Arte em Curitiba

Um norueguês paranaense: Alfredo Andersen fez do Paraná seu lar e se tornou o “pai da pintura paranaense”

Patrícia Sankari
15/04/2024 12:22
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Tereza é o nome da mulher que está à janela na obra que estampa a capa da edição de abril da revista Pinó. Ela era portuguesa e trabalhava na casa em que foi retratada, a residência do senhor Harold Sigmand, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Foi eternizada por obra do norueguês Alfred Emil Andersen, que teve o nome abrasileirado para Alfredo Emílio Andersen e acabou conhecido como o pai da pintura paranaense.
Nascido em Kristiansand, no sul da Noruega, em 3 de novembro de 1860, Andersen desafiou as expectativas familiares ao optar pela arte em vez de seguir a tradição naval de seu pai. O talento precoce garantiu a ele permissão para seguir esse caminho e o levou a estudar em diversos ateliês, com destaque para a Academia Real de Belas Artes de Copenhagen, na Dinamarca.
Sendo filho de um capitão da marinha mercante, teve a oportunidade de visitar vários locais do mundo. Foi durante uma viagem ao continente americano, em 1892, que encontrou o caminho para o Paraná. “O destino final da sua viagem seria Buenos Aires. Na costa brasileira, o barco aportou no porto de Cabedelo, na Paraíba, local onde teve a oportunidade de pintar uma belíssima tela com a paisagem litorânea da cidade. Ao continuar a viagem para o sul, um forte temporal provocou avarias no mastro da embarcação, o que o obrigou a aportar em Paranaguá”, explica Luiz Gustavo Vardanega Vidal Pinto, diretor do Complexo Alfredo Andersen, que reúne um museu e uma academia de artes em homenagem ao norueguês.
As paisagens que Andersen pintou podem ser divididas em três grupos: marinhas, campestres e urbanas.
As paisagens que Andersen pintou podem ser divididas em três grupos: marinhas, campestres e urbanas.
Desconhecendo completamente a língua do país, recebeu ajuda de um holandês que era chamado de Sr. Hartog. Foi ele que ensinou português ao artista e o hospedou durante cerca de seis meses. “Andersen pintou o retrato dele, e esse foi seu o primeiro trabalho por encomenda realizado no Brasil”, conta Luiz Gustavo. Segundo ele, ainda hoje, persiste um certo mistério em relação ao fato de o artista, cujo nome já se projetava na Europa, ter tomado a decisão de permanecer em Paranaguá.
Na cidade, Andersen mergulhou na pintura de paisagens costeiras e retratos, estabelecendo-se como um artista proeminente e começando a transmitir seu conhecimento por meio do ensino de arte. “Muitos dos trabalhos da produção artística de Andersen dessa época não puderam ser resgatados por terem sido trocados por mercadorias com a tripulação dos barcos que faziam escala no porto” diz.

Fase curitibana

Com a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, a ligação do planalto com o Litoral era muito facilitada, o que levou Andersen a fazer algumas visitas à capital do estado. “Há registros de um comentário feito por ele em que dizia: ‘Em 1893, visitei em Curitiba a Escola de Artes e Indústrias dirigida pelo Sr. Mariano de Lima, tendo ficado impressionado. Encontrei as diferentes classes cheias de alunos, crianças, moças, rapazes e homens, todos trabalhando na melhor ordem. A breve visita fez de mim um admirador desse Estado progressista’”, narra Luiz Gustavo.
Em 1902, o trajeto Paranaguá- Curitiba foi feito para uma mudança definitiva e deu início a um novo capítulo na vida do artista – mas sem que deixasse de pintar, ensinar e deixar uma marca na comunidade artística local. A ligação com o engenheiro Rodolfo Lange e o envolvimento com instituições educacionais fortaleceram a presença dele na cidade e solidificaram seu legado como uma figura central na história da arte do Paraná. “[No ano em que chegou a Curitiba] dividiu um estúdio com Adolpho Volk, primeiro fotógrafo de Curitiba, ocasião em que trabalhou pintando cenários para fotografias e colorindo fotos. É dessa época a belíssima série de fotos das Rutenas, coloridas pelo artista, e a vista panorâmica de Curitiba, hoje pertencentes ao Museu Paranaense. Volk, ao transferir seu estúdio para novas dependências na rua XV de Novembro, cedeu o prédio da Marechal Deodoro para que Andersen instalasse o seu primeiro ateliê na cidade”, conta o diretor do Complexo Alfredo Andersen.

