Turismo

Com os pés na Rota 66

Carlos Coelho
17/08/2014 03:18
O inesquecível personagem Forrest Gump não pensou duas vezes quando lhe gritaram “corra, Forrest, corra”: escolheu a “Estrada-Mãe” para gastar boa parte das solas de seus tênis no filme que leva seu nome. Os motociclistas mal-encarados de Easy Rider: Sem Destino preferiram economizar as botas enquanto queimavam gasolina em suas motos Harley-Davidson ao longo dela. Com mais classe, o jazzista Nat King Cole preferia cantar sugestivamente “vá dar uma volta na Rota 66” no hino “(Get Your Kicks On) Route 66”. Um convite irrecusável.
É curioso que a estrada mais conhecida do mundo, ícone pop norte-americano, hoje sequer exista para a malha viária do país, que a substituiu nos anos 1980 por rodovias mais largas, modernas e seguras. Sobraram da velha rota “abandonada” que ligava o Illinois, ao leste do país, e a Califórnia, no extremo oeste, trechos fragmentados (alguns bem conservados, outros nem tanto) sob o nome de Historic Route 66, intercalados com partes absorvidas por outras estradas, como a Interstate-44.
Ainda assim, o valor cultural e turístico dela está vivo. Sobretudo para turistas brasileiros, que conhecem sua fama há muito tempo, mas só nos últimos anos passaram a tê-la na lista de destinos desejados. Muito graças às várias operadoras daqui que, com o número crescente de turistas procurando novos destinos nos EUA além de Nova York e Miami, passaram a oferecer mais pacotes para quem quer rodar a 66 de carro, motorhome ou motocicleta. Há inclusive opções com guias que falam português. A partir de US$ 1,2 mil, sem contar passagem aérea, já é possível desenhar um roteiro (veja no box da página 20 algumas cotações).
Para quem domina o inglês, um leque se abre. Pode-se contratar um pacote norte-americano, oferecido aos montes por agências como EagleRider, Route66 Tour e Trek America. Viajantes solitários ou grupos também podem se aventurar por conta própria – neste caso, porém, um bom mapa ou até mesmo um aplicativo de smartphone com função de GPS são essenciais, já que a via não é sinalizada em muitos pontos. Além disso, é aconselhável conhecer ou ter estudado bem o trecho. Perder-se e ficar sem serviços básicos não é incomum.
Tiro longo
Antes de selecionar o roteiro, é preciso descobrir o tempo que se tem para percorrê-la. A estrada é longa; são quase 4 mil quilômetros, equivalente a ir de Porto Alegre (no Rio Grande do Sul) a Natal (Rio Grande do Norte). A maioria dos pacotes oferece o percurso completo em 15 dias. Mas, claro, há outras configurações que duram menos tempo e nas quais são percorridos apenas alguns trechos. “Temos flexibilidade para ajustar programas com duração a partir de oito dias, seja de carro, moto ou motorhome”, exemplifica Luiz Vergani, agente da operadora brasileira Apex Travel.
“O ideal é fazer a rota sem pressa. No caminho, há muitas coisas a se aproveitar”, diz Luciano Estevam, empresário que já percorreu a estrada de carro duas vezes. Ele e operadores de turismo da rota contam que, pelos oito estados no trajeto (Illinois, Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia, na sequência do leste para oeste), as paisagens se alternam entre o bucólico, típico de um faroeste de John Wayne, e o urbano de cidades como Chicago, Tulsa e Albuquerque. Não se assuste, por exemplo, caso encontre cidades fantasmas. Como a via era a principal subsistência de vilarejos em seu entorno, com a desativação e mudança de fluxo para outras rodovias, moradores também migraram, deixando para trás casas, comércios e veículos. Os hotéis, por sua vez, ainda estão lá, como opções seguras para o descanso dos viajantes. “Há desde pequenas hospedagens de beira de estrada a grandes redes, até com cassino em alguns”, diz Mark Ortega, agente da empresa Trek America. As diárias partem de US$ 60.
Na porção inicial da via, pontos como o Museu de Jesse James, em Illinois, e a Caverna Meramec, em Oklahoma, merecem uma visita. Ainda em Oklahoma, fãs de motociclismo têm uma imperdível passagem pela loja Rota 66 Harley-Davidson, em Tulsa; enquanto famílias podem se divertir no lago Blue Whale, em Catoosa, onde uma estátua gigante de baleia dá as boas-vindas.
Quase na divisa entre Novo México e Arizona, vale a pena desviar alguns quilômetros para apreciar as paisagens do Grand Canyon. “Ele é acessado pela cidade de Gallup e atrasará algumas horas o percurso. Mas são pontos inesquecíveis”, garante Ortega. Já na porção final, o deserto de Mojave, no sul da Califórnia, recompensa os muitos quilômetros rodados. “O calor é intenso. Aconselho fugir dos picos do verão no hemisfério norte (junho e julho)”, diz o agente norte-americano. Nesta época, a temperatura pode flertar com os 45 graus C.
O roteiro termina no descolado píer de Santa Monica, na região de Los Angeles (Califórnia). Embora o local tenha parque de diversão e muito movimento, é um encerramento até sem pompa para a mitológica via. Mas nada que tire a sua magia. Afinal, um bom banho no Pacífico pode lavar a alma e servir como um troféu para quem conheceu a estrada que foi, por muitos anos, o berço que embalou o sonho americano.

Rota 66