Uma situação recorrente quando nos encontramos em grupos é ouvir queixas sobre os relacionamentos. Que a vida se encontra sem emoções e que a rotina tomou conta de seu dia a dia.
Alguém vai mencionar os velhos tempos, das alegrias dos romances e paixões, que seu relacionamento perdeu o encanto dos primeiros tempos. Forma-se uma corrente de parcerias – casos comuns, compartilhar de sensações, relatos de encontros e desencontros.
A busca de algo mágico que parece ocorrer quando conhecemos uma nova pessoa, que desperta o interesse e a vontade de mostrar o nosso melhor, é o desejo não explicitado nas diferentes falas.
Esquecemos que o dia a dia, o convívio, cria uma rotina, mas também uma cumplicidade. Estar com alguém, compartilhar intimidades, mas também rotinas e obrigações no imaginário geral parecem retirar a emoção.
Ter intimidade, alguém em quem confiar, pode proporcionar uma sensação de pertencimento que, na atual sociedade da pressa e das competições, pode representar um diferencial, um valor que muitos desejam e buscam a fórmula: como ter e manter um relacionamento?
Essa segurança tantas vezes questionada por apresentar-se como sem a emoção da novidade e do desafio, parece só ser valorizada quando do rompimento do relacionamento. Retomam-se as lembranças do vivido, atribui-se valor às velhas e boas histórias compartilhadas, que adquirem significado quando a ausência se faz presente.
Por que no dia a dia não conseguimos ou temos tanta dificuldade de valorizar a presença da pessoa ao nosso lado? O novo, a novidade, a descoberta do outro, até então desconhecido, nos provoca o desejo e a disponibilidade de mostrar o nosso melhor. Mas quem em seu dia a dia é espirituoso, gentil, criativo, compreensivo, perfumado do amanhecer ao escurecer?
A sociedade atual em suas formas de comunicação impõe a ideia mágica da felicidade constante e nós, pobres mortais, frente ao brilho e esplendor das vidas que rodam nas telas e nas redes sociais questionamos a cor esmaecida do nosso cotidiano.
Nos dias atuais, observa-se como expressão comum o relato de se estar sobrecarregado, ocupado, sem tempo para nada. Essa parece ter se tornado uma expressão de valor, pois a sociedade tem valorizado sobremaneira a carreira, o trabalho, enfim a falta de tempo pode significar que sou exitoso em minha profissão. Esquecemos que o ser humano é essencialmente um ser lúdico, necessita de lazer, diversão para emergir em sua criatividade, logo relacionar-se com qualidade, ser efetivo na comunicação com o outro. Passar mais tempo com a família ou com os amigos é considerado importante para a maioria das pessoas, mas como fazê-lo se atividades consideradas urgentes, usualmente ligadas ao universo do trabalho, exigem a nossa presença?
Relacionar o que é importante, e o que não é, pode ser uma tarefa pessoal significativa frente ao meu descontentamento.
A dificuldade de conciliar os compromissos de trabalho com a vida pessoal é mais um desafio a ser enfrentado e, em algumas profissões, é quase uma tarefa impossível o equilíbrio entre as duas áreas.
Estabelecer condições que respeitem esse equilíbrio, pode ser uma das possibilidades a serem adotadas como forma de preservar e diferenciar o universo.
Outro ponto significativo pode ser as nossas próprias expectativas frente aos diferentes acontecimentos que cercam o nosso cotidiano. Ao sermos informados de algum evento ou compromisso social, começamos imediatamente a imaginar: como será? Quem estará presente? Como me apresentarei? Uma sequência de interrogações que desencadeiam uma gama surpreendente de sentimentos que podem circular da euforia ao pânico. O que nos leva a constituir essa gama de sentimentos está diretamente ligado ao nosso desejo ou nossa avaliação do atual momento que estamos vivendo.
Expectativas podem se tornar detonadores no desempenho social. Elas representam nossas particularidades, são construções de um mundo muito particular – o nosso; revelam, embora não percebamos, o modo de vida ou o anseio do que queremos viver, fazendo que iniciemos uma construção fantasiosa do que pode ser a realidade. Imaginar uma sequência de acontecimentos, o desempenho e ganhos a serem obtidos leva minimamente à decepção.
A realidade que muitas vezes se apresenta como sem graça ou com pouco brilho depende do nosso olhar. Se estiver com as lentes da fantasia, da expectativa, realmente ele não se apresentará como o esperado. Afinal, estamos falando do real e não do imaginário. Eis uma das diferenças entre o particular e o coletivo.
Além das exigências, expectativas e ideais que construímos, nossas dificuldades pessoais influem diretamente nos nossos vínculos. Os que se encontram sozinhos e que buscam relacionamentos frequentemente reclamam que não encontram a pessoa esperada, que não existem pessoas interessantes. Quando não conseguimos ver os outros diferentes de nós, ficamos tentando modelos os quais possam se encaixar às nossas expectativas.
O mito da alma gêmea persegue as relações. De expectativa em expectativa, acompanhada de mitos e moldes, segue a receita da frustração. Desconstruir velhas receitas e propor o desfrute do inesperado pode ser a possibilidade de viver momentos agradáveis, afinal o previsível, o planejado, pode funcionar em uma apresentação profissional, em um discurso previamente escrito.
A vida a ser vivida para novos relacionamentos representa o desconhecido. Logo, o planejado, o imaginado é sua construção e o outro não pode ser responsabilizado por não conseguir atingir nossa idealização.
Tanto o desencontro como o encontro são possibilidades do cotidiano, colocar em si mesmo a culpa pelo possível fracasso não irá contribuir.
Exercitar a capacidade de sair de nossa própria maneira de ver, para nos colocarmos na perspectiva dos outros, pode ser a possibilidade de entender o outro.
Para concluir, no decorrer da vida, as pessoas passam por experiências difíceis ou desagradáveis. Mais útil do que negar estas realidades, tentando esconder os fatos ou desviar do assunto, é deixar os sentimentos aparecerem para serem vistos e digeridos. Emoções refletidas através de sentimentos como alegria ou dor nos fazem lembrar diariamente que estamos vivos e, como tal, disponíveis para ver o surgir do arco-íris após a tormenta.
*Cleia Oliveira Cunha é psicóloga com atuação nas áreas clínica e sócio-comunitária. É especialista pela UFPR em marginalidade na infância e adolescência, com formação em terapia familiar e de casal sob o enfoque sistêmico. Também é assessora técnica e palestrante em políticas públicas.
Colunistas
Enquete
Animal
Agenda