Quer ser youtuber? Veja como é a vida por trás das câmeras
Flávia Schiochet
23/04/2017 18:46
Produzir conteúdo para as redes sociais e gravar vídeos periodicamente não é tão fácil quanto parece, dizem os youtubers. O maior desafio é o tempo para conseguir gravar, editar e publicar. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Cerca de 40 pessoas se reúnem no domingo à tarde, no pátio do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Em frente ao café, o “Encontrinho de Youtubers” reproduz o diminutivo na presença física, mas por trás das telas e selfies, são milhares de visualizações e comentários por mês — muito mais gente assistirá sobre o encontro do que de fato estar lá. O nicho chama a atenção principalmente de crianças e adolescentes, que idealizam os youtubers da mesma maneira que a geração anterior admirava apresentadores de programas infantis.
Mas viver da própria imagem não é tão fácil quanto parece, dizem os youtubers. “Para quem não trabalha com isso, parece que passar o dia fazendo Stories, Instagram e gravando vídeos é só alegria e diversão, porque as pessoas veem como hobby. Se quer viver disso, precisa estar disposto para fazer o dia todo”, conta Charles Szychat, de 25 anos. Ele guardou dinheiro em 2016 para poder se dedicar ao canal Charlando (quase 27 mil inscritos) em 2017 e poder viver disso. Por ora, trabalha em casa editando vídeo para outros youtubers, e as primeiras parcerias com marcas começaram a aparecer. “O mercado inflou nos últimos dois anos, ser youtuber é como ser modelo há uns anos. Todo mundo quer ser assistido e ninguém quer assistir”, critica.
Melina de Souza, uma das youtubers mais conhecidas de Curitiba, distribuía ois e beijos para todos. Uma das primeiras produtoras de conteúdo de Curitiba a ter alcance nacional, ela começou seu blog em 2010 e a partir de 2012 passou a viver dele. Seu conteúdo ganhou destaque pelas fotografias e resenhas de livro. Criou o canal Serendipity no Youtube em 2013 pelo pedido dos leitores, que queriam ouvir sua voz. “Foi difícil no começo por causa da timidez”, confessa. Seu conteúdo passou a ser também sobre roupas, acessórios e viagens — em 2016, ela publicou um livro pela editora Record, “O guia para ser você mesma”, em parceria com outra blogueira, Lia Camargo. “É preciso autenticidade para conquistar audiência. O viral pelo viral pode ajudar a crescer muito rápido, mas as pessoas cansam muito rápido também”, diz. Como segue sendo uma das mais reconhecidas? “Eu não faço publicidade de marcas que não acredito. Neguei diversas vezes para uma mesma empresa, porque seria uma mentira dizer que uso o produto deles”, aconselha.
Atualmente, Melina mantém uma agência com três pessoas para responder a orçamentos e solicitações de media kit, entre outras demandas. Com o passar dos anos, a galinha dos ovos de ouro que a plataforma de vídeos parecia, minguou. “Há prós e contras. Está mais fácil para as marcas reconhecerem a vantagem de uma parceria com youtuber ou quem só publica no Instagram. Por outro lado, está mais difícil de crescer, porque os algoritmos mudam e diminuem o alcance das publicações, a forma de monetizar também”, avalia.
“Nosso público é muito jovem e o papel do youtuber é mostrar que não é mil maravilhas. Não se pode largar a escola. Muitas vezes gastamos dinheiro para construir cenário e editar e não há retorno financeiro certo”, diz Sabrina Assis, corretora de plano de saúde de 22 anos e há um ano produzindo conteúdo de estilo de vida para seu canal homônimo, que conta com cerca de 5 mil inscritos.
Assim como ela, Mariana Emerim (cerca de 11 mil inscritos) também não vive da renda do canal: “Tem que pensar qual o objetivo do canal, tem que ser algo que você gosta muito e que não vá esgotar. Por exemplo: se for só esmalte, uma hora enjoa”, diz a designer de 25 anos. Ambas contam com a ajuda dos namorados para fazer as fotos e colocam o tempo como um dos principais desafios para quem faz jornada dupla. “Tem vídeo de cinco minutos que leva dois dias para gravar”, concorda Eduardo Wizard, de 19 anos, que há dois anos alimenta canal que leva seu nome com vídeos de decoração faça-você-mesmo (cerca de 121,4 mil inscritos).
Amigo virtual para adolescentes
Alguns poucos pais e mães acompanhavam pré-adolescentes na sessão de fotos e autógrafos. As crianças estavam em estado de graça. Giovanna Laurindo de Almeida, de 11 anos, era uma delas. Usando um vestido de malha mescla e preto com um batom escuro, a menina produz vídeos para um canal recém-criado. “Faz quase três anos que eu faço vídeos. Eu tive um canal com mil inscritos, mas hackearam, tive que começar de novo”, lamentou.
Inspirada pelos youtubers Lari Oyama, Dobruskii e Bruna Paola, Giovanna fala de maquiagem, produtos para cabelo e responde às tags e desafios que outros youtubers lançam na rede. “Temos um acordo: ela pode fazer desde que tire notas acima da média no colégio e não pode divulgar onde mora nem mostrar nada em casa”, disse a mãe de Giovanna, Leia Laurindo Macedo. A facilidade de sua geração com a tecnologia faz com que muito do material seja captado e editado por celular. Giovanna espera manter o canal e conseguir cada vez mais inscritos para que ela possa trabalhar como youtuber quando crescer.
Assim como ela, Lorella Bonaccorso, de 12 anos, também começou a imitar em casa o que via na tela, mas apagou o canal para manter o foco nos estudos. Mas o tempo on-line e a gravação de vídeos permanece. “Eu vejo essa brincadeira de um jeito bom. Ela e as amigas desenvolvem várias habilidades e pesquisam sobre coisas como jogo de luz, construção de cenário. Ela comprou um tecido verde para fazer chroma key”, contou o pai Carlos Alberto de Lima. Dentre os vídeos que foram apagados, esquetes de humor com temas cotidianos para as crianças como “tipos de mãe”. “Eu gosto mais de ver as dicas que os youtubers dão de como sobreviver na vida”, disse Lorella, enquanto o pai abafava a risada. “Como sobreviver a um incêndio, por exemplo”, completou. “São coisas que eu não sei onde ela veria. Acho que amplia a visão delas”, explica o pai.
Para muitos, o conteúdo produzido pelos youtubers é um ombro amigo. Stephany Klenk, de 13 anos, costuma assistir aos vídeos do canal Charlando para rir. “Parece que eu conheço ele há muito tempo e que somos amigos próximos. Ele me anima”, disse a menina, emocionada.
O ombro amigo virtual vale para quem está entrando na vida adulta. “Quando estou desmotivada, eu vejo os vídeos dela. Ela me inspira desde quando eu estava no colégio. Temos gostos parecidos e ela me mostrou que não preciso ter medo de ser quem eu sou”, disse Andressa Rechetelo, de 19 anos, estudante de engenharia e presidente há um ano do fã clube Mel Lovers, no Instagram. “Tento sempre passar uma mensagem positiva para meus leitores. Muita gente diz que tenho um blog terapêutico, porque minhas fotos são pensadas para passar uma atmosfera boa, é mais lúdico”, define Melina.