O título deste texto é homônimo a um livro escrito por Cícero – orador e filósofo romano – que viveu de 103 a 44 a.C. Sua tese principal é discutir que a arte de envelhecer está em encontrar o prazer e as virtudes em cada fase da vida. Identifica quatro causas de sofrimento comumente argumentadas em torno do envelhecimento: afastamento da vida ativa, enfraquecimento do corpo, privação dos melhores prazeres, aproximação da morte. No entanto, ensina-nos o filósofo que nem a força, nem a agilidade física conquistam as grandes façanhas, ao contrário, são outras qualidades das quais a velhice não está privada, como a sabedoria e o discernimento. Quanto à volúpia e aos prazeres que normalmente são sem controle, perturbando à razão, Cícero considera um ganho privar-se dos prazeres. Nada mais agradável que uma velhice tranqüila. Sobre a morte, pergunta-se por que fazer disso motivo de queixa à velhice, se é um risco presente em qualquer período da vida. Surpreende-nos, ainda, a atualidade da proposta do autor para uma velhice saudável, sugerindo cuidados com a saúde, prática de exercícios, boa alimentação, permanecer-se intelectualmente ativo e, especialmente, ocupar-se do espírito e da alma.
Em complemento dessa temática, a literatura psicológica e psicanalítica tem produzido teorias sobre a terceira idade. Na psicologia (Neri, 2000) fala-se em envelhecimento bem-sucedido sugerindo estratégias para uma velhice satisfatória, como cultivar novos hábitos, aperfeiçoar as habilidades sociais, engajar-se em atividades produtivas, estabelecer e manter laços socio-afetivos, desenvolver um significado para a vida. Já a psicanálise (Soares, 2003; Berlinck, 2000) tem se ocupado da discussão sobre a velhice como um desencontro entre o inconsciente que desconhece a noção de passagem do tempo e o corpo que possui uma temporalidade, ou seja, é finito na sua existência. Neste debate cunhou-se o conceito de “envelhescência”, o qual consiste num trabalho de elaboração psíquica onde o sujeito deverá criar sua experiência própria de pensar e viver a sua velhice.
Nesta perspectiva, a observação da população de idosos tem caminhado para duas constatações significativas. A primeira versa sobre a auto-imagem e a segunda sobre as reações emocionais, ambas rumando para a digna conclusão do envelhecimento como processo singular. Percebem-se idosos questionando a máxima cultural e publicitária de que a velhice é a melhor idade. Para este grupo o espelho é um grande sofrimento por refletir as marcas da passagem do tempo e suas perdas. Ledo engano! As perdas estão presentes desde o início da existência humana: o desmame, os pais idealizados da infância, as decepções amorosas, os ideais de felicidade plena… Outros se queixam da solidão e da ausência dos familiares. Porém, há os defensores da aquisição da maturidade e experiência como conquistas irrefutáveis, inclusive com afirmativas de que se sentem prontos para viver diante do envelhecimento, ou seja, quando o ciclo de vida está se concluindo, o indivíduo sente-se preparado para iniciá-lo. Reação curiosa esta do ser humano, do eterno recomeço. Seria um desejo de imortalidade?
De todo modo, Saber Envelhecer consiste no reconhecimento de que toda história de vida está calcada numa interpretação das experiências e muitas poderão ser reavaliadas. Entretanto, é necessário saber que todo o percurso vital inicia-se com a fragilidade e dependência infantil, perpassa pelo ímpeto e ansiedade juvenil, a seriedade e responsabilidade do adulto e a sabedoria e experiência da velhice. E tal como Cícero, desejo-vos que a alcanceis!
Débora Patricia Nemer Pinheiro é psicóloga e psicanalista, professora e supervisora do grupo de reflexão para idosos no Centro Universitário Positivo (UnicenP).
dnemer@swi.com.br
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