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Fundadora da trupe Ave Lola, Ana Rosa Tezza quer valorizar o trabalho de mulheres no teatro

Patrícia Sankari
29/07/2024 09:37
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Ana Rosa na peça "Manaós - uma saga de luz e sombra". | Elenize Dezgeniski

Ana Rosa Tezza, diretora, dramaturga e fundadora da companhia de teatro Ave Lola, tem uma aura de quem nasceu com o destino traçado. Ela recorda com nitidez os primeiros murmúrios de sua vocação, mesmo quando mal sabia o que isso significava. "Eu nunca falei que eu ia fazer outra coisa na minha vida. Eu era uma criança de 3, 4 anos, falando: ‘Eu vou ser artista de teatro’, e a minha mãe ria, porque eu nunca nem tinha ido a um teatro", conta com um sorriso nostálgico.
Ana nasceu em Curitiba, mas cresceu no calor do Acre. Lá, o teatro não era tão próximo e vívido, mas seu primeiro encontro com ele não demorou. Aos cinco anos de idade, sua avó a levou, junto com o irmão, a uma peça na cidade. “Eu não lembro qual era a peça, mas meu irmão ficou muito preocupado, porque, quando teve o aplauso, eu comecei a chorar muito. Ele achou que eu estava com medo ou achando que a história era verdadeira. Então, tentava me acalmar, falando: ‘Não chora, mana, não chora’. E a minha avó conta que eu dizia: ‘Não é por causa disso, é por causa do aplauso’”.
Depois disso, sua paixão pelo teatro passou a se revelar nas mais diversas situações. No colégio, muito antes de frequentar aulas formais de atuação, Ana transformava os trabalhos de português em performances. "Eu cantava os textos e dirigia. Só que depois que eu entrei para faculdade de teatro, nunca me dei conta que eu dirigia", confessa entre risos.
Ana Rosa.
Ana Rosa.
Aos 15 anos, voltou a Curitiba para concluir o ensino médio e, mais tarde, cursou a graduação no Rio de Janeiro. Ao ingressar na faculdade de teatro, inicialmente focou em seu desenvolvimento como atriz, conquistando reconhecimento e oportunidades em diversos palcos. "Eu entrei para fazer o meu processo de aprendizagem para atriz e fui atriz e me saía bem. Fui sempre convidada, sempre participei de bons trabalhos", relembra.
Depois de formada, Ana foi fazer pós-graduação em Interpretação no Chile, onde morou por cerca de dez anos e trabalhou como atriz, fazendo turnês na Europa. Mas decidiu voltar a Curitiba para ficar próxima da família quando teve sua segunda filha, aos 32 anos.
Foi só então que começou a descobrir que poderia ter outro papel profissional, além do de atriz. “Aqui, eu dava aulas de atuação na Escola Internacional de Curitiba, preparava os alunos para irem fazer as suas provas em artes cênicas fora do Brasil, montava espetáculos. Mas, na minha cabeça, eu não estava dirigindo. Eu estava preparando os alunos”.

A Ave Lola

Foi só quando abriu a Ave Lola, aos 40 anos, que Ana assumiu plenamente o papel de diretora de teatro. A companhia de teatro, por sua vez, nasceu a partir de um empurrãozinho da mãe de Ana, que sempre acreditou em seu talento para a direção.
“Minha mãe decidiu alugar uma casa para se dedicar à cerâmica e me chamou para dividir com ela. Eu fui relutante, falei que não ia alugar junto. No final das contas, ela alugou e, logo na sequência, faleceu. E eu fiquei com a casa. E assim, a Ave Lola nasceu em 2010”, conta.
Em seguida, veio a oportunidade de dirigir um espetáculo. "Uma amiga minha chegou e falou: ‘Olha, Ana, eu aprovei um projeto para criança que tem bonecos e tal, quero que você dirija’”.
Diante das circunstâncias financeiras e do encorajamento de seu irmão, ela aceitou o desafio. O resultado foi extraordinário: "O malefício da mariposa", que não apenas encantou o público, mas foi considerado o melhor espetáculo teatral do Paraná pelo Prêmio Gralha Azul de 2012. Além disso, em 2019, compôs a programação do Festival Internacional La Rebelión de Los Munecos, em Santiago do Chile e, em 2020, foi convidado para integrar a programação do Festival Santiago a Mil, um dos maiores festivais de teatro da América Latina.

