Comportamento

“Somente 50 pessoas conseguiram”, conta Waldemar Niclevicz sobre seu próximo projeto

Alessandro Andreola, especial para a Gazeta do Povo
04/07/2018 17:00
Nome mais famoso do montanhismo brasileiro, o paranaense Waldemar Niclevicz completou em fevereiro 30 anos do seu primeiro grande feito: a escalada do Aconcágua, com seus quase 7 mil metros de altura. Depois disso, Niclevicz passou a colecionar conquistas, sendo as mais famosas as escaladas do Everest e do K2, as duas maiores montanhas do mundo.
“São escaladas marcantes na vida de qualquer alpinista, principalmente a do K2, que nenhum outro brasileiro foi sequer lá tentar”, disse Niclevicz direto da Itália, onde dali a poucas horas daria início a sua nova aventura: uma expedição em que pretende escalar 82 montanhas dos Alpes com mais de quatro mil metros de altura.
“Esse é um sonho antigo, que vem desde 1990”, conta ele. O percurso é conhecido como “Os Quatro Mil dos Alpes”, um desafio que já se consolidou no mundo do alpinismo. Segundo Niclevicz, aproximadamente 50 pessoas já completaram essa verdadeira maratona montanhística, mas ele pretende conseguir em tempo recorde. “Apenas quatro alpinistas fizeram em menos de um ano. Eu quero fazer em quatro meses”, afirma.

40 dias

Para isso, Niclevicz vai enfrentar montanhas difíceis, como o Mont Blanc, o maior maciço dos Alpes, com 29 cumes. “É algo gigante. Então ali eu vou demorar 30, 40 dias, talvez até mais”, estima. Entre os maiores desafios do Mont Blanc estão a Agulha Branca de Peuterey, um pico isolado e bastante escarpado. Segundo o alpinista, a maioria das montanhas desse percurso apresentam dificuldades que vão de média a difícil.
“Os Alpes são bastante desafiadores, não são brincadeira. Por isso que é um lugar bom pra começar a escalar, por ter montanhas de várias dificuldades. Lá você pode evoluir muito rapidamente no esporte”, diz ele, que cita ainda como montanhas de difícil acesso, como o Dent Blanche e o Schreckhorn (o “pico assustador”, em tradução livre), ambas na Suíça.

Mais rocha e gelo

Um ponto importante para o sucesso da expedição é o de levar em conta as condições climáticas. “Tem muita neve agora, o inverno foi muito rigoroso, então no início a gente aproveita as montanhas que são melhores para serem escaladas com gelo. Lá para agosto começo a subir as que são melhores com mais rocha, quando derrete a neve”.
Niclevicz, inclusive, estava prestes a se encaminhar para o começo do desafio para aproveitar uma janela de bom tempo. Ele começou pelo caminho mais “fácil”: o Maciço do Monte Rosa, na fronteira entre a Itália e a Suíça. “São 18 cumes com mais de 4 mil metros. Espero fazer todos eles em uma investida só, em três ou quatro dias”. E isso é apenas o começo. “Eu acredito que a temporada será boa, mas temos quatro meses pela frente. A previsão da semana que vem é de chuva, então tenho que aproveitar agora, porque pode ser que mais tarde eu fique de molho e sem fazer nada”.
O montanhista também conta que o projeto inicial era de fazer a expedição junto de alguns amigos, mas que houve alguns contratempos no caminho – um deles precisou cancelar por causa de um falecimento na família e o outro quebrou a clavícula em um acidente de moto. “O alpinismo é um esporte meio individualista e solitário. E infelizmente, devido às circunstâncias, eu estou sozinho aqui”, diz ele.

A essência

Niclevicz conta que decidiu encarar esse desafio por acreditar que os Alpes guardam o que ele chama de “a essência” do alpinismo, algo que, segundo o montanhista, se perdeu com o aumento da competição por conquistas. “Essa essência, para mim, é a contemplação que a montanha nos proporciona, a beleza da natureza, e como ela toca cada um. Hoje, com a competição, as pessoas chegam no cume e não olham, não admiram a paisagem. E eu estou aqui para isso. Essa beleza me toca”, afirma.

