Saúde e Bem-Estar
Adriana faz parte de uma espécie rara hoje: a das mulheres com acesso a informação, de classe média, que decidiram quebrar a tendência do filho único para criar uma família numerosa. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1970 a mulher brasileira tinha, em média, 5,8 filhos. Em 2010, essa taxa despencou para 1,9.
A frieza dos números não lhes diz respeito. “Desde o segundo ano de namoro, sonhávamos com uma família grande”, lembra Adriana, que é casada com o oficial da Marinha e educador Eduardo Miranda de Freire Melo, 43 anos. Teresa, 19; Tiago, 17; Verônica, 14; Catarina, 10, Cecília, 8; e Clara, 4, vieram para encher a vida do casal de muito amor e, claro, muito trabalho também. “Nossa, como dá trabalho! Se não desse, não teria nem graça. A gente faz por amor. Às vezes é doloroso, envolve uma série de renúncias, mas o amor não é só gozo: você decide amar”, afirma a pedagoga.
Essa decisão implica muitos desafios. Um deles é lidar com as etapas diferentes em que cada filho se encontra. “Você tem de se policiar, às vezes parar para pensar que aquele filho ainda não tem idade, ‘e que não dá para exigir tantas coisas dele’”, conta a dona de casa Salete Cantoni de Lima, 45 anos. São sete filhos. No primeiro casamento, ela teve Tatiane, 25; Thayla, 22; e Thayne, 21. No segundo, com o mecânico Cristiano, 39, vieram Guilherme, 10; Eduardo, 7; Lucas, 6; e Cecília, 1 ano e 8 meses. “Quando eu era criança, falava para meus pais que queria ter oito filhos. Acho que papai do céu me ouviu”, brinca.
Outro desafio é dar atenção a todas as crianças. “É vital conhecer seu filho para que seja amado, respeitado e tenha um ambiente familiar acolhedor”, diz a professora de inglês Joana Abel Diniz, 29 anos, mãe de Deborah Luiza, 6; Sarah Cristina, 4 e Davi Abel, 1 ano e 7 meses. Ela e o marido, o administrador Sílvio Diniz, 35, vieram de famílias de quatro irmãos e pretendem ter pelo menos mais um filho. “Sonhamos juntos como vai ser o quarto filho, o quarto irmão. Todos temos nomes para ele. Será que vai ser menino, menina?”, divaga.
Essa disposição de reconhecer cada filho como único, mesmo em meio a tantos irmãos, é um dos segredos para fazer a família “funcionar”. Para a terapeuta familiar sistêmica Carla Cramer, a criança mostra desde cedo sua personalidade, seus gostos e desejos. “É preciso estar atento, saber de antemão que cada filho que vem será diferente, estar curioso para realmente conhecer este novo ser.”
É uma aventura, define Joana. “Todo mundo fala ‘você é louca, como aguenta? E ainda quer ter mais um!’”, diverte-se. “Mas os filhos são tão únicos, tão cheios de personalidade, tão diferentes um do outro, que dá vontade de ter outro.”
Alegria
Vir de uma família grande é um traço comum nessas mães. “Éramos quatro irmãos, cresci com um referencial de alegria, de vida, convivência, muitas risadas. E para isso tem de ter gente”, relata a fonoaudióloga Cristiane Godoy, 45 anos, mãe de cinco filhos, dois deles adotivos: Beatriz, 12; Lucas, 10; Bernardo, 10; Henrique, 9; Ana Clara, 7. “Não tem coisa mais gostosa de que aquela cama cheia de filhos. Eles são tão fofos, respondem tão bem ao amor, ao toque.”
Lucas tinha 4 anos e meio e Clara, 1 ano e meio quando ocorreu a adoção. “É um investimento emocional e pessoal imenso, envolve um processo de correr atrás de toda a lacuna física, intelectual. Mas é a coisa mais gratificante vê-los se desenvolvendo.”
E aprendendo muito. É mesmo uma comunidade. “A vida em grande família traz uma bagagem para compreender a diversidade, para respeitar as diferenças nas relações, aprender a cooperar e lidar com conflitos, competições e divergências. Ensina a importância da partilha, do apoio mútuo, da cumplicidade, da reciprocidade. São valores e atitudes necessários em nossa sociedade e cada vez mais escassos”, reflete a psicóloga Liciele Nardi Comunello, mestre em Psicologia Social e de uma família de sete irmãos.
Na prática
Mas a casa cheia também traz alguns “problemas” práticos. Joana monta uma agenda semanal de compromissos, para não deixar de fazer nada que precisa e que gosta. Cristiane tem dificuldade para administrar o tempo, mas sabe que é uma situação transitória. Ela também chama amigos no começo do ano para ajudá-la a encapar tantos livros. “Minha vida é contar cabeças. Na praia devo contar até um 5 mil todos os dias”, ri. E tem as fraldas. “Troquei fraldas por nove anos e meio sem parar”, contabiliza. Adriana enche um carrinho no supermercado toda semana, conforme o cardápio que faz para não se perder. Na hora de viajar, alguém precisa ir de avião, pois não cabem todos no carro.
E o que muitos devem se perguntar é: por quê? Cristiane dá uma pista: “Um relacionamento desses é eterno. Na vida a gente faz escolhas, e eu escolhi a melhor parte.”
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