Nomes do cenário fashion curitibano falam sobre a moda da capital
Stephanie D’Ornelas, especial para a Pinó
13/10/2022 19:46
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Casa de Criadores #50_
08/07/2022
Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite | Marcelo Soubhia
Você já deve ter ouvido a frase do meio publicitário que afirma que se um produto é aprovado pelos clientes de Curitiba, ele provavelmente será bem aceito em todo o país. Os curitibanos são conhecidos como consumidores exigentes, e essa cautela na hora da compra também é válida no consumo de roupas e acessórios. Empresários à frente de grandes marcas do cenário da moda brasileira que foram criadas na cidade relatam que a busca por excelência para conquistar o gosto de quem vive aqui é um motor para a evolução dos produtos. É o caso da Lafort, marca de roupas femininas baseada em Curitiba que está presente em 170 lojas multimarcas ao redor do país, além de oito lojas próprias localizadas na capital paranaense, São Paulo e Rio de Janeiro.
“A mulher curitibana tem muita informação de moda. Ela se veste muito bem, se preocupa com o caimento, se a roupa está vestindo bem nela, se não está apertada demais. Ela é muito exigente, e isso faz com que a gente busque sempre uma excelência em modelagem. A mulher curitibana colabora com a gente nesse quesito, para que possamos evoluir cada vez mais. Trabalhamos com outras praças, e a gente vê que as curitibanas enxergam tudo nos mínimos detalhes. Isso nos ajuda, porque quando levamos a marca para qualquer outro lugar, chegamos com a roupa perfeita”, relata Irit Czerny Schilis, diretora-criativa da Lafort.
Há mais de 50 anos no mercado, a marca se transformou diversas vezes, assim como a moda curitibana nas últimas décadas. A popularização da internet alterou o modo de consumir e descobrir as tendências, tanto para quem usa quanto para quem vende. A partir da trajetória de três marcas curitibanas de destaque nacional, criadas em diferentes períodos — a Lafort, a Reptilia e a Rocio Canvas — a Pinó mostra como o cenário fashion evolui na capital, como ele se relaciona com o restante do país, quais são seus pontos fortes e quais são os desejos dos criadores para o presente e o futuro.
Tricô de luxo
Fundada pelo imigrante israelense Amnon Czerny, a Lafort nasceu em 1970 com sete máquinas de tricô. A escolha por Curitiba se deu pelo clima mais ameno que recordava a terra de Amnon, que se mudou para o Brasil com a esposa Josette Czerny, marroquina. Foi a filha do casal, Irit, que promoveu a primeira grande transformação da marca após retornar de uma estadia em Paris, onde conheceu o trabalho do estilista tunisiano Azzedine Alaïa. Inspirada no seu trabalho, a empresa começou a produzir peças leves de tricô, que poderiam ser usadas em qualquer estação.
Essa mudança chamou a atenção do mercado, e em 1994 a Lafort começou a fazer as peças da coleção de tricô da boutique Daslu, a sofisticada loja paulistana de artigos de luxo. Em 2006, a Lafort abriu sua primeira loja própria no varejo e expandiu ainda mais os negócios, vendendo suas produções de tricô para diversas marcas brasileiras. Mas foi recentemente, a partir de 2016, que a marca viveu sua maior virada. Irit decidiu apostar na venda direta para o consumidor e investir 100% na produção para a marca própria. Além do tricô, a Lafort investiu em acessórios, peças de alfaiataria e tecidos tecnológicos.
“Essa qualidade que conseguimos alcançar em Curitiba é reconhecida no mercado nacional”
Irit Czerny, diretora-criativa da Lafort.
O Technoblock, uma das principais matérias-primas da marca, se diferencia por não amassar, não marcar no corpo e promover conforto térmico. “Quando nós mudamos o foco totalmente para a marca própria, toda a nossa inteligência e atenção foi voltada para desenvolver um produto novo em termos de tecido. Foi quando começamos a trabalhar com tecidos mais sustentáveis, com o pensamento de que poderíamos ser diferentes, mas sempre mantendo o nosso DNA. Essa foi uma mudança significativa e nós fomos reconhecidos por isso”, diz Irit.
