Histórico

Menino-homem, menina-mulher

Anna Paula Franco
11/06/2007 00:09
“Que sorte a sua, um casalzinho!” O comentário é certo quando você diz que tem dois filhos, um menino e uma menina. Até parece que a experiência da maternidade não é completa se a mulher não passar pelo desafio de educar um de cada sexo. Claro que ser mãe só de um ou de outro não é ser menos mãe. Ter os dois é diferente, nem melhor, nem pior. Por quase quatro anos, criança em casa significava para mim conviver com a delicadeza das brincadeiras da Lorena, que passava “horas” absorta em atividades tranqüilas, e quase silenciosas, como pinturas, desenhos, bonecas e quebra-cabeças. Hoje, sou alvo das perigosas brincadeiras “de mão” – como minha mãe chamava os entreveros que eu tinha com o meu irmão. Vivo de canela roxa, vítima de atropelamentos de motoca dentro do apartamento, e não raro ganho uma cabeçada no queixo, como saldo dos “ataques-surpresas, sem chance para o inimigo”.
As diferenças vão além dos laços, fitas, roupas cor-de-rosa ou azul bebê. Ainda que eu não seja a mais fresca das criaturas na hora de emperequitar a garota, sempre tem um “tique-taque” ou uma trancinha para fazer no cabelo. Comentário da minha mãe, quando me flagrou barrigudona, esperando o Enzo chegar, enquanto fazia o cabelo da Lorena: “lembrou de brincar de boneca agora que vem o piá?”. Lembrei. Ainda bem que há tempo.
O moleque, por sua vez, chegou dando o recado. Foi tudo diferente, a começar pelo resultado do exame Beta HCG. Engravidei no susto, quando estava quase com preguiça de encarar tudo de novo. Aos quase cinco meses de gestação, descobri que ia ter um menino numa ecografia de emergência, por conta de um sangramento em que eu pensava estar perdendo o bebê. Alívio e alegria em dose dupla, já que além de estar tudo bem com a criança, teríamos um “menino-homem” na família, como Lorena já tinha pedido, e eu, no mais íntimo e agora confessado desejo, também queria.
A primeira, tive que praticamente arrancar de dentro de mim, porque se recusava a nascer com 42 semanas de gestação. Trabalhei até a véspera da cirurgia. O Enzo quase nasceu na redação. Saí às duas da tarde, com a bolsa rompida, para o moleque nascer duas horas depois, prematuro de 34 semanas. Deu para entender a diferença? Não é “só” o sexo. É tudo.
O jeito de mamar, de dormir, de chorar, de comer, de brincar, de olhar, de pedir, de falar, de brigar, de fazer manha. Ok, são seres humanos distintos, independente do sexo. Mas tem coisa que obrigatoriamente passa pelo gênero. Eu não admitia tratamentos diferenciados entre homem e mulher, até ter de criar cada um deles. Depois de lidar com essas personalidades absolutamente distintas, entendi que não há como ser igual. Menino e menina têm compreensão diferente sobre a mesma orientação, ordem, bronca, proibição, permissão, brincadeira e atividade. Então, precisam receber de jeito diferente também.
Por conta disso, tenho de tomar um cuidado danado para não amolecer demais com um ou com outro. A tendência é exigir mais da mais velha, que, além do nível de entendimento maior, tem também a missão de ser mulher num mundo complicado para se viver essa condição. Sei que posso puxar mais porque ela vai responder bem e é isso que vai acontecer no resto da vida dela. Por outro lado, não dá para aliviar muito para o menino, mesmo que a vida seja mais branda com ele depois de adulto. Corro o risco de criar um banana, a última coisa que uma mãe deseja para um filho.
Ainda estou aprendendo – e aceitando – essas diferenças. O grude maior da menina com o pai, o dengo dele comigo, a maneira atrapalhada – e dolorida – de dizer que me ama e o olhar absolutamente doce quando quer me convencer de alguma coisa. Também tem o bico do Enzo quando é contrariado, o ataque descontrolado da Lorena quando chamo sua atenção… É, meninos e meninas são diferentes. Ainda bem!
Anna Paula Franco, editora do Interior, que aprende a ser mãe todos os dias com a Lorena, de quase 7, e o Enzo, de quase 3 anos.