Arte em Curitiba

Obra "Figuras e Pássaro", de Alberto Massuda, colore (ainda mais) a Travessa Nestor de Castro

Vivian Faria
22/07/2024 12:03
Thumbnail

Um ano antes do centenário de Alberto Massuda, obra do artista é transformada em painel e instalada em uma das paredes externas da Casa da Memória. | Leo Flores

Quem circula pela Travessa Nestor de Castro já deve ter reparado que a via, que reúne grandes painéis artísticos e funciona quase como uma galeria a céu aberto, ganhou uma nova obra. É um painel em azulejo que traz três figuras humanas junto a um pássaro sobre um fundo avermelhado. Ele foi instalado em uma das empenas do edifício que abriga a Casa da Memória, pouco depois do encontro entre a travessa e as ruas Barão do Serro Azul e São Francisco.
Inaugurado em abril, o painel é uma reprodução – ampliada e adaptada à pintura em azulejos – da obra “Figuras e Pássaro” (1988), do artista Alberto Massuda, egípcio que se mudou para o Brasil em 1958 e fez de Curitiba seu lar até sua morte, em 2000. É inspirada nas Três Graças, deusas da beleza na mitologia grega, e esta versão foi executada por um grande amigo de Massuda e grande nome da arte curitibana, Adoaldo Lenzi.
A obra foi um presente da família de Massuda para a capital paranaense. O objetivo era deixar um legado para a cidade, permitindo que ela tivesse uma obra pública do artista – e uma feita para durar. “Por que escolhemos fazer em azulejo? Porque a vida útil deles é de, no mínimo, 300 anos. Meus filhos, netos e toda a geração deles vai conhecer [a obra de Alberto Massuda]”, diz um dos filhos do artista Cadri Massuda.
“Figuras e Pássaro” tem elementos comuns ao trabalho de Massuda: figuras humanas, pássaros e a cor vermelha. Foto: Leo Flores.
“Figuras e Pássaro” tem elementos comuns ao trabalho de Massuda: figuras humanas, pássaros e a cor vermelha. Foto: Leo Flores.
Cadri conta ainda que foi o próprio prefeito quem definiu que a pintura “Figuras e Pássaro” seria transformada em painel. “Levei umas dez sugestões e ele escolheu”, conta. Já a decisão sobre o local de instalação foi tomada em conjunto entre os herdeiros do artista e a prefeitura, e considerou os planos da prefeitura de revitalizar a região para transformá-la num equipamento que conta a história da cidade sob o nome de Rua da Memória (ver abaixo).
“Escolhemos esse local para colocar tão belo presente para Curitiba porque consideramos a Travessa como a Rua da Memória, a moldura do Largo da Ordem”, disse o prefeito Rafael Greca em maio de 2023, quando a execução do painel foi anunciada. Ali, ela está próxima de murais de arte urbana, de importantes painéis de Poty Lazzarotto – “O Largo da Ordem” e “Imagens da Cidade” – também executados por Lenzi e, principalmente, das pessoas que circulam pela região central da cidade.
“Isso é um privilégio”, diz Lenzi. “Quando eu conversava com o Poty, questionava que tipo de obra ele preferia fazer e ele dizia: ‘Prefiro fazer um painel, porque minha obra está à disposição de todos’. Comecei a absorver essa ideia também”. Para ele, o painel também vai tornar Massuda um artista mais popular, já que seu trabalho está majoritariamente em acervos particulares.

Legado

Não é só a obra instalada no Centro Histórico que deve dar mais visibilidade ao trabalho de Massuda – outra, menor, mas também executada por Lenzi, foi instalada no fim de junho no Cemitério Municipal do Água Verde. Ambas fazem parte das ações planejadas pela família para celebrar o centenário do artista, comemorado em 2025.
Conforme Cadri, há um documentário sobre o primeiro painel em produção e outro em estudo. “Estamos buscando imagens para fazer um documentário sobre a vida dele [Alberto Massuda]”, revela. Além disso, a família criou uma fundação em nome de Alberto Massuda para manter o acervo e pretende fazer uma exposição com obras dele.

