Saúde e Bem-Estar

Cleptomania, a aventura de caça ao afeto

Estevan Matheus
28/08/2005 17:27
É muito comum na fase pré-escolar a mãe encontrar nas mochilas de seu filho objetos que não pertencem a ele. Ao questioná-lo, a resposta quase sempre é a mesa: “Meu amiguinho me deu, porque não gostava mais dele”. Mas como lidar com um assunto tão delicado, sabendo que o filho não ganhou aquele presente de ninguém e que provavelmente essa não foi a primeira vez que fez isso? Normalmente a causa desse comportamento é uma forte carência afetiva e o processo costuma ter início na infância.
Para chamar atenção de seus pais ou das pessoas que mais gosta, a criança inicia uma aventura de caça ao afeto ausente, começando a furtar balas, doces e até brinquedos. Da escola, ela tira os pertences de seus amiguinhos. No supermercado, feira ou lojas, começa a evoluir esse processo, se apoderando de chicletes, pilhas, cartuchos de videogames e outros itens que povoam seu universo infantil.
Sem nenhum controle ou percepção dos pais para ajudá-lo, seu comportamento vai se agravando cada vez mais. Em vez de sabor de conquista, o objeto roubado perde sua importância logo em seguida, mas proporciona ao pequeno o alívio da tensão e da ansiedade que o perseguiam até a consumação do ato. Quantos pais já não souberam – perplexos – que seus filhos adolescentes em viagem para a Disney foram pegos roubando chaveiros e pequenos objetos. Lá, no entanto, as leis são muito mais rigorosas que no Brasil, levando muitos jovens a passarem por total constrangimento perante a Justiça americana.
A cleptomania é uma compulsão desenfreada para o roubo, podendo atingir crianças, adultos e idosos. Mas é mais comum do que se imagina entre as mulheres. Na novela América, a atriz Christiane Torloni vive a personagem Haydée que retrata muito bem esse tipo de comportamento. Não importa a classe social, as mulheres com esse desvio de comportamento perdem o controle e se sentem cada vez mais carentes. São atraídas pelas ofertas glamurosas do universo fashion e da beleza, chegando até a furtar esmaltes escondidos em rolos de papel higiênico.
Desde muito cedo os pais devem ficar atentos aos sinais emitidos por seus filhos. Sua ausência, a falta de tempo ou pouco contato com a criança podem desencadear este processo sem que se perceba. As crianças precisam de atenção, carinho, amor e compreensão. Sem isso, elas, que ainda estão formando sua personalidade, podem se desviar para qualquer compulsão. Em poucas palavras, as crianças roubam para se compensarem de algo, na tentativa de buscar o amor que precisam e não têm dentro de casa. Na verdade, o roubo tem apenas um valor simbólico nesse processo de resgate do amor ausente.
Afeto e terapia
A melhor maneira de prevenir que uma criança se desvie para a cleptomania é lhe dando todo o afeto que necessita. E aqui o que vale é a qualidade do afeto, não a quantidade. Os pais devem ficar atentos aos atos de seus filhos. Quando aparecerem com algum objeto que não lhes pertence (lápis, borracha ou brinquedo), oriente a criança a devolvê-lo, explicando sempre que não é correto pegar algo dos outros.
O desaparecimento definitivo da cleptomania é muito difícil. Por isso, ao menor sinal os pais devem procurar um profissional capacitado para que o mesmo tente impedir a evolução da mania. Há várias formas de psicoterapia eficazes no tratamento de cleptomaníacos. Uma indicação seria a psicoterapia comportamental, que tentará modificar os pensamentos e comportamentos do paciente.
Medicamentos ajudam no tratamento, mas não são o bastante. Em paralelo, tem que se buscar o desenvolvimento do autocontrole da pessoa, promovendo um diálogo aberto com o paciente sem – jamais – culpá-lo pelo seu ato. É importante fazê-lo compreender o que a doença causa para si mesmo e para a sociedade, envolvendo muitas vezes a família e os amigos.
Estevan Matheus é psicólogo especializado em psicoterapia de pré-adolescentes, adolescentes e adultos [esvero@uol.com.br].