Pode ser que você tenha aí um palpite, mas eu queria desvendar sozinha a cor daqueles glaucos e luminosos olhos de gatão selvagem, a que se referiu uma vez Tom Jobim. Queria saber também do sorriso farto. Mas mesmo depois das sete horas passadas na fila para comprar ingresso para o show do Chico Buarque em Curitiba, num dia de sol de lascar, só consegui sair de lá com uma mísera cadeira na fila “S” da platéia. E de lá, ia ser difícil descobrir.
A cor dos olhos não mudariam em nada, é claro, a minha idolatria. O que eu queria era mesmo ficar mais perto do meu único ídolo. É sério, sou mulher de um amor só. E esse não foi um caso que nasceu quando me deparei com a “bela estampa” do cantor ou quando descobri que ele conseguia traduzir em palavras os melindres da alma feminina. Eu nem sabia que as mulheres tinham assim tantas peculiaridades e nem em casa ouvia-se tanto Chico a ponto de eu aprender de berço o que era bom aos sentidos. Precisou vir um cantor ucraniano aqui para o palco do Guaíra e cantar “Roda Viva” para que o meu coração solitário – pelo menos em se tratando de ídolos – fosse fisgado. Eu só tinha três anos, adotei a canção como uma das minhas favoritas e nem fazia idéia do rebuliço que as tais voltas da roda do Chico me causariam.
Depois teve Os Saltimbancos como elepê preferido, risadas com a versão dos Trapalhões para a “Terezinha”, “João e Maria” por Glória Pires e Lauro Corona, a banda, o cálice, a Geni e a sabiá… Tratava de trocar por Larissa o nome de todas as protagonistas das canções. Fui a Rosa que arrasou projetos de vida e à Beatriz ele pediu que o ensinasse a não andar com os pés no chão e a Maria que se fez presa da sua poesia. Dava um jeito de levar as letras de Chico para analisar nas aulas de português e teve “Valsinha” como tema da redação do meu vestibular.
A essa altura, ele já tinha me conquistado. A consciência mesmo só veio tempos depois, quando um amigo me veio com essa: “Já que a gente vai trabalhar junto, é bom eu testar a sua índole. Você prefere o Chico Buarque ou o Caetano Veloso?” Ele ia ser meu chefe, a resposta errada poderia causar um mal-estar entre nós, mas eu não podia ir contra os tais “rebuliços”… “Chico”, foi a resposta. Claro que, na dúvida, eu disse que o Caetano era bacana e tinha uma voz bonita, mas ele foi logo interrompendo: “O Caetano pode ter uma voz legal, mas o Chico tem a voz perfeita para as suas músicas” e saiu cantarolando versos de alguma coisa. E não foram poucas as vezes que, no meio do fechamento do jornal, ele me vinha com alguma questão sobre a métrica de “Construção”, alguma nuance do comprometimento político e social do cantor ou para ver se eu concordava que o amor amado devagar e urgentemente de “Todo Sentimento” era o mais lindo de todos. “Sábio esse Chico”, arrematava.
Daí para frente, fui tentando ajeitar o meu caminho para encostar no dele. Passei a correr atrás dos shows, fui algumas vezes ao “cantinho” do Chico em Ipanema na esperança de encontrá-lo, a coleção de CDs, DVDs, revistas e livros cresceu e as coincidências também. Quer ver? Ele faz aniversário só cinco dias depois que eu, eu seria sua cabrocha na verde e rosa – a Mangueira é minha escola do coração –, não torço pro Fluminense, mas escolhi meu time – o da estrela solitária – por conta do Garrincha, de quem o Chico foi chofer numa temporada no exterior. Sou uma devoradora de Nerudas e também era pra ser arquiteta antes de engatar na minha profissão. Mas se ainda assim o destino insistir em nos separar… Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas, os búzios…
P. S. – E se você quer saber o que aconteceu naquele dia lá da fila “S”, prepare-se… Eu só não identifiquei aquela história de azul ou verde por daltonismo momentâneo. Assisti ao show quase todo do fundão, mas resolvi agir duas vezes antes de pensar… Fui lá para frente na última música e grudei na beira do palco. Ele veio logo, passou pertinho e eu juro que destinou um sorrisinho daqueles generosos pro lado que eu estava.
Larissa Jedyn está reassumindo suas funções como repórter do Viver Bem depois de uma semana completamente no mundo da Lua graças a um sorriso do Chico.
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