Artista

Alberto Massuda nasceu Ibrahim Massaud, no dia 2 de janeiro de 1925, no Cairo, Egito, a uma família judia de classe média alta. Por influência da mãe, uma mulher de origem persa dotada de grande talento artístico, apaixonou-se cedo pelo universo das artes e decidiu não seguir seu pai e seus quatro irmãos mais velhos na carreira de ourives.
Cursou a Escola de Belas Artes no Cairo e, em 1951, quando a tensão política no Egito ampliou a violência e a intolerância contra judeus, mudou-se para a Itália para cursar Cenografia de Cinema – curso no qual teve aulas com ninguém menos do que Federico Fellini. Foi lá que conheceu Carmina, com quem se casou e teve três filhos. Ainda voltou ao Egito e à Itália antes de se mudar para o Brasil, em 1958, trazendo novidades.
“Meu pai foi o precursor do surrealismo no Paraná e no Brasil”, conta Cadri. “Mas é interessante como ele nunca ficou preso a um só estilo ou tipo [de arte]”. De acordo com o herdeiro, os trabalhos de Massuda são caracterizados pelo uso de muitas cores, com destaque para o vermelho e o azul, e a presença de alguns elementos como figuras humanas, pássaros e cavalos.
Produziu, principalmente, pinturas e gravuras, mas, segundo Lenzi, arriscou-se a fazer um painel de azulejo certa vez. “Ele queria pintar um painel de cerâmica, só que a pincelada e preparação das tintas eram diferentes”, relembra o artista. Massuda acabou recorrendo ao amigo para lhe ensinar a preparar as tintas.

Da tela ao painel

Maquete feita por Lenzi para planejar e testar as cores do painel. Foto: Vivian Faria.
Maquete feita por Lenzi para planejar e testar as cores do painel. Foto: Vivian Faria.
A pintura “Figuras e Pássaro” de Massuda tem em torno de 1,5 m x 1,2 m. Já sua versão painel tem 11 m x 8,26 m. Para produzi-la, Lenzi levou a original para seu ateliê, produziu o que chama de maquete – uma versão em azulejos menor do que a final – para testar as cores e, então, passou para a final.
O processo todo demorou pouco mais de um ano. Entre os desafios estavam a adaptação do desenho original ao espaço destinado ao painel sem distorcê-lo e a produção de uma obra tão grande – o painel é maior, por exemplo, do que o espaço interno do ateliê de Lenzi, por isso, não foi possível vê-lo por inteiro antes de ele ser instalado na parede.
Conforme Lenzi, o painel possui, ao todo, 713 peças. Elas foram queimadas em grupos de 25, o que significa que foi necessário dividi-las em 29 grupos.

Galeria a céu aberto na Nestor de Castro

A reforma na Travessa Nestor de Castro foi anunciada pela prefeitura em janeiro. A revitalização vai transformar o local na chamada Rua da Memória, uma espécie de galeria que vai conectar o Memorial de Curitiba e a Casa da Memória e contar a história da cidade.
“O nosso objetivo com a Rua da Memória é conectar esses dois espaços mesmo. Que a gente possa, de uma forma mais lúdica, com suportes interativos e de tecnologias, falando a linguagem dos jovens, mostrar essa cidade para que eles também tenham interesse em conhecê-la”, explicou a diretora de Projetos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Célia Bim, à época à Tribuna do Paraná.
Vista aérea da Tv. Nestor de Castro. É possível ver o painel com a obra de Massuda, além de murais de arte urbana e um dos paineis de Poty Lazzarotto. Foto: Ricardo Marajó/SMCS
Vista aérea da Tv. Nestor de Castro. É possível ver o painel com a obra de Massuda, além de murais de arte urbana e um dos paineis de Poty Lazzarotto. Foto: Ricardo Marajó/SMCS
A área onde será construída a Rua da Memória é ocupada hoje por comércios, os quais estão sendo desapropriados. A partir disso – e da finalização de ajustes finais do projeto, os obras poderão ser iniciadas. A previsão é que elas durem oito meses.
Há também a proposta de fazer outras adequações na região, como o prolongamento da trincheira que liga a Alameda Augusto Stellfeld à Travessa Nestor de Castro. Com isso, haveria uma inversão nos fluxos: as pessoas, que hoje passam pela Galeria Júlio Moreira para atravessar a via, passariam a utilizar a parte de cima da trincheira para circular. O espaço passaria a ser usado para o lazer, a convivência e as manifestações sociais e culturais.
Relembre: Maior parceiro de Poty Lazzarotto, Adoaldo Lenzi também foi responsável pela execução do vitral que estampou a capa da revista Pinó de janeiro. Além de trabalhar com cerâmica, o artista plástico tem uma vasta produção em pedra natural, mosaicos e vitrais. Confira o texto sobre o vitral A Criação das Profissões.