Jornada de um devoto

Produtor cultural e de moda Victor Sálvaro relata seu recomeço depois da drogadição

Daliane Nogueira
02/09/2022 20:19
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Victor e a modelo Helen Oliveira, vestida por Edson Eddel: união de moda e fé. | Rinaldo Franco / Divulgação

Em uma conversa sem meias palavras, o produtor cultural e de moda Victor Sálvaro, 48 anos, conta uma trajetória que impressiona e sensibiliza. Os últimos 15 anos foram de convivência intensa com o perigo de morrer.
“Comecei a usar drogas há 15 anos e foram muitos os momentos de profundo desespero. Em um piscar de olhos o meu nome passou a ser ansiedade, angústia, depressão e, por conta disso, descontrole, álcool, cocaína e crack. Foram 20 overdoses, fui atropelado, esfaqueado. Eu costumo dizer que morri e renasci”, resume.
Mas chegar ao renascimento não foi fácil. Ele relembra o início da carreira como produtor de moda. “Em certa medida, eu comecei a conviver em um mundo distante do meu e passei a dar valor para coisas que não são importantes de verdade na minha vida. Comecei a experimentar drogas e eu achava que poderia sair. Mas é muito difícil. Em cada recaída é um profundo sofrimento. Em seguida eu voltava como uma fênix e achava que não ia acontecer novamente.”
O ponto de virada foi o encontro com a Comunidade Terapêutica do Perpétuo Socorro e com o coordenador do espaço, Marcelo Fortunato, ele mesmo um dependente químico recuperado que se dedica a acolher outras pessoas em drogadição. “Foi depois de um episódio em que eu apanhei e fiquei muito machucado, fui internado e minha irmã já sabia que eu queria me libertar. Então fui para a Comunidade Terapêutica. Foram nove meses participando do programa de recuperação. Saí no começo de 2022 e finalmente me sinto livre. Aprendi a amar as pessoas, a me amar. E tenho muita devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Já era devoto, antes mesmo de todo esse processo, mas agora sou só gratidão e felicidade.”
Victor lembra que a comunidade terapêutica é um lugar transitório e voluntário onde as pessoas chegam em uma situação emocional, social e espiritual difícil. “É um momento de reorganização interna e de mudança de atitudes para seguir o programa de recuperação. É forte o que vou dizer agora, mas existe dentro de mim aquele Victor que é mentiroso e oportunista. Tive de amarrá-lo. Precisei passar por todas essas provações para poder chegar à pessoa que eu sou, retomando minha vida e carreira.”
De forma emblemática, o recomeço teve como marco uma grande celebração no Santuário de Perpétuo Socorro em Curitiba, no dia 9 de julho. O Padre Sérgio Lima, vigário do Santuário, e Marcelo Fortunato convidaram Victor para pensar em uma forma de marcar a comemoração mundial pelos 100 anos das novenas em honra a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, um marco para os ‘noveneiros’. O Santuário curitibano conta com 17 novenas em todas as quartas-feiras, reunindo mais de 40 mil fiéis semanalmente.
Tamanha comemoração merecia um evento grandioso e marcante. E nada mais emblemático do que envolver devotos. Victor convidou o estilista Edson Eddel e a modelo Helen Oliveira para juntos colocarem em prática a ideia de unir moda e fé. “A Helen interpretou Nossa Senhora do Perpétuo Socorro trajando um manto desenhado e executado pelo Edson. A peça é linda, feita em tafetá de seda pura, rebordada em fio de ouro e strass. Tudo feito à mão. Fui junto dela interpretando São Miguel Arcanjo”, relembra. A procissão envolveu centenas de fiéis e a comemoração se estendeu por 24 horas ininterruptas de novenas no Santuário.
“Foi um momento de redenção, mágico. Mas eu gosto de registrar também a minha fé em outras crenças. Acredito em todas as energias, frequento um terreiro de Umbanda e estou na novena toda quarta-feira. É assim que me sinto forte”, relata.
O arcabouço de fé e fortalecimento emocional têm o levado a reconquistar espaço e confiança dos amigos e familiares, além de novos projetos profissionais. “Não foi fácil. Nunca é. Durante muito tempo, o meu nome foi somente persistência, determinação, sacrifício e fé. Mas hoje posso dizer que meu nome é novamente Victor Sálvaro. Um filho, um amigo, um irmão, um parceiro. Uma pessoa consciente de suas qualidades e de seus limites, que recobrou o respeito perante a sociedade e, principalmente, perante o espelho.”