Saúde e Bem-Estar

Contra a natureza

Érika Busani
01/10/2007 01:00
Você prefere parto normal ou cesárea? A pergunta, ouvida com freqüência durante a gestação, faz sentido: hoje essa escolha é considerada um direito da mulher.
No entanto, a opção perde seu caráter de direito quando olhamos a situação mais de perto. O Brasil tem o segundo maior índice de cesarianas do mundo. Enqunto a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta como seguras taxas entre 10% a 15%, em 2004, 41,8% dos partos realizados no país foram cirúrgicos, conforme dados do Ministério da Saúde. Na rede pública, são 27,53%, abaixo apenas do Chile, com 40%. Pior: no setor particular, que inclui os planos de saúde, esse número chegou a inacreditáveis 79%. Nos Estados Unidos, a taxa é de 20,6%, na Inglaterra, 19% e na Holanda, 14%.
“A cesárea pode ser um direito da mulher, desde que ela esteja informada de todos os riscos. Hoje o parto cirúrgico está sendo imposto, porque ela não tem informação. E o direito da mulher que quer um parto normal, quem garante?”, questiona a advogada e doula Patricia Bortolotto, integrante da Parto do Princípio.
E elas não são poucas. Um estudo de 2001, feito em quatro capitais brasileiras (Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal e São Paulo), com 1.136 mulheres e publicado no British Medical Journal, revelou que 80% das gestantes preferiam ter suas crianças pelo parto normal.
Esse descompasso entre o desejo das mães e a história de seus partos tem diversas razões. O modelo de atendimento adotado no Brasil, focado na figura do médico, aumenta o número de cesáreas. Os Estados Unidos – de onde vem esse modelo – têm as taxas mais altas dos países ricos. “Os médicos têm um estilo de vida que não comporta acompanhar um parto normal. Se você tiver seu bebê na França, Alemanha ou Inglaterra, não vai escolher o médico que vai fazer o parto. Nos países onde as mulheres são atendidas por parteiras, a taxa de cesárea é menor e a mortalidade materna e fetal também”, afirma a bióloga, doula e educadora perinatal Ana Cristina Duarte, uma das idealizadoras das iniciativas Amigas do Parto e Doulas do Brasil e co-autora do livro Parto Normal ou Cesárea? O que Toda Mulher Deve Saber (e Todo Homem Também).
Não é difícil entender por que esse modelo favorece as cesarianas. Mesmo que planos de saúde paguem menos pela cirurgia (80% do valor do parto normal), a conta final é desfavorável ao parto normal pelo tempo que demora – em média 12 horas, contra uma hora necessária para a cesárea. Nem é preciso desmarcar consultas em cima da hora.
Além disso, as chamadas cesáreas eletivas – marcadas com antecedência – são convenientes para a agenda do médico e da paciente. Não há imprevistos em um fim de semana, feriado ou de madrugada.
O receio de processos judiciais por erro médico é outro impulso à cirurgias. “Não há processos por cesáreas desnecessárias, mas há por problemas no parto normal”, lembra Patricia. Todo parto envolve riscos e impera a idéia de que, se ocorrer algum problema em uma cesariana, pelo menos o médico “tentou algo”.
A cultura da cesárea é tão forte que a própria formação dos profissionais de saúde é voltada a ela. “Muitos médicos não têm segurança para fazer um parto normal”, alerta o obstetra Carlos Miner Navarro, chamado por alguns colegas de profissão de “dinossauro da obstetrícia” por defender o parto normal.
Para o obstetra Fernando Cesar de Oliveira Júnior, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná, a taxa de cesárea no sistema privado é tão alta por vários motivos. Um deles seria o desejo das pacientes, que pedem a cirurgia. “É claro que o parto normal é melhor. É mais natural, mais indicado e tem menores riscos. Mas é uma cultura complicada de desfazer.”
Informação é o caminho mais curto para mudar essa situação. “A paciente tem opção. A questão é quais informações ela tem para tomar a decisão”, questiona Navarro. “O governo e a mídia deveriam fazer mais campanhas incentivando o parto normal. Em duas novelas recentes, vários partos foram cesáreas. Quando mostram partos normais, é sempre sofrido. Assim, qualquer um fica com medo”, pondera Oliveira.
O atual modo intervencionista do parto normal também não ajuda muito (veja box na página 9). “A idéia do parto normal tem de ser atrativa. Hoje em dia, pelo que se oferece, é assustadora”, lamenta Ana Cristina, que defende o direito à “escolha informada”. Escolha que passa, inclusive, pelos procedimentos usados rotineiramente no parto normal, capazes de transformá-lo em traumatizante no lugar de garantir uma experiência gratificante.
Érika Busani
erikab@gazetadopovo.com.br