Saúde e Bem-Estar

Incentivar a criança a se expressar pode torná-la um adulto melhor

Vivian Faria, especial para a Gazeta do Povo
05/04/2016 11:00
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Quando o gatinho de Nícolas (8), Benício (6) e Maria Vitória (3) fugiu por uma janela esquecida aberta, o choro foi certo: adotado havia pouco tempo, o filhote era o primeiro animal de estimação dos três irmãos, que estavam empolgadíssimos com a novidade. “Quando eu cheguei em casa naquela noite, eles estavam super tristes”, relembra a mãe, Yonara Leopoldo. Apesar das buscas, o gatinho não foi encontrado e restou a Yonara e ao marido consolar as crianças. “Falamos que talvez ele encontrasse outra família que cuidasse dele, mas deixei que eles tivessem aquele momento de sofrimento mesmo. Não adianta querermos livrar nossos filhos disso. Eles precisam aprender que a tristeza vem e passa, e precisam saber canalizar essa emoção”.
O caminho escolhido por Yonara é aquele que, segundo psicólogos, ajuda as crianças a aprenderem a expressarem sentimentos e emoções, que também são novidades para elas. Segundo a psicóloga infantil Eliziane Rinaldi Stevão, a questão é que nem sempre os adultos percebem que os sentimentos não são óbvios para os pequenos ou tentam minimizar a reação da criança. “Quando a criança cai, normalmente o adulto fala: ‘Não foi nada’. Quando falamos isso, desqualificamos a percepção da criança e não ajudamos ela a entender o que está acontecendo”, diz. O mesmo vale para desmerecer algum medo, não valorizar momentos de alegria e assim por diante.
Além de não ajudar a criança a reconhecer e canalizar emoções, esse tipo de atitude pode acarretar outras consequências. Conforme a psicóloga membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Paula Gomide, o medo “não acolhido e consolado” pelos pais pode se transformar em fobia, por exemplo, assim como a falta de reação à alegria pode tornar a criança apática. Além disso, os pequenos podem começar a reprimir os sentimentos e desenvolver comportamentos como fazer xixi na cama, fazer cocô na calça, roer as unhas ou ter dificuldades para se concentrar.
Outro problema bastante comum, relacionado principalmente à apatia e à ausência de alguns pais, é o desenvolvimento de comportamentos agressivos. Como atitudes violentas, gritos e xingamentos chamam a atenção dos adultos e provocam algum tipo de reação, as crianças recorrem a eles para “serem notadas”.
Vida adulta
Atitudes inadequadas dos pais diante das emoções dos filhos também trazem problemas à vida adulta. “Se o menino não pode demonstrar qualquer emoção, quando ele cresce, não consegue reconhecer as emoções nas parceiras, o que causa dificuldades nos relacionamentos”, diz Paula.
O relacionamento entre pais e filhos também são prejudicados, porque adultos que não aprenderam a identificar e canalizar sentimentos têm dificuldades tanto para atender às necessidades de seus filhos quanto para ensiná-los a lidar com seus próprios sentimentos.
Identificar e validar
A primeira dica dos especialistas para pais que desejam ensinar seus filhos a lidar de forma saudável com sentimentos é fazer uma autoanálise, principalmente considerando que muitos pais são de uma geração em que a repressão de emoções era a regra. “O adulto precisa entender o que acontece com ele para poder ajudar uma criança. Pais emocionalmente adoecidos vão criar filhos emocionalmente adoecidos”, diz Eliziane.
Depois disso, é preciso compreender que, como as crianças não sabem quais são as emoções, cabe aos pais identificá-las e nomeá-las, para que elas aprendam a denominação daquilo que estão sentindo. É necessário ainda validar a percepção da criança, explicando o que ela está sentindo e por quais motivos, além de acolhê-la ou consolá-la se for necessário (em caso de tristeza ou medo, por exemplo) e explicar a ela que aquele sentimento vai passar.
As especialistas ressaltam, porém, que a educação de uma criança não segue fórmulas, por isso é importante estar bem informado e bem conectado com a fase e às necessidades da criança, além de trocar informações com pais mais experientes.
Emoções básicas
Algumas emoções são chamadas “básicas” ou “primárias”, porque são inatas, ou seja, o organismo reage “automaticamente” a elas. “Na tristeza, a musculatura do rosto faz um decaimento das sobrancelhas e dos lábios. Na raiva, há o estancar dos olhos, as pupilas se dilatam, os lábios se esticam”, diz Paula. Há divergências teóricas no que diz respeito a quantidade de emoções primárias existentes, mas, em geral, são aceitas como tal a alegria, a tristeza, o medo, a raiva e a repulsa (ou nojo), assim como retratado na animação Divertidamente.
Pais que identificam que os filhos têm dificuldade para lidar com e expressar seus sentimentos podem recorrer à terapia para reverter essa situação. Segundo a psicóloga Paula Gomide, o tratamento será composto por conversas e exercícios que treinem a habilidade de expressar determinadas emoções.