Treino em casa

Para encarar o desafio, ele conta que houve muito treinamento. Além de se preparar com expedições no Chile e no Canadá, onde escalou no gelo, houve um bom tanto de solução caseira. “Basicamente eu treinei no Marumbi”, diz Niclevicz, sobre o conjunto de montanhas que é considerado o mais difícil do Paraná. “É puxado, mas eu faço bem rápido – subo e desço em cerca de 3 horas. Geralmente as pessoas levam 6 a 8 horas. Então isso trabalha a resistência aeróbica, a resistência muscular”, conta ele.
Maior parte do treino de Nicleivicz foi em casa, no Pico marumbi. Foto: denis Ferreira Neto/SEMA.
Maior parte do treino de Nicleivicz foi em casa, no Pico marumbi. Foto: denis Ferreira Neto/SEMA.
O Marumbi, aliás, é onde tudo começou para Niclevicz. “O meu interesse pelo montanhismo começou quando eu tinha 16 anos e subi o Marumbi pela primeira vez. Ele é uma grande escola, porque exige um esforço físico para chegar no topo, não tem escalada fácil. Lá o montanhista é muito exigido, principalmente psicologicamente. A gente respeita muito o Marumbi. O turista que vai para lá mal preparado nunca mais volta, porque é um esforço forte”.

Pai e filho no Marumbi

Niclevicz também conta que se encontra em uma nova fase da vida. Quando fez 50 anos – ele está com 52 – viu mudanças na vida, como a chegada do primeiro filho, Nicolau. “É um doce de criança, muito risonho e simpático, e eu acho que isso tem a ver com a formação dele, sempre lá no Marumbi, no meio do mato”, conta o pai coruja.
A paternidade, no entanto, não lhe trouxe receios no esporte. “Eu sempre me cuidei e não é por isso que vou amedrontado pra montanha – é até um entusiasmo a mais, sempre penso no meu filho quando estou lá escalando. Ele já sabe que o pai dele sobe as montanhas e ele também já está dando os primeiros passos dele nesse sentido”.
Em 2016, quando completou os 50 anos, Niclevicz comemorou da maneira que sabe melhor: escalando. Ele encarou o Fitz Roy, monte que fica entre a fronteira do Chile e da Argentina, na região da Patagônia. “Você conseguir isso, numa montanha que é um dos maiores desafios do alpinismo mundial, é muito marcante. Mesmo porque eu queria escalar essa montanha desde 1994”.

Mais idade, mesma performance

Não ficou por aí. No mesmo ano, ele subiu o Salcantay, pico da Cordilheira dos Andes, no Peru, que até hoje foi escalada por menos de 100 pessoas no mundo inteiro. “Eu fico emocionado, porque eu estou conseguindo manter minha performance e meu rendimento não caiu com a idade”.
Se a fama como esportista lhe rendeu uma bem sucedida carreira como palestrante para empresas – esse ano ele alcançou a marca de mais de mil palestras – ele ainda vê dificuldades e falta de apoio ao esporte. “Como alpinista, eu sou mais valorizado fora do Brasil”, lamenta. “Tanto que estou aqui sem patrocínio, o que foi bastante frustrante”. Niclevicz disparou contra a falta de incentivo do governo. “Haja vista o que houve nas Olimpíadas, quando o poder público fez uso dos atletas para se promover e hoje que legado que ficou? Não ficou nada. Foi uma vergonha para o nosso esporte”, opina.
Depois da aventura nos Alpes, Niclevicz ainda não sabe o que virá. Mas ele garante que não vai parar tão cedo. “Tenho inúmeros desafios, tanto na vida pessoal como no alpinismo, mas é impossível pensar em outra coisa agora que estou aqui nos Alpes. Esse projeto é a maior expedição da minha vida, é o de maior escopo. Mas arrisco dizer que essa expedição pode mudar completamente minha vida em termos de alpinismo, porque eu acredito que vão surgir grandes oportunidades aqui”.
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