A cada minuto, incontáveis passos são dados em velocidade variada. Uns mais apressados, focados no próximo compromisso do agitado dia da metrópole. Outros mais lentos, ritmados, passeiam pela invariavelmente acinzentada Curitiba. Olhares se cruzam com frequência, palavras às vezes nem tanto. É o jeito curitibano, não é? Mas essa relação incessante e acelerada, embora pareça fria se observada à distância, faz pulsar o coração da cidade. Efervescente, barulhento e cheio de vida.
Você pode se perguntar: "ora, mas qual cidade grande não é assim”? De fato, há muita semelhança com outras capitais, mas o que faz de Curitiba um lugar único é que a cada metro quadrado de calçada percorrida, nossa identidade está entranhada nas pedras de petit-pavé, nos monumentos singulares que se espalham por aí e no muralismo tão notável de nossa cidade.
É justamente a partir dessa interação marcante entre as pessoas que transitam por Curitiba que o artista André Mendes se inspirou para criar e executar o mural de 38 metros de largura por 10 metros de altura que embeleza um tradicional imóvel da família Abage, na esquina da Rua Visconde de Nácar com a Alameda Dr. Carlos de Carvalho.
Sobre uma base branca, uma linha preta contínua vai formando na parede olhares e expressões humanas. A linha transpassa, inclusive, os limites da estrutura, trazendo também uma sensação de tridimensionalidade. Por fim, cores vibrantes complementam o visual impactante. “[A obra] fala das pessoas se relacionando. É um ambiente em que acontece uma troca. Esse desenho feito em uma linha só também traz um elemento interessante, que é como se eles fizessem parte de um único corpo e nós somos um grande organismo, estamos interligados”, relata Mendes.
As interações representadas no mural formam uma espécie de espelho que realça o que acontece em seu entorno: o harmonioso vai e vem de pedestres. “Percebi a quantidade de pessoas que passam por ali e como aquela esquina ficou viva. Mudou o trajeto. E eu vejo uma importância muito grande na arte urbana e nos murais, nas esculturas públicas. É uma experiência muito interessante você percorrer um trajeto e ter esse diálogo com a cidade e essas referências que a arte traz para as pessoas”, pontua o artista.
Herança artística
Ainda que possua relevante contribuição no muralismo, Mendes também é adepto de outras manifestações artísticas, como a pintura em tela e a escultura, assim como o tio, o artista plástico Jair Mendes. Natural da cidade de São José do Rio Pardo, no interior paulista, e radicado em Curitiba, Jair atuou como produtor cultural e teve uma prolífica carreira artística. “Além de ter referências em Poty e nos espanhóis Picasso e Miró, tenho o meu tio Jair Mendes, que também foi um grande muralista e com certeza é uma referência muito forte para mim. Principalmente por ter observado o trabalho dele, e ter visto ele produzindo em grandes formatos e com uma liberdade de trabalhar com diversas linguagens, que é uma característica que também tenho”, conta.
Nascido em Curitiba, André Mendes segue a tradição da família, mas também dos grandes muralistas locais e, inclusive, já contou com exposições e obras em países da Europa e do Sudeste Asiático. Seu trabalho é marcado pelo uso de linhas não lineares e por cores intensas. Na opinião do artista, Curitiba possui um ambiente fértil para a produção cultural. “Olha, eu acho que a arte é contagiante. E quanto mais a gente tem contato, mais vamos alimentando esse ambiente”, diz.
E apesar do ditado de que santo de casa não faz milagre, Mendes é mais um artista que realizou voos distantes, mas teve o almejado reconhecimento também em sua cidade de origem. “É uma grande alegria. Fazer um mural com impacto na cidade é muito gratificante. Fico muito feliz mesmo. É um presente para mim e para a cidade”, destaca.