Motorista leva deficiente visual e cão-guia em corrida, mas quer cobrar limpeza do carro
Guilherme Grandi
08/05/2018 12:00
Daiane e o cachorro Amorim: apesar da legislação ainda enfrentam dificuldades no transporte. Foto: Arquivo Pessoal
Apesar de uma lei federal de 2005 permitir aos deficientes visuais o uso de cão-guia em qualquer lugar aberto ao público, muitos afirmam que não raramente são barrados quando chegam com o animal. A resistência à presença do cachorro acontece geralmente em restaurantes, ônibus de transporte público e carros de motoristas de aplicativos, e pode virar até mesmo um caso de polícia.
É o que já aconteceu com a estudante Daiane Bubalo, que usa o cão-guia há quatro anos. Ela coleciona casos em que donos de restaurantes e motoristas de aplicativos e ônibus não a deixaram entrar com o animal, e diz que precisou fazer boletim de ocorrência em uma das vezes. “Eu tinha pedido um carro por um aplicativo de carona e, quando o motorista chegou, ele resistiu muito ao cão. Depois ele quis me cobrar a lavagem do carro, me constrangeu, e precisei chamar a polícia”, conta.
A dificuldade dela não é incomum, e se espalha em relatos pelas redes sociais. Em restaurantes, por exemplo, a lei federal conflita com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Enquanto uma permite o acesso de deficientes com o uso de cão-guia, a outra barra a presença de animais perto da comida. “Teve um buffet na rua Mateus Leme que aconteceu isso, e aí um outro cliente que estava lá contestou o gerente e o garçom”, completa Daiane.
Isso se dá por conta da falta de conscientização De acordo com o especialista do Instituto Magnuns, George Harrison, o Brasil ainda é carente da cultura do cão-guia. “E isso ainda é motivado por alguns fatores como o baixo investimento para o treinamento dos animais e, principalmente, pela falta de famílias voluntárias para recebê-los durante o período de socialização”. Segundo o Ministério da Justiça, são menos de 200 cães-guia em todo o país.
Dificuldades
Com cerca de sete milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual, sendo um milhão deles com uma cegueira extrema, a popularização do uso de cães-guia no Brasil esbarra também na falta de informação. A própria estudante Daiane Bubalo acreditava que ter um animal custava caro e dava muito trabalho.
Foi preciso muita conversa e convencimento dos professores de mobilidade do Instituto Paranaense dos Cegos para que ela aceitasse ter este tipo de ajuda. Daiane perdeu completamente a visão há nove anos, quando teve um descolamento de retina. “Eu fui dormir enxergando e acordei cega, de uma hora para outra”, conta.
Ela levou cinco anos para abandonar a bengala que a ajudava a se locomover.
“O cão-guia me dá agilidade, qualidade de vida e segurança. Eu ganho tempo em relação à bengala para fazer o que preciso”, explica.
Adaptação
Começar a usar um cão-guia não é assim tão fácil. Desde os três meses de vida até por volta de um ano e meio de idade, o animal precisa conviver com a família que será responsável por mostrá-lo às variadas situações do dia a dia, como lazer, viagens, transporte público e a convivência com crianças. George Harrison diz que tanto o deficiente quanto a família precisam seguir uma série de procedimentos, sobretudo passar grande parte do dia com os cães. “Isso é imprescindível para que a socialização seja feita corretamente e o deficiente visual receba um animal capacitado a guiá-lo em qualquer situação”, conta.
Amorim, o cão-guia da Daiane há oito meses, também passou por um período de adaptação com ela. A estudante conta que o recebeu através de uma doação feita pelo Instituto Federal Catarinense, em um programa do Governo Federal. “A adaptação dele precisa ser de acordo com vários fatores do deficiente, como estilo de vida, a altura, o caminho que ele percorre diariamente, entre tantas outras variáveis”, explica. Ela o treinou em caminhos rotineiros como ir de casa para a faculdade, para o Instituto Paranaense dos Cegos, entre outros.
No caso dela, o cão escolhido foi uma mistura das raças labrador com golden retriever, que tem um comportamento mais pacato e caseiro — a escolha da raça depende do estilo da vida do deficiente visual. O especialista do Instituto Magnus, que também capacita deficientes para o uso de cães-guia, conta que há animais que atuaram até os 12 anos como guias.
Mais fiscalização
No ano passado, a discussão sobre deficientes com cães-guia barrados no comércio chegou à Câmara Municipal. O professor Roberto de Almeida Leite, conselheiro suplente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Curitiba, subiu à tribuna para pedir o cumprimento e a fiscalização da legislação federal. De acordo com ele, a legislação vigente já cumpre tudo que é necessário.
“Qual a evolução que a lei brasileira de inclusão trouxe? Que o conceito de pessoa com deficiência foi mudado. A deficiência não está na pessoa como um fator de limitação, mas como um atributo humano”, salienta.
Ele ainda destacou que não há nenhuma instituição em Curitiba que forneça cães-guias. “Atuantes no Brasil nós temos o Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú, e o Instituto Federal do Espírito Santo. No campo privado temos a Escola Magnus, em Sorocaba; o Instituto Íris, de São Paulo e a escola para cães guia Hellen Keller, a mais antiga do Brasil, sediada em Florianópolis, e mais nenhuma”, completou.