Saúde e Bem-Estar

Até que a morte nos separe

Jennifer Koppe
09/10/2006 02:51
jenniferk@gazetadopovo.com.br
Histórias de longevidade de casais sempre comovem. Muitos vivem lado a lado há mais de 50 anos, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, assim como prometeram no dia do casamento.
Os anos passam, os filhos crescem e saem de casa, as dificuldades e os problemas de saúde aparecem e uma nova etapa se inicia. Apesar dos sinais, quase ninguém está preparado para a morte do companheiro. O momento é difícil e doloroso em qualquer idade, mas durante a velhice, superar o luto é ainda pior. Muitos nunca chegam a se recuperar, adoecem e até morrem algumas semanas depois do enterro do companheiro.
O fenômeno, que é mais comum do que se imagina, foi comprovado por um estudo realizado pela Universidade de Harvard, feito com cerca de 520 mil casais norte-americanos, com idades entre 65 e 98 anos, que foram acompanhados durante nove anos.
A pesquisa constatou que é 21% maior a probabilidade de o homem morrer depois da perda da esposa. Entre as mulheres, o risco é menor, de 17%. As mortes são geralmente causadas por acidentes, suicídios e infecções.
Em muitos casos, a hospitalização do cônjuge já é suficiente para causar a morte do parceiro. Cerca de 4,5% dos homens correm este risco. Entre as mulheres, a incidência diminui para 3%.
O geriatra Rubens de Fraga Jr. explica que este problema foi descrito na literatura médica em 1848 como “Wish to Hasten Death”, que em português significa o “desejo de apressar a morte”. “Isso costuma acontecer por conta da reação de estresse e pela falta de suporte social que ocorre com a perda do companheiro. A hospitalização pode aumentar o nível de estresse em um cônjuge predisposto, afetando principalmente as funções imunológicas do organismo.”
Quando o companheiro está doente, geralmente cabe ao marido ou à esposa se responsabilizar pelos seus cuidados. Cuidadores geralmente sofrem de uma tristeza profunda, além de fadiga, insônia, falta de apetite e a perda de interesse por atividades de lazer. “Geralmente o homem tem uma menor rede social de apoio e lida muito mal com o chamado ‘estresse do cuidador’. Por isso, a incidência de problemas é maior com o sexo masculino”, diz.
Superação
O quadro é assustador, mas pode ser revertido. De acordo com o psicólogo Guilherme Falcão, especialista em terceira idade, planejar o futuro saudável é fundamental. “Os idosos passam por muitos ciclos. Precisam lidar com a aposentadoria, com a independência dos filhos. É muito comum que os casais fiquem isolados, dentro de suas casas antigas, vivendo um para o outro, criando uma forte relação de dependência. É importante que cada um tenha um projeto de vida individual, a dois e familiar, que integrem sociedade e amigos”, explica.
Quando o parceiro de vida morre, é muito mais fácil lidar com perda quando se tem objetivos de vida e amigos que passaram pela mesma situação. Freqüentar grupos para idosos, participar de ações voluntárias, cultivar a religiosidade e até voltar a trabalhar em alguma atividade prazerosa são as dicas do psicólogo.
Luiz Marema, 83, que foi casado por mais de 50 anos, ficou viúvo há nove anos. Passear e conhecer lugares novos foi a forma que encontrou para dar um novo sentido à sua vida. Ele voltou a namorar e casou novamente há quatro anos. “O começo foi muito difícil, fiquei muito tempo quieto, não queria sair de casa, mas hoje sou feliz”, conta.
A família também tem um papel fundamental na recuperação dos pais que ficaram viúvos. Os filhos não devem tratá-los como um peso, um incômodo, e devem incentivá-los a procurar tratamento médico e atividades fora de casa.
A dona-de-casa Linda Petruy, 82, casada por 55 anos, perdeu o marido há cinco anos e também é um exemplo de superação. “Ainda hoje parece que ele está viajando e que vai chegar a qualquer momento. Mas é importante ter a cabeça no lugar e não se entregar. Sempre que eu ficava triste, fazia uma oração. E nunca deixei de sair, me exercitar, ouvir música e cuidar do meu jardim”, conta.
O fato de viver na mesma casa com filhos, netos e bisnetos também a ajudou a seguir em frente. “Não dá para ficar sozinha, de jeito nenhum. Só por algumas horinhas.”
Serviço: Guilherme Falcão (psicólogo e gerontólogo), (41) 3013-5415 / Rubens de Fraga Jr. (geriatra), (41) 3345-6260.