Ave Lola!

O nome "Ave Lola" teve como inspiração a avó de um amigo de Ana Rosa, que substituía a expressão "Ave Maria" por "Ave Lola" no dia a dia, por questões de religiosidade. A fundadora da companhia acabou adotando a expressão como uma forma de elogiar ou chamar a atenção das pessoas e foi lembrada dela quando estava buscando um nome para o grupo. Ela conta que, em determinado momento, expressou sua frustração dizendo: "Ave Lola, como é difícil achar um nome!", e todos à sua volta responderam com: “Ave Lola!”.

Desafios de uma mulher na direção

A jornada de Ana rumo à direção teatral foi permeada por dúvidas e inseguranças por conta de, especialmente, um fator: ser mulher. “Você fica com medo de assumir esse lugar de liderança. Nós, mulheres, somos muito pouco estimuladas a [ocupar] esse lugar. Quando eu era menina, e até agora, quantas mulheres diretoras eu tinha conhecido? Nenhuma. Então, não tinha no meu imaginário uma diretora mulher”, avalia.
Outro desafio foi encontrar uma maneira de liderar e ser levada a sério. “No início eu tentei ser boazinha, agradecer tudo, principalmente os homens, no sentido de ‘se não fossem vocês’, para tentar liderar sem embates. Até que um dia um homem falou: ‘Realmente, se não fosse a gente’. Aí, eu pensei: ‘Espera, eu preciso assumir o meu papel!’. Foi graças a mim, eu fiz isso funcionar. Se não, os outros vão se engrandecendo em cima dos meus feitos e eu vou sumindo”, conta.
Atrelado a isso, veio a questão do reconhecimento dos pares. Segundo Ana, enquanto diversos homens se tornam grandes diretores e alçam voos para além das fronteiras de Curitiba, as mulheres permanecem aqui, mesmo sendo responsáveis por projetos tão ou mais importantes do que os deles.
“Eu sei que essa lentidão tem a ver com a figura de ser uma mulher. Nós temos sempre que nos provar. Primeiro você é bonitinha, mas nova demais e não te levam a sério. Depois você é velha demais, uma mulher menopausada (sic), que já não é mais bonitinha, que já não está com colágeno em dia”.
Os trabalhos de Ana na Ave Lola já circularam por todo Brasil.
Os trabalhos de Ana na Ave Lola já circularam por todo Brasil.
Ela cita como exemplo o fato de nunca ter sido convidada para dirigir sozinha um espetáculo do Teatro de Comédia do Paraná (TCP), mesmo tendo ganhado o Gralha Azul de melhor direção em quatro anos seguidos.
“Na história de 40 anos do TCP, teve duas mulheres convidadas para dirigir. Esse é um órgão público que dá visibilidade do ponto de vista currículo, afinal, você é convidada pelo Estado para fazer uma obra. Mas, quando me convidaram, me convidaram junto com mais duas mulheres. Eu disse que não. Por que quando é um homem é um só e quando é mulher são três para dar conta de uma peça?”, questiona.
Na luta diária contra o machismo, Ana reconhece o papel fundamental de sua mãe e de suas filhas em sua jornada. Herdeira de uma linhagem de mulheres fortes e empoderadas, ela aprendeu desde cedo que poderia ser quem quisesse e foi relembrada disso por suas filhas em diversos momentos da sua carreira.
Tudo isso se reflete na Ave Lola que, no início de maneira inconsciente e natural, e agora de forma consciente, é uma companhia liderada apenas por mulheres, como forma de abrir espaço e visibilidade para elas no mundo das artes. Hoje, a companhia, que tem sede no Centro, soma um público de mais de 90 mil pessoas em seus espetáculos e já conquistou 34 prêmios, entre eles 20 premiações do Gralha Azul e indicações para o Shell e Cesgranrio.
“Apesar de todo o cenário, estamos construindo uma história bonita. Eu sou muito otimista e tenho o propósito de fazer essa mudança nesse meio. É minha obrigação pegar essa geração e perguntar: 'O que posso fazer para ajudar vocês a entenderem, contornarem e forçarem esse navio para outra direção?’”, finaliza.