Ligando as regiões periféricas ao Centro de Curitiba, as chamadas vias rápidas são importantes eixos de mobilidade da capital. O fluxo é constante até mesmo em horários considerados de menor movimento. Essas ruas, normalmente de quatro faixas e margeadas por prédios residenciais, casas e comércios, simbolizam o estilo de vida de uma metrópole, acelerada, sempre avante e sem tempo a perder.
Essa velocidade toda às vezes pode nos fazer não prestar atenção no que nos cerca. No entanto, há um ponto localizado no trecho final da Rápida do Santa Cândida sentido Centro, em que é impossível não ser tocado de alguma forma pela Praça das Pinhas. O logradouro foi inaugurado no final do ano passado e fica no cruzamento da Campos Sales (a via rápida) com a Rua Ivo Leão, em um espaço público nos fundos da Escola Municipal Professor Brandão.
No paredão em tom grená, está instalado um mural em azulejos que reproduz com fidelidade a árvore símbolo do Paraná e seu fruto. A composição traz os diversos elementos da planta. Ao fundo, em preto e branco, está a araucária em toda sua grandiosidade. Logo abaixo dela, também em PB, estão reproduzidos os amentos, que seriam as flores do pinheiro. Com maior destaque no primeiro plano e em cores, estão duas pinhas, uma por completo e a outra dividida ao meio, mostrando o interior do pseudofruto. Da mesma forma, estão representados dois exemplares do pinhão, a semente comestível que dá vida aos pinheirais paranaenses. Ao fundo das pinhas, ainda, há a reprodução dos galhos e das folhas, as populares grimpas.
A pintura que busca reforçar a identidade cultural paranaense por meio de sua flora é um exemplar de ilustração botânica, realizado pela ilustradora Ana Deliberador. A execução do painel de azulejo ficou a cargo de Romulo Lass. O desenho era parte de um calendário produzido anualmente pelo Centro de Ilustração Botânica do Paraná, mas a oportunidade de ganhar as ruas de Curitiba surgiu ao ser publicado nas redes sociais. “Eu já tinha feito essa obra e publiquei na internet. Um dia, o prefeito Rafael Greca fez um elogio para minha obra na rede social. A partir disso começamos a conversar e ele falou que ficou entusiasmado, que era apaixonado pela araucária e que queria fazer um mural com esse desenho. E assim tudo aconteceu”, resume a artista.
A ilustração botânica é uma técnica artística baseada na ilustração científica. Embora tenha uma abordagem mais inspiracional, o realismo não é deixado de lado. “Existe uma ligação bem íntima entre a arte e a ciência nesse caso. Colocamos na parede para enfeitar, claro, afinal é bonito, mas a ilustração é extremamente importante para a ciência. Quando uma nova planta é descoberta, o pesquisador precisa de um artista botânico para representar cientificamente aquela planta através da ilustração. Assim, é possível ver a planta por todos os ângulos em um único desenho”, explica.
Atualmente, Ana realiza suas pinturas a óleo, mas a ilustração botânica clássica costuma ser feita em aquarela ou grafite. Além disso, em seu processo de produção dos desenhos, a ilustradora procura criar composições criativas em contraponto à necessidade do realismo. “O processo de criação é mais complicado do que pintar. Eu demoro bastante para compor na minha mente aquilo que eu quero reproduzir, pois tento sair um pouco do lugar-comum. Mas quando vem na cabeça, vem de uma vez. Passo para o papel e assim vai”, conta.
Na visão de Ana, o mural foi decisivo para o avanço dessa forma de arte, especialmente pela visibilidade conquistada. “Essa obra, quando se concretizou, foi a virada da ilustração botânica no Paraná. A ilustração é uma arte pouco conhecida e nosso objetivo é divulgar a flora nacional. Foi um impulso, com visibilidade até fora do país”, afirma. O Centro de Ilustração Botânica do Paraná, do qual Ana é integrante desde 2005, também cresceu recentemente. A entidade passou a ter uma sede no Jardim Botânico de Curitiba e é reconhecida como sendo de utilidade pública. Na sede, também há uma loja e são dados cursos gratuitos à comunidade.
A ilustradora Ana Deliberador é paranaense da interiorana Primeiro de Maio e nasceu em 1953. Formada em Biologia no ano de 1976, foi professora da rede pública de ensino por muitos anos. Adepta das artes plásticas, tomou gosto pelo desenho quando se aposentou da sala de aulas. “Foi por acaso. Comecei a desenhar, me apaixonei, vi que tinha capacidade para isso e me tornei artista”, lembra. Em 2002, se formou Bacharel em Pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná e, anos depois, fez uma especialização em ilustração botânica na Inglaterra.
Mais recentemente, fez parte da edição do calendário de ilustração botânica de 2024. Para marcar o lançamento do produto, está sendo realizada na Galeria das Quatro Estações, no Jardim Botânico, a exposição “Bromélias brasileiras”, com a participação de 18 ilustradoras botânicas, cada uma reproduzindo uma espécie diferente de bromélia. A exposição estará aberta ao público até o mês de fevereiro.
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