A venda B2C foi um sucesso, mas a marca teve que repensar as estratégias com a chegada da covid-19. “Todas as indústrias e o varejo sofreram muito, mas a gente sempre tem que achar uma saída para manter a empresa viva. No início da pandemia, todos os pedidos foram cancelados. Isso fez com que sobrasse muito material, e aproveitamos o tecido para fazer máscaras de proteção, que doamos para várias entidades”, lembra Irit. As máscaras coloridas feitas com o tecido tecnológico da Lafort fizeram tanto sucesso que começaram a ser comercializadas. “A máscara é gostosa de usar, bonita, divertida, as pessoas queriam colecionar”, lembra a herdeira da marca.
As máscaras foram um verdadeiro divisor de águas, pois fortaleceram o nome da marca e atraíram muitos novos clientes. Foi para possibilitar a venda delas, também, que a Lafort criou seu e-commerce — responsável hoje por grande parte das vendas da marca, que tem faturamento na casa das dezenas de milhões. “O e-commerce começou do zero na pandemia. Nós investimos muito tempo, inteligência e tecnologia nele, e hoje temos uma plataforma muito boa”, diz a diretora-criativa.
O ano de 2020 também foi marcado pela reestruturação da empresa, com a entrada do novo CEO, Marcelo Reis. “A partir daí a empresa foi totalmente profissionalizada. Eu e minha família saímos da parte administrativa. Eu fiquei na área de criação, marketing, com um olhar geral. Passamos a ter um olhar mais organizado com ferramentas e processos. Praticamente dobramos o tamanho da empresa em dois anos. Isso fez uma diferença muito grande. Hoje você olha a empresa e ela é toda transparente, tem processos sustentáveis, e isso é reconhecido pelo nosso cliente”, conta Irit. Mesmo com a nacionalização, a fabricação de quase todos os produtos da Lafort continua sendo feita em Curitiba.
Há mais de 25 anos trabalhando com moda, Irit lembra que veio de uma época em que pesquisa de tendências era feita comprando revista. “Agora, com a internet, é tudo muito mais rápido. Tem muito mais informação, mas o mais importante é saber o que fazer com ela. Tem que ter inteligência para filtrar, para que o excesso de informação não te confunda. Não somos fast fashion, pelo contrário. A partir da informação de moda, fazemos com que a roupa fique atemporal, para que não deixe de fazer sentido no ano seguinte”.
Moda sem desperdício
Na última década, a discussão sobre a sustentabilidade passou a ser cada vez mais fundamental — e urgente — no mundo da moda. Essa indústria é uma das mais poluentes do mundo, o que é agravado pela produção fast fashion. De acordo com a revista Forbes, peças fast fashion geram 400% mais emissões de carbono do que roupas de marcas slow fashion, que são usadas cerca de 10 vezes a mais pelos consumidores. Estima-se que a indústria da moda seja responsável pela emissão de 8% do gás carbônico na atmosfera, atrás apenas do setor petrolífero.
A realidade é preocupante, mas há muitas empresas engajadas com a mudança, como a curitibana Reptilia, criada pela arquiteta e estilista Heloisa Strobel. A empreendedora trabalhou por anos com projetos arquitetônicos no escritório do arquiteto Jaime Lerner, sempre com uma pegada sustentável, que ela levou para a moda. “Comecei a estudar moda por hobby, e foi quando descobri o impacto dessa área na poluição que identifiquei essa lacuna por uma produção com cuidado ético e socioambiental”, diz Heloisa.
A paixão por moda se transformou em negócio com a marca de desperdício zero. “Nada do que a gente corta é jogado fora, o que vai muito na contramão da indústria da moda, em que é comum que 15 a 20% de toda a matéria-prima de tecido seja jogada fora após o corte. O que a gente faz hoje é reutilizar esse tecido no design da marca”. A Reptilia foi acelerada em 2013, quando a criadora submeteu o projeto da marca a um concurso da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), que a premiou com o ingresso à incubadora BtoBe, iniciativa do programa TexBrasil, que seleciona talentos da moda brasileira.
