Quem um dia pensa em visitar o Chile, nosso quase vizinho de fronteira, talvez seja atraído pelas belas paisagens de Santiago tendo ao fundo os Andes, com seus picos nevados emoldurados por um céu de brigadeiro. Se é desse Chile que você gostaria de ouvir falar, não perca tempo com este artigo. Quando eu lá estive, há alguns anos, o clima e a poluição da capital chilena não ajudaram meus olhos a conferir a imagem de cartão-postal. Uma espessa neblina cobriu toda a cidade por vários dias seguidos.
Mas isso não significa que a viagem foi uma frustração. Um país é muito mais do que um cartão-postal. E o Chile me conquistou justamente nos pequenos detalhes. Detalhes tais como o povo, simpático e que adora contar uma piada de argentino. Ou como as comidas e bebidas: peixes maravilhosos, seus ótimos vinhos e o pisco sour – a caipirinha deles. Poderia falar sobre tudo isso. Mas vou me ater a apenas um prosaico detalhe de minha incursão ao Chile: a insólita água nativa, líquida ou congelada.
Logo na chegada, o guia de nossa excursão – um simpático e bonachão chileno descendente de bascos – já foi avisando que o líquido local era diferente: “Não tomem água da torneira”. Será que nossos vizinhos estariam querendo nos incentivar a beber seus vinhos? Nada disso. A explicação é fisiológica: intestinos forasteiros, não acostumados aos melindres do líquido torneiral chileno, derretido diretamente das neves da cordilheira, podem ficar desarranjados.
Mais peculiar, porém, foi o alerta do guia quando fomos visitar uma estação de esqui nos Andes: “Se a água não é para ser bebida, a neve não é para ser comida”. Comer neve? Que tipo de turista em sã consciência poderia pensar em comer neve? Meio sem jeito, o guia respondeu: “Os brasileiros”. Pois, é. Brasileiro, que nunca viu neve, gosta de provar essa “iguaria”. Precavido desses possíveis infortúnios, fiquei só na água mineral – ou no vinho, que ninguém é de ferro. Comer neve, aliás, nunca me passou pela cabeça… Eu juro!
Mas a água chilena ainda iria me pregar uma peça para a qual eu não estava prevenido. Na primeira noite no hotel, tomei um banho, lavei a cabeça e fui dormir com os cabelos levemente úmidos. Quando acordei, a cabeleira estava toda revolta. Até aí, tudo normal. Nada que um pente não dê um jeito. Passa a escova pra cá. Passa a escova pra lá. E o cabelo continua naquele estilo moicano. Dá uma molhadinha aqui e acolá. Passa o pente. E tudo continua na mesma. Pois é. Aquela água parece que tinha um laquê que grudou no cabelo e não saía.
A solução foi recomeçar a “relação”: tomei um novo banho, lavei a cabeça, sequei, ajeitei as madeixas e eis que se faz o milagre… O cabelo ficou ajeitadinho, de um modo que dificilmente fica em Curitiba. E ficou ajeitado o dia inteiro, sem precisar ver um pente pelas 24 horas seguintes. Eu e a água nativa finalmente estávamos falando a mesma língua… Na noite seguinte, repeti tudo de novo e fui dormir com o cabelo seco e penteado. Acordei como se tivesse acabado de passar a escova. E novamente a juba ficou uma maravilha.
Já me disseram que esse peculiar efeito capilar em terras chilenas pode ter sido causado tão somente pelo clima seco de Santiago. Mas eu ainda prefiro acreditar que a água andina guarda alguma substância a ser descoberta pela ciência que nos livra do tormento de ajeitar o cabelo. Se não for por isso, minha viagem teria uma história a menos para ser contada. E, afinal, as viagens valem pelas histórias que contamos…
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