Reinaldo Bessa

Apresentadora abriu mão da carreira internacional para se dedicar ao cuidado dos animais

Reinaldo Bessa
17/02/2021 16:24
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Animais – cachorros em particular – e donuts são duas das paixões de Adriana Biega. Nosso encontro, num fim de tarde agradável de janeiro, foi em um café do Juvevê onde se vendem as famosas rosquinhas. A loira esguia de 1,78m de altura, olhos castanhos e sangue russo e romeno nas veias, é uma radical quando o assunto é a defesa dos animais. Tanto que largou uma bem sucedida carreira de modelo e apresentadora de TV em Miami para se refugiar numa chácara nos arredores de Curitiba, onde abriga dezenas de cães sem lar. Alguns sem pata ou cegos de um olho e muitos idosos. Ela não gosta de revelar onde mora porque muitas pessoas já abandonaram seus pets no portão da propriedade ou simplesmente os atiraram por cima dos altos muros.
Nascida na maternidade do renomado obstetra Moysés Paciornik num ano jamais revelado, Adriana é o que se pode chamar de protetora dos desvalidos de quatro patas. Mas sem fazer disso uma causa para se promover, sempre atuando de forma independente. Conhecida no meio como Adri Biega, ela não é ligada a nenhuma ONG do gênero e nunca fez nem permitiu fazerem uso político de sua condição de anjo da guarda dos bichos. O que não quer dizer que não fale com políticos e outras pessoas influentes para conseguir apoios para sua causa. Entre seus feitos está uma campanha para proibir o uso de tração animal por catadores de materiais recicláveis em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. A alegação é que os cavalos utilizados ficavam pastando soltos na beira da rodovia que corta a cidade, sendo atropelados e também ferindo pessoas. Os custos de sua grande família canina são bancados por conta própria e com o resultado da venda de uma linha de produtos para pets, como camas e acessórios, chamada La Xica. Os itens são criados por ela e anunciados nas redes sociais.
Filha do delegado de polícia Alexandre Biega, morto em 1980 em um trágico acidente, sobre o qual evita falar, Adriana herdou do pai e dos avós paternos o gosto por cães. A casa da família, no Água Verde, era conhecida dos vizinhos pelo grande número deles no quintal, levados pelo pai. “Éramos uma família que tinha bichos e gente”, diz com entusiasmo. No sítio dos avós, além de cachorros, tinha também vaca e cavalo. Em sua propriedade atual, chamada Casa da Xica, ela cuida de 44 cães, de raça ou não, um cavalo e uma égua, fora as visitas da turma que habita a região, como jacus, esquilos e gralhas do campo, todas recebidas com tapete vermelho pela família Biega. Além dela, moram na chácara sua mãe, Rosi, e uma “tia do coração”, como ela chama, que ajuda nos cuidados com a bicharada. O nome da chácara é uma homenagem à mini Dachshund que ganhou, quando morava em Miami, de uma celebridade do showbiz internacional cujo nome prefere não revelar. Ela e a cachorrinha não se desgrudavam até sua morte, de Alzheimer, aos 20 anos.
Mas é Adriana quem lidera a pequena equipe. Ela acorda diariamente às 6h15 para começar a lida. Após tomar café, veste calça jeans, camisa e botas e segue para o canil, uma construção à parte, de alvenaria, com 15 baias. Distribui remédios e ração para a turma. Entre os abrigados está um Doberman de 17 anos, resgatado de uma rinha. Outro foi salvo por ela amarrado na linha do trem, com pneumonia. Onde tem um animal em apuros, Adriana entra em ação e geralmente o leva para casa ou encaminha para adoção entre amigos.
Antes de virar cuidadora de animais, ela levava uma vida de glamour nos Estados Unidos, com direito a passagens por Nova York e Miami, onde morou por dez anos, tornando-se fluente em inglês e espanhol. Isso lhe abriu algumas portas, inclusive como aspirante a atriz. Fez pontas nos filmes Me, Myself & Irene, estrelado por Jim Carrey, e Shallow Hall, com Gwyneth Paltrow, ambos dirigidos por Bobby Farrelly, de quem se tornou amiga, e Any given Sunday, de Oliver Stone. Além de desfilar, apresentou um programa de tevê e manteve uma coluna social no jornal Flórida Review. Vinha uma vez por ano visitar a família e seus protegidos sob os cuidados de sua mãe. A família Biega é inteiramente dedicada à paixão de Adriana, dando-lhe todo o suporte. “Tenho uma família que me dá força para eu realizar meu sonho”, comemora.
A carreira de modelo começou aos nove anos, quando desfilava para lojas infantis de Curitiba e, já crescida, para estilistas locais, como Louise Alves e João Espírito Santo, como contratada da agência Staff Models. Diz não se arrepender de ter largado tudo para cuidar de seus bichos no anonimato. “Estou realizada tanto na profissão como no amor. Já fui amada e já amei”, entrega. Mas foi o amor incondicional pelos animais o responsável por afastá-la de viver ao lado de um companheiro. Adriana diz que não os deixaria por ninguém, a menos que encontrasse uma alma gêmea disposta a aceitar a vida que leva. Também optou por não ter filhos, embora ame crianças. Tanto que cursou magistério pensando em ser professora. O projeto ficou só no desejo. Os três sobrinhos, filhos de seu único irmão, Alexandre, a preenchem.
Enquanto ainda morava em Miami, posou nua para um calendário que ela própria produziu inspirado nos calendários de modelos famosas, como Cindy Crawford. As peças fizeram muito sucesso lá e aqui. Depois vieram outros, em que substituiu o nu artístico por seus cachorros e os de convidados. Tudo pela causa que defende.
A volta em definitivo para Curitiba se deu entre 2003 e 2004, quando a avó materna, Nina, morreu. O avô, Eugênio Biega, comprou a chácara e assim nasceu a Casa da Xica. Adriana é radicalmente contra o comércio de cães, indicando sempre a adoção responsável. Deplora quem adota e depois, na primeira viagem de férias, os descarta como objeto. “A vida de um animal é uma coisa séria. Época de férias é um horror para eles”, relata. Justifica ser contra a venda porque os criadouros – nem todos, ressalva – os exploram para reproduzir sem parar. Depois, jogam a mãe no lixo quando não tem mais condições de parir, diz.
Defensora intransigente da castração, ela diz que a prática evita muitas doenças e a morte precoce. Pergunto como fica a questão do sexo para os castrados, que sofreriam de solidão amorosa, o que leva muito tutor a evitar o procedimento por pena. Ela responde que sexo, para as espécies em geral, é só uma questão de reprodução, não tem sentimento envolvido como no mundo do bicho homem. Então, não vê problema em cortar o barato da cachorrada. Celibatários, eles vivem mais e melhor, ensina a experiente protetora. “Sou muito feliz hoje. Soube aproveitar todas as oportunidades que a vida me deu. Só tenho a agradecer”, me diz com a convicção de quem trocou o duvidoso mundo do glamour pelo certo para viver anonimamente ao lado de seus amados e paparicados bichos.