caminhada para gastar toda a sua energia diária. Não é só descer do apartamento e dar uma voltinha de dez ou 20 minutos.” A dica, então, é colocar o bichinho para pensar, espalhando truques. “Com 20 minutos de truques você deixa o cão ocupado pelo resto do dia. Ele fica processando aquilo o resto do dia.”
Brunna lembra das muitas dificuldades que teve quando ainda não conhecia muito bem a raça. “Hoje o Eisntein é outro cachorro. Quando filhotinho ele era virado numa bagunça. Sossegou depois dos quatro anos e agora é um lorde, porque só falta falar.” Até chegar a esse ponto, no entanto, foi preciso muito estudo sobre a raça e muita paciência. “Eu já soube de collies que atacaram uma família inteira. São cachorros que ficavam presos, no canil ou na corrente. As pessoas não têm noção de que tipo de cachorro elas têm na mão. É muito comum que, depois de um ou dois anos, elas não queiram mais o cão.”
A auxiliar de escritório Débora Venâncio, 27, tem nada menos que cinco cães border collie em casa. Ela também faz parte do grupo de tutores e adotou cada um deles. “Na verdade a intenção nunca foi ter cinco borders. Pegamos a Hermione com cinomose. Tratamos, castramos e tentamos doar, mas ela foi devolvida. Ela é bem agressiva e não é qualquer pessoa que tem a paciência que a gente tem com ela”, relata.
Os outros quatro também chegaram até ela em condições parecidas. Kusco foi comprado e, sem espaço, acabou sendo doado porque o tutor percebeu que o cãozinho estava sofrendo. Eleven, além de pouco espaço, apanhava da outra cachorra da família que a comprou. Foi para a casa de Débora também. Strabs e Baymax vieram de uma família conhecida. “Por falta de conhecimento essa família acabou cruzando dois borders collie da cor blue merle.” A cruza, incorreta, trouxe problemas genéticos para os filhotes. Por isso, Baymax é completamente cego e surdo, enquanto Strabs é estrábico e cego de um olho.
Se, para adotar qualquer animal, é preciso refletir muito e ter boas doses de paciência e responsabilidade, com uma raça como a border esses passos são ainda mais fundamentais. “De uns três anos para cá houve um boom dessa raça. Todo mundo quer ter um border collie ou um golden. A gente encontra border collie sendo solto na rua, vai falar com a pessoa e ela diz que não quer mais. Ontem mesmo apareceram mais dois para adoção. E eles são puros, de raça, o tutor deve ter pagado tipo três mil reais”, indigna-se Brunna.
Quem quer tem um border collie precisa entender que essa é uma raça de cães pastores de ovelha. Então, nada de pegar um deles se não tiver espaço para que ele se exercite. Para Galvão, estudar a raça deve ser o primeiro passo.
“Depois, precisa ver se você tem capacidade de cuidar dele, tempo para se dedicar a ele. Não compre pela beleza, veja se você tem competência para depois não abandonar.” O mesmo diz Débora. “Queria que as pessoas se comprometessem mais com os seus cachorros. Eu acho que a solução não é só fechar os olhos, a gente tem tentar colocar na cabeça das pessoas que os cachorros precisam de estímulo mental e que vão viver por pelo menos quinze anos. As pessoas arrumam qualquer desculpa pra mandá-los embora.”
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