José Carlos Fernandes
José Carlos Fernandes é jornalista e professor universitário. Pesquisa a vida extraordinária de pessoas e lugares comuns.
Por favor, NÃO empurrem…
velhos – vejam só – foram os jovens. Obviamente, grupos de jovens dentre os
jovens. Os bares cheios assim que pinta uma brecha; as caminhadas em grupo –
inclusive dentro do supermercado – trazem a chancela do pouco caso. Os velhos
que se danem quando todos os hormônios clamam pelo verbo “curtir”. Mas longe de
mim acreditar nisso em 100%. Trabalho com a moçada e chego a me comover com os
gestos de afeto com o mundo que demonstram – gestos catalogados como
“espiritualidade laica” pelo filósofo francês Luc Ferry, ao se referir a essa
geração. Melhor é se perguntar que diabos acontece.
Não causa espanto a miopia dos mais jovens em relação aos adultos
nefasta que vingou nas matérias de comportamento – em especial na mídia
televisiva. Nessas, os velhos aparecem ora como “seu João e dona Maria” – em
geral sorridentes, assexuados, como uma cristaleira no canto da sala –, ora
como “velhinhos power”, que correm 15
quilômetros toda manhã, dançam a tarde toda na Sociedade Água Verde, usam manga
cavada e escalam o Marumbi no fim de semana. Quem não é igual é porque não deve
ter boa vontade, entregando-se aos remédios e aos sofás. A primeira fórmula
equivale à negação do velho como ser de desejo. A segunda, à negação do próprio
velho.
relação aos adultos. Reproduzem o que lhe dizem. Chega a ser piada. Ano
passado, quando a gente ainda podia andar de biarticulado, ouvi uma adolescente
confidenciar ao namorado que ia fazer as pazes com o pai. Ele estava velho,
podia morrer, e ela não queria carregar essa culpa – papai tinha, afinal, 40
anos.
estranhamento natural, pois assim acontece sempre que a gente vê nossa identidade
narrada na mídia. Mas não descarto que a máquina televisiva a tenha achatado, movida
pelo cacoete das reportagens desse naipe. No mais, o repórter, jovem, pode
imprimir no outro aquilo que consegue ver: que alguém “acima dos 47 anos” não
transa, não tem sombras, que devia correr no parque – mesmo com os meniscos em
pandarecos – e que bom seria que lhe servisse um chá com bolo de fubá,
ocupando-se de repetir a frase: “Antigamente, tudo isso aqui era mato...”
com um nonagenário ilustre – despachado e calejado nos vícios da imprensa –,
antecipou-se. Toparia a conversa, desde que não lhe enchessem o saco com as
platitudes de sempre sobre alguém que chega aos 90 anos. E agora é que são
elas.
velhice, no Brasil, seja a antropóloga paulista Mirian Goldenberg, professora
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É um quitute dos bons sua coluna no
jornal Folha de S.Paulo – na qual
costuma tratar do grupo que acompanha nos últimos carnavais, o dos “muito
velhos”. E aqueles que se deparam com a velhice – a própria, a de seus pais, ou
ambos – deveriam ler a coletânea Velho é
lindo!, organizada por Mirian. Fácil achar nas livrarias: peça ao vendedor
o livro que tem na capa um velho e uma velha pelados. É pela capa que a obra
diz a que vem.
Parece não haver pior maneira de tratar do assunto do que infantilizar os idosos. Tratá-los como incapazes é a pior das receitas
levam a pensar a velhice, assunto no qual seu rio de investigações acabou
desaguando. Difícil não lê-la sem entrar num processo de observação dos velhos
ao redor. Li, certa vez, que os idosos fazem cálculos depressivos a cada vez
que projetam 5 ou 10 anos de sua existência. Pensam se com 85, por exemplo,
terão juízo, se usarão fraldas, se terão sido abandonados pelos filhos. Não sei
se o fenômeno é assim tão mecânico. Se não se trata de mais um reducionismo. Os
velhos não são iguais, não sentem da mesma maneira, pois são extensões de si
mesmos. Ainda que possa haver uma psicologia recorrente àqueles que estavam por
aí quando os dinossauros ainda comiam frutas no topo das árvores e a vida era
em preto e branco, parece não haver pior maneira de tratar do assunto do que
infantilizar os idosos. Tratá-los como incapazes é a pior das receitas.
entre velhos e jovens. A ansiedade que os dias nos reservam diminui com o
passar dos anos – pois quase nada é novidade. Já os moços, pobres moços, esses
têm pressa, urgência, e não parece muito sábio criticá-los por isso. Os
relógios andam em ritmos diferentes. Em situações de exceção, piora: a pandemia
parece ter dado a louca nos ponteiros. Negacionistas ou não, todos se debatem
com a palavra “morte”, que nos bate continência no noticiário da manhã. Ninguém
sai impune dessa prova de fogo.