Saúde e Bem-Estar

Bicho carpinteiro no mundo da lua

Érika Busani
03/07/2006 01:40
erikab@gazetadopovo.com.br
Bagunceiro, distraído, problemático, irresponsável, mal-educado. A lista de rótulos de uma criança com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA-H) é enorme. Tanto estigma vem da desinformação e dos dois grupos de sintomas típicos do problema.
No primeiro, a desatenção. É aquela criança que está sempre “voando”. Não se concentra, é facilmente distraída pelos estímulos externos ou por pensamentos. Não responde quando chamada, esquece tarefas e a hora das refeições. O segundo é o da hiperatividade e impulsividade. Agitada, mexe mãos e pés, não consegue ficar sentada, fala demais, corre e escala sem noção do perigo, responde às perguntas antes de seu fim, tem dificuldade de aguardar sua vez nas brincadeiras e jogos, interrompe a fala dos outros. Há duas formas de manifestação do TDA-H: apenas com os sintomas da desatenção ou tudo junto.
Não é difícil imaginar as repercussões do distúrbio na vida da criança, principalmente quando o diagnóstico demora. Por anos, diariamente, ela ouve o quanto seu comportamento é inadequado e vê os colegas se afastando, o que atinge em cheio sua auto-estima.
Sintomas x normalidade
Não se trata de um problema comportamental, mas um transtorno mental com base orgânica, o que significa que os portadores não têm controle sobre os sintomas. Cerca de 3 a 5% das crianças têm TDA-H. Metade delas terá a disfunção na fase adulta. Já se chegou a acreditar que ocorresse apenas no sexo masculino, devido às meninas terem menos sintomas de hiperatividade-impulsividade e mais de desatenção. Hoje entende-se que a proporção é de 3 meninos para 1 menina.
Não há exames que detectem o transtorno, o diagnóstico é clínico. “Todos nós podemos apresentar características como impulsividade, distração ou se esquecer das coisas de vez em quando. Mas no caso de quem tem TDA-H, essas características aparecem todas juntas, associadas, e em uma intensidade e freqüência tal que comprometem a vida do paciente”, diz o psiquiatra e psicoterapeuta Dirceu Zorzetto Filho, coordenador do Programa de Transtornos do Humor e Ansiedade do Hospital de Clínicas do Paraná.
Para diferenciar o TDA-H da distração ou impulsividade normais é necessário que os sintomas estejam presentes por pelo menos seis meses e manifestem-se em pelo menos duas situações diferentes (casa e escola, por exemplo), sendo nitidamente diferentes do esperado para a faixa de idade da criança. Se não for diagnosticado e tratado, o transtorno pode trazer prejuízo à vida escolar, uma adolescência conturbada e com maior risco de envolvimento com drogas e, no futuro, problemas de ordem conjugal e profissional.
O psiquiatra Mario Louzã, do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de São Paulo, alerta que o mal ainda é subdiagnosticado principalmente por falta de informação. “O número de diagnósticos aumentou muito nos últimos anos porque hoje se fala mais no assunto. Mas se você perguntar aos professores de seu filho, metade deles nunca ouviu falar do TDA-H. Boa parte das pessoas não têm noção de que a doença precisa de tratamento”, afirma. Por outro lado, o pediatra e homeopata Antônio Carlos Silveira Rezende diz que “existe na atualidade um pressa ou uma facilidade em classificar qualquer criança mais ativa, peralta, como hiperativa”. As informações de pais e professores devem servir de base para o diagnóstico, feito apenas pelo médico.
O tratamento é feito com medicamentos psicoestimulantes, que podem apresentar efeitos colaterais nos primeiros dias. “Há uma controvérsia se eles atrapalham o crescimento. Estudos mostraram que, mesmo crescendo de um a dois centímetros menos que seus pais, isso é compensado pelos efeitos terapêuticos”, garante Louzã. Melhor rendimento escolar, na concentração e o fim ou diminuição do efeito “bicho carpinteiro” são alguns dos benefícios.
Caminho natural
O pediatra homeopata Antônio Carlos Silveira Rezende vem desenvolvendo o tratamento homeopático do TDA-H há 10 anos e apresentou no ano passado sua tese de mestrado comprovando a ação da homeopatia na doença. Durante dois anos, ele tratou e acompanhou, com a ajuda de pais e professores, 20 pacientes de 7 a 12 anos. Seguindo os preceitos da homeopatia, o tratamento é individualizado e visa criar uma resistência natural e harmônica do paciente com o meio e com ele mesmo, através do estímulo medicamentoso. “A maior conquista do trabalho foi a mudança de atitude dos pacientes, que passaram a ter um comportamento melhor, garantindo uma melhora na qualidade de vida”, diz. (EB)