The Mission resgata o passado e celebra o presente para um público morno em Curitiba
Filipe Albuquerque, da equipe Pinó
31/10/2022 13:11
A banda inglesa The Mission no palco da Ópera de Arame, na noite de quarta-feira, 26 de outubro | Marcos Mancinni
“É divertido”, respondeu Wayne Hussey, líder do The Mission, a um repórter que lhe perguntou por que manter a banda na ativa após quase 40 anos de sua formação. Ele, Craig Adams, Simon Hinkler e Mike Kelly pareciam se divertir na noite da última quarta-feira (26) no palco da Ópera de Arame, em Curitiba. “É diferente de como era há 30 anos; agora é mais suave”, completou. A banda entregou sucessos das quase quatro décadas de carreira, em apresentação da Déjà Vu Tour, como quem se orgulha demais deles – não é toda banda que pode abrir uma apresentação com algo tão forte quanto “Beyond the Pale” e ainda ter “Wasteland” e “Butterfly on a Wheel” para mais tarde – mas a reação da plateia, que começou quente e foi amornando ao longo da noite, fez a banda botar o pé no breque e não voltar para um segundo bis inicialmente programado.
A abertura ficou com a também britânica Gene Loves Jezebel, formada pelos irmãos gêmeos galeses Jay e Michael Aston em 1981, em Londres. Que não se falam há anos, e que brigaram pelo direito de usar o nome da banda a ponto de criarem dois Gene Loves Jezebel. A que veio para o Brasil foi a banda de Michael. Ele tirou sarro de si mesmo e do público – “é muito bom estar aqui em Cleveland. Go Browns!” –, ganhou de alguém nas primeiras fileiras uma bandeira do País de Gales, que colocou em cima dos amplificadores do guitarrista, depois enrolou no pedestal do microfone e, por último, a deixou esticada no chão, à sua frente. Fez o que pôde para empolgar a plateia com “Desire”, sucesso do disco de 1986 que leva o nome da banda, quando novamente desceu do palco e passeou entre as fileiras, posando para selfies sem o menor constrangimento.
“Seu inglês não é muito bom”, disse a alguém das primeiras filas entre uma música e outra. “Nem o meu”, acrescentou, rindo. E encerrou a apresentação cantando “The Motion of Love”, um dos singles do álbum The House of Dolls, de 1987, no meio do público. Que respondeu empolgado, em um dos bons momentos da noite.
Michael Aston diante da bandeira do País de Gales que recebeu de alguém da plateia na Ópera de Arame, na última quarta-feira, 26. Foto: Marcos Mancinni
‘Alguém aí évegetariano?’
Em cerca de 1h30, o The Mission repassou parte da carreira ao vivo. Somada a “Beyond the Pale”, de Children (1988), a banda executou clássicos definitivos do repertório, como “Wasteland”e “Severina”, do primeiro álbum, God’s Own Medicine (1986), “Into the Blue”, “Deliverance” e “Butterfly on a Wheel”, de Carved in Sand (1990), “Hands across the Ocean”, de Grains of Sand, “Grotesque”, de God is a Bullet (2007) e “Met-Amor-Phosis”, de Another Fall from Grace (2016), o ultimo de inéditas.
Bem humorado, Hussey tentou falar em português ao contar que mora em São Paulo – ele é casado com a atriz Cinthya Hussey, e mora na capital paulista já há bastante tempo. Elogiou a Ópera, que não estava lotada: “esse lugar é adorável”. No meio da tarde, o perfil da banda no Facebook publicou um vídeo mostrando a beleza do lugar. A organização não divulgou o total de público – falou em algumas centenas. Brincou com o público ao perguntar se alguém ali era vegetariano e admitiu que, na banda, ele é o único que não come carne.
Hussey continua com a mesma voz poderosa registrada nos discos da banda. Manteve o tom original de todas as músicas, menos em “Like a Child Again” (de Masque, 1992), em que apresentou arranjo mais pesado e alguns tons abaixo. Entre as músicas, tomava goles (direto na garrafa) de Maison Blanche Bordeaux 2019.
Mostrou ainda que sua guitarra de 12 cordas mergulhada em efeitos flanger e phaser continua marca registrada do The Mission. E que contar novamente com a vibração discreta (eles foram góticos, empolgação demais não é com eles) dos camaradas Craig Adams e Simon Hinkler, que estavam com ele quando o The Mission saiu da costela do Sisters of Mercy, em 1986, parece fazer todas as décadas de estrada valerem a pena.
Hussey à frente, com Craig Adams à esquerda e Mike Kelly ao fundo: banda executou alguns dos principais hits da carreira. Foto: Marcos Mancinni
Bis-não-bis
Mas teve um momento que o fogo apagou. Estão todos tecnicamente em forma, mas não são mais garotos – nem o baterista, Mike Kelly, dono de uma habilidade impressionante, e bem mais jovem que os outros três, é tão jovem assim. Quando parte do público, cuja média de idade parecia ser na casa dos 40 anos, gente que ouviu The Mission na adolescência, começou a deixar a Ópera – alguns antes mesmo do primeiro bis, deixando grandes espaços vagos em meio às cadeiras –, a banda percebeu. E tirou o pé.
O mise-en-scène de todo show é bastante manjado: o artista ou a banda deixa o palco sabendo que terá de voltar; a plateia começa a gritar por mais, sabendo também que a banda vai voltar. Mas foi preciso que um dos integrantes da equipe técnica da banda pedisse com as mãos, discretamente, no canto esquerdo do palco, próximo à mesa de som, que o público subisse o volume dos pedidos para que os quatro retornassem.
Voltaram para executar, segundo o setlist, três músicas (visivelmente sem o mesmo vigor que havia demostrado antes) e depois retornariam para mais duas: “Belief” (Carved in Sand) e “Tower of Strenght” (Children), fundamentais na carreira do grupo, impressas nas folhas de papel próximo aos pés dos músicos. Mas ficaram só no primeiro bis. A banda tocou “Like a Hurricane”, de First Chapter (1987) e, no refrão, a banda parou e Hussey deu a deixa para que o público cantasse. Silêncio. “Curitiba!”, respondeu Wayne, atônito, “vocês têm que conhecer essa música. Nem é nossa”. A música é de Neil Young, do álbum American Stars’n Bars, de 1977.
A banda saiu novamente, e quem costuma ir a shows sabe que, se os roadies da banda não entram para desligar os equipamentos, é sinal de que vem mais ação por aí. Mas o fluxo de gente que se deslocava para as saídas da Ópera, que já era razoável antes do primeiro bis, se tornou intenso. Algumas poucas vozes tentaram pedir por mais músicas. A casa acendeu as luzes e o show acabou antes do que a banda parecia ter planejado. Segundo o site Setlist.fm, em São Paulo e no Rio de Janeiro, a banda executou os dois retornos.
Fãs que queriam mais foram para a beira do palco. Se a banda não voltasse, quem sabe conseguissem alguns regalos, como os tais setlists, as listas de músicas coladas no chão do palco, espécie de roteiro do show. A garrafa de Maison Blanche ‘exugada’ por Hussey deu sopa escondida num canto do palco e veio parar na minha mão graças a um integrante da equipe que desmontava o palco. Recordação de uma noite divertida e um tanto quanto saudosista, mas que não merecia ser tão morna.