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Animal

Circo legal tem animal?

Ricardo Ampudia
10/01/2009 02:03
Há alguns anos, Caique vivia em um circo dentro de uma jaula de menos de dois metros quadrados, em meio a sujeira, sem abrigo da chuva. Quando saía, era acorrentado pelo pescoço.
História que não deve se repetir com Noelzinho, o mais novo habitante do Instituto, que vive com a mãe Lucy. “É o terceiro bebê que ela tem, mas o primeiro que cria”, conta Milan Starostik, 82. Lucy era uma das “matrizes” do extinto Circo Garcia, que reproduzia chimpanzés para vender a zoológicos e outros circos. Os bebês eram apartados das mães menos de uma semana após o nascimento, para apressar o próximo cio da fêmea.
O casal de tchecos naturalizados brasileiros mantém uma área de mais de 10 mil metros quadrados onde abrigam chimpanzés resgatados de circos e parques pelo Ibama. O Instituto Anami é mantenedor e não recebe visitação. “Eles nunca mais conseguirão ser reintroduzidos no meio natural, mas aqui podem viver juntos, com espaço para se expressarem”, diz Anita.
Situações como as vividas pelo chimpanzé poderiam ser evitadas se houvesse no Brasil uma regularização para o uso de animais em circos, uma polêmica que se arrasta no Congresso Nacional há anos. No início de novembro, grupos de defesa dos direitos dos animais, parlamentares e representantes do setor circense deveriam se encontrar em Brasília para um histórico debate que poderia definir o futuro dos animais usados em espetáculos itinerantes no país. A audiência, no entanto, foi adiada pela terceira vez, sem nova data definida.
Os defensores da proibição do uso de animais em circos dizem que a demora para aprovar o substitutivo do Projeto de Lei (PL) 7.291 – que regulamenta a atividade circense e que aguarda o parecer da comissão de Educação e Cultura do Congresso –, se deve à pressão política que os circos têm feito sobre os parlamentares. “Existe um lobby muito forte dos donos de circo, que têm muito dinheiro. No entanto, vemos pelas enquetes que boa parte da população não apoia esse tipo de prática”, diz Marta Giraldes, coordenadora de protestos e ação da Aliança Internacional do Animal (AILA).
Ela ressalta que a luta das ONGs é contra o uso de animais, não contra o circo. “A cultura circense é uma arte. Mas circo é lugar de pessoas. Elas não querem ver um animal sofrido fazer truques”, comenta.
O coordenador de operação e fiscalização do Ibama, Roberto Cabral, explica que o projeto tem sugestões emitidas pelo Instituto após 2005, quando técnicos se reuniram e analisaram a questão do bem-estar dos animais e a segurança pública e sanitária, e concluíram que esses termos são incompatíveis com os circos itinerantes. “É impossível manter os animais em estado de bem-estar sendo transportados por quilômetros dentro de jaulas minúsculas, assim como é impossível ensinar um elefante a sentar em um banquinho – uma posição que força e compromete toda a sua estrutura óssea – pelo simples reforço positivo (da compensação). Existe um espetáculo macabro de dor e sofrimento que o público não vê”, conta.
Maus-tratos
No dia da audiência não realizada, em novembro, os ativistas aproveitaram a ocasião para entregar aos parlamentares material denunciando maus-tratos nos circos brasileiros. Um vídeo produzido pela Animal Defenders, entidade internacional de proteção aos animais, mostra cenas de agressão a um camelo no Circo Estoril, no Brasil, e gravações clandestinas ao redor do mundo, mostrando o tratamento a que eles são submetidos.
Segundo a presidente do Great Ape Project no Brasil, Selma Mandruca, que cuida do resgate e da manutenção de grandes primatas no país, o modo como os animais de circo são tratados é repulsivo. “Nós recebemos animais mutilados, com os dentes arrancados, e castrados. Os chimpanzés são muito inteligentes e fortes, com uma mordida podem te fazer perder o braço”, relata ela, que já encontrou condições insalubres em circos. “Alguns passaram a vida toda acorrentados, vivendo em jaulas de três metros quadrados”, conta.
O coordenador do Ibama, Roberto Cabral, confirma a prática. “É comum macacos terem dentes arrancados. Tigres e leões têm as garras arrancadas e os elefantes, que no meio natural andam mais de 40 quilômetros por dia, são mantidos acorrentados com duas patas estendidas”, afirma.
Cabral coordenou, em agosto, a apreensão dos animais do circo Le Cirque, em Brasília, acusado de maus-tratos, e encaminhados para zoológicos da região.
Circos se defendem
Segundo o presidente da União Brasileira de Circos Itinerantes (UBCI), Wladimir Spernega, existem interesses escusos por trás da luta contra animais em circo no Brasil. “Existem interesses maiores. Algumas ONGs não estão preocupadas com a proteção dos animais, mas em como tomá-los dos circos para pôr em alguns zoológicos”, afirma ele, que ainda sugere a participação do Ibama no esquema.
Spernega diz que a ação do Le Cirque comprova essa teoria. Os animais teriam sido encaminhados para zoológicos fora de Brasília antes mesmo do fim do processo.
Do outro lado da polêmica, o coordenador de operações e fiscalização do Ibama, Roberto Cabral, diz que os animais apreendidos são levados para zoos e mantenedouros públicos ou privados que têm aval do instituto e capacidade para receber esses animais.
Imagens
Sobre as acusações de maus-tratos, o presidente da UBCI diz que as imagens reproduzidas em programas de tevê não são filmadas no Brasil e que o agressor do camelo no Circo Estoril era um voluntário de ONG infiltrado no circo e que quem filmou também deveria ser processado, por conivência. A diretoria do Circo Estoril diz que o agressor era funcionário temporário e nunca apresentou documentação pessoal.
A UBCI defende a aprovação de um projeto de lei de autoria do senador paranaense Alvaro Dias que permite o uso de animais em circos e regulamenta o manejo e transporte. “Nós queremos o melhor para o circo e para os animais”, declara o senador, dizendo que seu projeto (PL 7.291) foi “desvirtuado” de sua intenção inicial, que é a de preservar o patrimônio cultural circense. Segundo ele, o projeto previa a regulamentação do uso dos animais em circos, que seriam fiscalizados pelo Ibama, devidamente registrados, com uma rigorosa atenção em relação ao modo como são tratados.
De onde vêm?
Elefantes africanos, hipopótamos e até um rinoceronte branco. Como esses animais vêm parar sob a lona de um circo brasileiro?
De acordo com Roberto Cabral, do Ibama, os animais selvagens exóticos (não-domésticos e nativos de outros países) entram no país obedecendo às normas estabelecidas pelo Cites, um tratado internacional referente ao tráfico e extinção de espécies do qual o Brasil é signatário desde 1975.
Segundo a convenção, esses animais têm de ser nascidos em cativeiros (não podem ser fruto de caça) e, para entrar no país, precisam de autorização específica do Ibama, após laudos dos impactos que eles podem causar na fauna local e laudos veterinários certificando sua saúde e bem-estar.
Segundo Wladimir Spernega, presidente da UBCI, um elefante chega a custar R$ 200 mil.