Monumentos de um guerreiro de armadura montado em um cavalo e segurando um estandarte estão espalhados por diversas cidades francesas. À primeira vista, parecem ser apenas mais uma homenagem àqueles que defenderam a França em lutas sangrentas contra inúmeros invasores. Não deixam de ser. Porém, sob a pesada indumentária do cavaleiro medieval está Joana d’Arc, padroeira da França, título que recebeu quase 500 anos depois de morta pela Inquisição, aos 19 anos.
A vida da menina que virou santa tem episódios registrados em várias cidades francesas próximas à capital. É possível começar o roteiro ainda em Paris, que se orgulha das homenagens a Joana. Estátuas da guerreira enfeitam a fachada e um dos altares da Basílica de Sacré Coeur, e os interiores da Igreja de Maria Madalena e da Catedral de Notre Dame. Reims, berço da champanhe e das antigas coroações; Orléans, cenário de batalhas; e o Vale do Loire, o Vale dos Reis, reúnem mais histórias.
Visitar a região de veraneio da então monarquia francesa, com suas igrejas, pontes e palácios do tempo em que a jovem nascida na pequena Domrémy lutava pela soberania do território francês, tomado pelos ingleses no início do século 15, mostra que nem tudo o que se vê nos filmes é mera reprodução de época. Depois de séculos, vilarejos continuam preservados. Graças ao apelido de la pucelle d’Orléans (a donzela de Orléans), a cidade natal hoje se chama Domrémy-la-Pucelle.
Localizada no centro-norte da França, e por muito tempo a principal ligação entre o Mediterrâneo, o norte do país e a Inglaterra, Orléans fica a 120 quilômetros de Paris. A capital da França Medieval se desenvolveu às margens do Rio Loire e seu belíssimo vale. Foi nesta cidade que o exército liderado por Joana derrotou os ingleses em 1429, na mais célebre batalha da Guerra dos Cem Anos (1337 a 1453), e que deu início à reconquista da França.
Na imponente catedral que, como muitas no país, leva o nome de Notre-Dame (Nossa Senhora), uma sequência de dez vitrais modernos descreve a história da guerreira desde os seus tempos de menina, passando pelos episódios no vilarejo de Vaucouleurs – que também abriga uma igreja dedicada à virgem –, onde várias vezes pediu ao capitão da guarnição real local um cavalo e escolta para ir até onde Carlos VII se escondia, em Chinon, pela sangrenta batalha de Orléans, até sua morte na Normandia.
Com a vitória do exército francês, Carlos VII voltou a reinar sobre a França. A cerimônia de coroação contou com a presença da jovem e lotou a catedral de Reims, capital da região de Champaghe. Uma antiga profecia acabava de se cumprir: “A França será perdida por uma mulher e recuperada por uma virgem da região de Lorraine.” Na interpretação que se fez na época e se mantém até hoje, a responsável por desgraçar a França seria a Rainha Isabel, e a redentora, Joana d’Arc.
Mesmo depois do triunfo, a guerreira continuou lutando, acabou presa e, mais tarde, vendida para o rei inglês e condenada à fogueira, acusada de feitiçaria e de invocar demônios. Um ano depois de capturada foi executada no dia 30 de maio de 1431, em Rouen. No local onde teve seu corpo queimado, uma cruz lembra o castigo que recebeu. Ao lado, uma catedral construída em 1979 é um dos vários sinais do reconhecimento da Igreja sobre a santidade da jovem, elevada ao posto de patrona da Igreja Católica na França.
Orléans realiza o festival da libertação
Comemorado em 30 de maio, data da morte de Joana d’Arc, em Rouen, o dia da padroeira da França não é o mais festejado. As homenagens à Donzela de Orléans são rendidas durante as festas que lembram a libertação dos franceses do jugo inglês. Quando o festival, o mais antigo da França, começou em 1433, era uma simples procissão religiosa realizada anualmente no dia 8 de maio, o Dia da Vitória.
Desde a 1ª Guerra Mundial, as comemorações passaram a se estender de 29 de abril, dia em que Joana d’Arc entrou em Orleáns, a 8 de maio, com uma missa na Catedral. Meses antes do início da festa, uma jovem local de 17 anos é escolhida para representar Joana. A preparação inclui um tour pelas cidades mais importantes da curta trajetória da guerreira e aulas sobre os feitos dela e do seu exército.
A largada para as comemorações é dada com a jovem, vestindo armadura e acompanhada por cidadãos caracterizados com trajes medievais, atravessa de barco o Rio Loire. Em seguida, sobre um cavalo, entra na cidade pela Porte de Bourgogne. O cenário leva a 1429. A procissão termina na Maison Jeanne d’Arc, museu construído na casa do tesoureiro Jacques Boucher, onde a jovem passou dez dias até a expulsão dos ingleses.
No centro da Place du Général de Gaulle e cercada por prédios modernos, a casa de madeira do século 15, reconstruída após o bombardeio alemão de 1940, é uma das poucas que conseguiram escapar da destruição total. O museu guarda objetos da época e uma apresentação transporta o visitante para o período em que a virgem mudou a história da cidade. A armadura usada pela atriz Mila Jovovich, na produção de 1999, dirigida por Luc Bresson, também está exposta.
Nos demais dias do festival – que chegou a ser abolido em 1793, durante o Reino do Terror, por causa de sua natureza religiosa –, são encenadas cada uma das batalhas vencidas, além de concertos e shows de som e luz, torneios e festas medievais. No dia 7 de maio, ao meio-dia, uma fanfarra acompanha o prefeito no anúncio do aniversário da vitória. E, no dia 8, é celebrada a missa da libertação de Orléans.
O Centre Jeanne D’Arc, doado à cidade por Régine Pernoud, uma de suas biógrafas, guarda livros, revistas, vídeos e poemas sobre a padroeira. Uma das peças mais importantes é a transcrição do seu julgamento. Pinturas e ilustrações tentam reproduzir as feições da jovem de cabelos curtos que, de forma ultrajante para a época, era lembrada por suas roupas masculinas, a armadura e o estandarte.
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