Turismo

Trem das Montanhas é uma viagem pela história e sossego do Espírito Santo

Estadão Conteúdo
19/02/2016 22:00
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A cidade de Domingos Martins, com sua charmosa estação, é uma das paradas da litorina. Fotos: divulgação.

Sentadas sobre a estreita calçada – a mais velha, bem acomodada em uma cadeira de praia –, duas mulheres observam, sem nenhuma pressa no olhar e no corpo, o grupo de turistas afobados descerem, um a um, dos vagões do Trem das Montanhas Capixabas. A culpa não é deles. Os dez minutos de parada na estação ferroviária de Domingos Martins, pequeno município a 42 quilômetros da capital Vitória, são enxutos demais para não tentarmos fazer tudo o que é possível: circular pelo entorno, fazer merecidos registros fotográficos e comprar quitutes comuns à região, como o peculiar crispim, vendido em saquinhos a R$ 7, e licor de jenipapo, a R$ 8.
Com ou sem culpa, é de fato um erro não parar para prestar atenção a essa cultura de quem senta em frente a velhos casarões coloniais para simplesmente ver o tempo passar. “Vou para onde Deus me levar”, diz Ernesto Tasso Júnior, ao lado da mulher Jane Marmo Tasso. Nas poltronas de couro de um vagão para até 56 passageiros, o casal de aposentados parece ter compreendido a “alma” do passeio: vivenciar um ritmo diferente do encontrado nas metrópoles. Uma vida onde as horas passam sem alarde.
À moda europeia
Domingos Martins fica no meio do caminho entre Viana, nosso ponto de partida, e Marechal Floriano, cidade-destino de quem embarca na litorina (composições nas quais cada vagão tem seu próprio motor) administrada pela Serra Verde Express, que também administra a linha no litoral do Paraná. Os passeios funcionam aos fins de semana, com passagens desde R$ 112 (só ida; adultos). Há também pacotes para um dia completo pelas montanhas capixabas que incluem transfer; a partir de R$ 350 (sem almoço).
Juntas, as três cidades são cortadas por um trecho férreo que, em seus tempos áureos, no início do século 20, era chamado de Leopoldina Highway, em homenagem à imperatriz Maria Leopoldina, e integrava um complexo sistema que corria os litorais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, invadindo o interior da vizinha Minas Gerais. Sem o status novecentista, a Estrada de Ferro Leopoldina ainda preserva, porém, o charme à moda europeia, principalmente em suas três paradas.
Tanto Viana, a primeira cidade na subida da serra – ou montanha, para ser mais fiel às denominações geográficas –, quanto Domingos Martins são um mergulho nas culturas açoriana, alemã e italiana, com seus casarios coloniais e acervos imperiais. Na hora de embarcar, será inevitável a visita ao Museu Ferroviário de Viana, que funciona dentro da antiga estação, construída em 1895 – um dos prédios mais antigos do Estado. Com tempo, vale estender até o Museu Histórico e Casa de Cultura e a Igreja Luterana, ambos em Domingos Martins.
Em Viana, a estação, construída em 1895,  também é um museu ferroviário.
Em Viana, a estação, construída em 1895, também é um museu ferroviário.
Natureza secreta
As duas horas e meia dentro da litorina, a uma velocidade reduzida de 17 quilômetros por hora (bem abaixo dos 100 quilômetros por hora que ela pode atingir) são servidas de histórias que misturam realidade e ficção. O cenário é a mata secundária que cobre toda a subida da serra, até Marechal Floriano, 540 metros acima do nível do mar.
Formada por bambuzais de várias espécies, pés de canela e orquídeas (ponto forte da região), a natureza agrega à paisagem vestígios da passagem humana, como a ponte suspensa sobre o Rio Jucu, que antecede o túnel da Usina Jucu, a primeira do Espírito Santo, de 1909. E sobre-humana também, caso você caia nos contos da guia do trem sobre esconderijos do saci-pererê e da cuca na região.
No trajeto, o túnel e a ponte suspensa sobre o Rio Jucu.
No trajeto, o túnel e a ponte suspensa sobre o Rio Jucu.
A chegada a Marechal Floriano, ou “Cidade das Orquídeas”, completa o roteiro ecológico do passeio. Emancipada de Domingos Martins apenas em 1991, o município de pouco mais de 14 mil habitantes revela um lado capixaba pouco explorado e divulgado. Só na cidade, há a Cachoeira do Bem-te-vi, cercada por um jequitibá secular, bromélias e orquídeas, a Gruta Nossa Senhora de Lourdes e dois orquidários, Nego Plantas e Florabela Orquídeas, que fazem a despedida do trem ganhar um aroma especial.
Chegada em Marechal Floriano encerra o roteiro de trem no Espírito Santo.
Chegada em Marechal Floriano encerra o roteiro de trem no Espírito Santo.
Uma das atrações de Marechal Floriano:  belos orquidários.
Uma das atrações de Marechal Floriano: belos orquidários.