Legado

Os retratos que o artista fez dividem-se também em três grupos: retratos de encomenda, retratos afetivos e autorretratos.
Os retratos que o artista fez dividem-se também em três grupos: retratos de encomenda, retratos afetivos e autorretratos.
A paixão de Andersen pela arte e a dedicação dele ao ensino reverberaram e fizeram com que ele influenciasse numerosos artistas, muitos dos quais se tornaram figuras proeminentes no cenário artístico paranaense. “Na década de 1910, Andersen passou a lecionar desenho em instituições de ensino formal da cidade, como a Escola Alemã, o Colégio Paranaense e a Escola de Belas Artes e Indústrias – primeira instituição voltada para o ensino de técnicas artísticas do Paraná e a qual, em 1893, causou grande impacto em Andersen”.
Foi essa trajetória no ensino que o tornou conhecido como o “pai da pintura paranaense”, afinal, ele foi o responsável por ensinar grandes artistas. Entre seus discípulos estão Frederico Lange de Morretes, Waldemar Curt Freyesleben, Estanislau Traple, Gustavo Kopp, Maria Amélia D’Assumpção, João Ghelfi, Silvina Bertagnoli, Thorsten Andersen, Annibal Schleder, Rodolfo Doubeck, Raimundo Jaskulski, Augusto Pernetta, Taborda Júnior, José Daros, Sinhazinha Rebelo, Lidia De Marco, Inocência Falce, Albano Agner de Carvalho e Theodoro De Bona.

Museu Alfredo Andersen

Em 1915, Andersen se transferiu da Marechal Deodoro para um sobrado na rua Mateus Leme, onde lecionou e produziu até seu falecimento, em 1935. É ali que hoje está o Complexo Alfredo Andersen, que primeiro foi Casa Alfredo Andersen – Escola e Museu de Arte (1947) e depois se tornou Museu Alfredo Andersen (1979).
O museu, que fica na R. Mateus Leme, 336, São Francisco, foi sua casa e ateliê.
O museu, que fica na R. Mateus Leme, 336, São Francisco, foi sua casa e ateliê.
O espaço tem como principais objetivos recolher, conservar, catalogar, expor e difundir a obra do artista e de seus discípulos, bem como ministrar o ensino técnico e artístico, promovendo exposições, certames artísticos, estudos e cursos de formação e atualização.
“Hoje, denominamos [o espaço] de Complexo Alfredo Andersen, formado pelo Museu Casa, que era a casa do Alfredo Andersen, em que temos uma sala rotativa de exposições, e na parte de trás, temos um prédio em que promovemos os nossos tradicionais cursos, a Academia Alfredo Andersen. Atualmente, são cerca de 350 alunos, entre pintura, desenho, cerâmica, ilustração botânica, fotografia, aula de artes, gravura, tanto para iniciantes, intermediários e avançados. Esses cursos têm uma grande procura semestral, pela qualidade e pela gratuidade”.
Assim, a história, as obras e o compromisso de Andersen com a expressão artística continuam a inspirar e educar aqueles que visitam o complexo, mantendo viva a memória de um dos maiores artistas que já passaram pelo Paraná
CURIOSIDADES
  • Em 1910, Andersen estreitou seus laços com o governo do estado e executou o primeiro projeto para o brasão do Paraná.
  • Com a criação do Museu Alfredo Andersen, o artista se tornou o único norueguês a ter um museu fora do próprio país.
OBRA DA CAPA

Serviço

Museu Casa Alfredo Andersen:
Rua Mateus Leme, 336, São Francisco, Curitiba/PR.
mcaa.pr.gov.br
@museualfredoandersen
Visitação: de terça a domingo, das 10h às 17h. Entrada gratuita