Em algum momento você já deve ter passado pela experiência de sentir que está sendo observado. Você passa por uma esquina, vira a rua e dá um passo atrás para olhar as próprias costas. Depois, passa rente a um muro e percebe olhos fixos no seu caminhar. Quem poderia ser? Uma pessoa? Um animal? Ou uma junção de ambos? Pode parecer um pouco assustador, mas nos dias atuais, convenhamos, câmeras de monitoramento (ou dos celulares) estão sempre apontadas para um lugar ou outro nos observando. Porém, em Curitiba, seres híbridos estão espalhados por alguns pontos da cidade, apresentando uma estética marcante, um olhar singular e nos colocando diante de uma obra que apresenta uma perspectiva diferente do que estamos acostumados.
Em muros dos bairros Ahú, Centro Cívico, Juvevê e outros, o curitibano Eduardo Melo, mais conhecido como Artestenciva, criou uma série de desenhos aplicados em estêncil chamada “Seres híbridos registradores de momentos”. São desenhos formados por um corpo humano e uma cabeça animal. Em todos eles, uma câmera fotográfica é carregada pela personagem em questão.
Uma das obras de maior destaque desta série está no muro do Centro Municipal de Educação Infantil Centro Cívico, localizado na R. Prof. Benedito Nicolau dos Santos. Chamado de “O véio perdigueiro e o seu amigo gótico”, o desenho foi feito em parceria com Fred Freire. A parede da escola também possui alguns outros desenhos de Artestenciva, com diferentes tipos de composições.
Artestenciva começou esse projeto entre 2010 e 2012, apenas com os seres híbridos, mas sem o conceito de colocá-los como observadores, como fotógrafos do dia a dia das ruas. Essa virada de chave aconteceu a partir de um desconforto que o artista sentia com suas produções até aquele momento. Ele queria ir além. “Eu sempre falo que foi um passo a mais na minha arte. O estêncil que eu faço é, basicamente, a reprodução de uma foto. E eu vinha reproduzindo fotos de outras pessoas. Eu pegava fotos de outros fotógrafos, de um rosto de um idoso ou de uma mulher, e reproduzia isso em grande escala e pintava na cidade, em um muro ou em uma quebrada. E isso foi me deixando insatisfeito, porque eu não queria ser só um reprodutor de alguma coisa”, conta.
Também adepto da arte da fotografia, Eduardo passou a usar suas próprias fotografias. O artista registrava cenas e personagens e fazia a reprodução em estêncil. “Mesmo assim, continuei sendo só um reprodutor. Comecei, então, a ir para essa linha de criar algo a partir da minha própria cabeça. Pegava o corpo de uma pessoa, um bicho aleatório, encaixava e criava um novo significado para aquele personagem. Com o passar do tempo, a fotografia que já é uma grande paixão minha, começou a aparecer nas minhas pesquisas. Comecei a pesquisar fotógrafos que eu gosto, e observei fotos dos próprios fotógrafos com suas câmeras. Eu achei interessante porque era um outro ponto de vista”, detalha.
A criação dos seres híbridos foi um propulsor da carreira de Eduardo. Ele já vinha trabalhando com suas produções desde meados dos anos 2000, mas a criação das personagens fotógrafas fez o artista ser mais reconhecido no cenário local e também internacional. Eduardo já passou por países como Alemanha, Itália e Austrália. “Tanto para minha carreira como para o meu desenvolvimento pessoal, o principal foi essa questão de criar algo próprio, de identificar que eu poderia criar uma obra de arte, um quadro, obras que podem estar dentro da casa das pessoas”, afirma.
Mas antes mesmo dos desenhos animais, Eduardo já havia subido um degrau. Em seus primeiros trabalhos, os desenhos continham apenas uma camada. “Iniciei no estêncil de uma máscara só, na rua. Fui entendendo os processos. E depois houve uma evolução, em que eu fui entender o que era o estêncil, onde eu podia e queria chegar com ele”, relembra.
Atualmente, um único desenho chega a ter 14 ou 15 camadas de estêncil diferentes. “O estêncil consiste em você recortar um desenho em papel e isso virar um molde para você pintar nas paredes. Inicialmente eu usava folhas de raio-x e usava apenas uma máscara. Com o tempo, aprendi o que chamamos de multicamadas. São várias camadas para fazer uma arte só. Vou aplicando as camadas e vai surgindo a silhueta, as sombras e o degradê das sombras, que utilizo sempre no cinza ou no ocre”, revela. Segundo o artista, um desenho em uma parede de tamanho médio leva, em média, uma semana para ser concluído.
A série dos seres híbridos já existe há dez anos e Eduardo tem novos planos para seus personagens. Recentemente, no mês de agosto, realizou uma exposição que teve como intenção encerrar alguns personagens antigos que ele não pretendia mais pintar. Por enquanto, Eduardo está atuando em outros projetos, mas em breve devem surgir novidades ligadas aos antropomorfos. “No momento, estou buscando alguma coisa a mais”, diz.
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