“Precisamos valorizar nossos criadores de moda, que apresentam trabalhos muito fortes e promissores”.
Heloisa Strobel, designer da Reptilia.
Em 2015, Heloisa começou o projeto do atelier próprio na cidade de Curitiba, onde todas as peças são criadas, desenvolvidas e confeccionadas. No início, ela sentiu que o público tinha dificuldade em entender os processos e os próprios produtos. “Fui aprendendo a apresentar isso para as pessoas, e vejo que com o passar do tempo as pessoas foram ficando mais conscientes. Em 2020, quando começou a pandemia, teve todo o movimento de valorizar mais o local, a produção sustentável, e o público foi evoluindo também. Hoje muita gente procura a marca justamente pelos pilares de sustentabilidade, consciência ecológica e de consumo”.
Em 2019 a Reptilia expandiu para São Paulo, onde tem endereço fixo em Pinheiros. “Vim para cá porque em Curitiba já não havia mais uma semana de moda. Tivemos iniciativas muito importantes como o LABmoda, o ID Fashion, a Amostra de Moda Autoral/Curitiba (AMA), mas infelizmente o que eu vi em Curitiba nos últimos anos foi um congelamento das iniciativas voltadas para o setor. Ao mesmo tempo, a gente tem uma porção de marcas super interessantes surgindo. A cidade tem um cenário de criação bastante efervescente”. Para o futuro, Heloisa deseja que a área seja fortalecida. “Precisamos valorizar nossos criadores de moda, que apresentam trabalhos muito fortes e promissores”.
Design atemporal
Outra marca jovem curitibana que tem ganhado público por todo país é a Rocio Canvas, desenvolvida pelo designer Diego Malicheski. Nascida de um trabalho de conclusão de curso de Design de Moda realizado em 2016, a marca ganhou as passarelas da São Paulo Fashion Week, onde está presente desde 2020. “Foram duas edições digitais, por conta da pandemia, e neste ano estreamos no físico”, lembra Diego. Em 2017, a marca ganhou projeção após ter sido selecionada para integrar o Projeto Lab da Casa de Criadores, que lança jovens talentos da moda nacional.
Com proposta minimalista e modelagem criativa, a Rocio Canvas aposta em peças atemporais. O nome da marca homenageia a mãe de Diego, chamada Rocio, e brinca com a palavra “canvas”, que quer dizer tela, em inglês. “É uma brincadeira com a ideia de tela porque estamos sempre trabalhando com um universo artístico”. Na moda, o designer se transforma em um verdadeiro “pintor” de expressões por meio do vestir. “Eu sempre olho muito para as minhas clientes, e penso em como vestir elas com algo que reflita o comportamento”.
As criações da Rocio Canvas podem ser adquiridas no e-commerce da marca e em plataformas como a gigante do luxo Farfetch e na Shop2gether, que é um importante player nacional. O olhar de Diego é para todo o Brasil, mas as produções continuam concentradas na capital paranaense. Assim como Heloisa, ele vê a cidade como um espaço de muita criatividade na área da moda, mas que precisa de incentivo. “Existem muitas oportunidades aqui, é uma cidade com muitas marcas interessantes e identidade própria. Mas a cidade também tem suas limitações que dificultam o acesso de novos criadores ao mercado. É preciso haver mais valorização da produção local”.
“Curitiba tem uma história na moda construída desde Jefferson Kulig até a própria Lafort, que alimenta várias lojas no país todo."
Diego Malicheski, designer da Rocio Canvas.
O designer cita inspirações curitibanas que mostram que a cidade tem muito a oferecer localmente e para todo o país. “Curitiba tem uma história na moda construída desde Jefferson Kulig até a própria Lafort, que alimenta várias lojas no país todo. Temos o Rafael Chaouiche, um designer fantástico que representa hoje não só Curitiba, mas todo o Brasil, no Making The Cut, um reality de competição de moda internacional. É uma cidade com muitos desafios, mas aqui também há muitas pessoas que acreditam, compram e investem na moda local”, avalia.