Comportamento

Abre-alas para a nostalgia

Franco Caldas Fuchs, especial para a Gazeta do Povo
10/02/2013 02:04
Em Curitiba, não é diferente. Foliões que viveram intensamente os carnavais da cidade relembram, nesta reportagem, muitas histórias que merecem ser preservadas. Contrariando o senso comum de que a capital não tem uma tradição carnavalesca, a antropóloga Caroline Blum também aponta: “desde o século 19, há vários registros sobre as festas e os jornais noticiavam o carnaval como um grande acontecimento. Essa imagem de que Curitiba não tem vocação para o carnaval foi construída posteriormente”.
Conhecer para valorizar
Pesquisando o assunto desde 2008, Caroline lembra que, na época dos desfiles na Avenida Marechal Deodoro, havia até quatro dias de programação intensa. “Mas especialmente com a mudança para a Cândido de Abreu, no fim dos anos 1990, a festa foi perdendo o apoio do município.” Com isso, difundiu-se ainda mais o falso clichê de que o curitibano não gosta de carnaval. “Mas de que curitibano se está falando? Afinal, o povo nos bairros ama o carnaval e faz ele acontecer até hoje. O sucesso do Garibaldis e Sacis e do Psycho Carnival também mostra que os curitibanos querem festa, sim.” E para que o carnaval siga crescendo, a antropóloga destaca a importância de se investir em uma maior documentação histórica do evento. O ditado: “não se pode amar aquilo que não se conhece” também se aplica ao carnaval.
Saudades da folia na Marechal
No carnaval curitibano, ela não desfila mais. Porém, ainda hoje, quando chega na Avenida Cândido de Abreu, Marlene de Angola, 60 anos, é reconhecida pela comunidade carnavalesca como a eterna mulata e passista da cidade. Seu reinado começou aos 16 anos, quando entrou para a Escola de Samba Colorado como destaque da bateria. Desde então, mostrou muito samba no pé em vários outras escolas, como a Não Agite, Deu Zebra e Mocidade Azul. “Toda vida gostei de dançar e lembro com gosto dos desfiles na Marechal Deodoro! Havia mais espaço na avenida e eram três dias de festa. Hoje na Cândido de Abreu tudo termina muito rápido. O rei momo dá uma desfiladinha e já desaparece. O povo fica com gostinho de quero mais”, observa Marlene.
Testemunha das mudanças na avenida
O músico José Nascimento, mais conhecido como Mestre Divino, era apenas uma criança na década de 1950, mas ficava vidrado nos desfiles que animavam a praça Fernando Amaro, em Paranaguá. Os anos passaram e o fascínio continuou quando ele se mudou para Curitiba. Tanto que, em 1961, o garoto entrou para a Escola de Samba Colorado. “Já desfilei fazendo barulho no tamborim. Na época eu achava que tocava alguma coisa. Depois é que fui aprender de verdade”, conta aos risos. Mais tarde, entrou para a escola Dom Pedro II e para a Mocidade Azul, em que permaneceu por 28 anos. Hoje é diretor geral de carnaval da Escola Leões da Mocidade e membro da ala de compositores da União da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Ao olhar para trás, Divino sente saudades, mas não julga como melhor ou pior o carnaval do passado. Afinal, a realidade era outra. “Nos anos 1960, por exemplo, não havia nem equipamento de som. Quem cantava era a comunidade e o samba era mais lento. E como não havia tantas regras para os desfiles, tudo era mais espontâneo. Em compensação, hoje você aprecia uma série de coisas como os carros alegóricos, casal de mestre sala e porta bandeira evoluindo na avenida e toda uma plasticidade que antes não existia.”
Animação de quem nasceu em plena festa de momo
A escritora Liamir dos Santos Hauer completou, ontem, 90 carnavais. Nascida no sábado de festa, ela veio ao mundo sambando. “Em 1923, o carnaval era na Carlos de Carvalho e a minha parteira chegou atrasada por causa do corso que lotava a rua”, conta. Liamir lembra saudosa dos bailes infantis que curtiu em Paranaguá, muitos em companhia da amiga, a jornalista da Gazeta do Povo Rosy de Sá Cardoso. “A mãe da Rosy fazia muitas das nossas fantasias.” A de pirata foi a primeira de todas. “No baile, a gente cantava: ‘eu sou o pirata da perna de pau’! e tantas outras músicas lindas: ‘oh jardineira porque estas tão triste…’”, cantarola. Adulta, a escritora frequentou muitos bailes nos clubes em Curitiba e introduziu os filhos Ernani e Leila na folia, outrora mais comportada. “Antigamente, as fantasias eram mais contidas. Não tinha umbigo de fora e não se dançava agarrado. Era muito divertido e nunca havia confusão”. Com a experiência de quem frequentou carnavais no Rio e em cruzeiros pelo mundo, Liamir é categórica ao afirmar: “O melhor carnaval era o de Curitiba. Esse carnaval moderno não tá com nada. Eu sou do antigo e não abro.”
O apelo anárquico do impagável Bloco dos Artistas
Nunca se viu tanto artista curitibano pulando carnaval junto. Só havia gente de teatro, música e dança no saudoso Bloco dos Artistas, que desfilou pela Marechal Deodoro entre 1983 e 1985. “Imagina, havia bailarinos e músicos do Teatro Guaíra, uma porção de atores, poetas. Não tinha para ninguém, tanto que o bloco ganhou até prêmio”, lembra Beto Bruel, um dos integrantes e responsável pela iluminação do carnaval por 25 anos. “Era um bloco bem anárquico! Os ‘ensaios’ eram no Bar Trem Azul, na Rua 13 de Maio”, diz o dramaturgo e diretor Enéas Lour. Um dos autores do samba “Cultura é Curtura”, que trazia versos como “viemos subindo o morro/ arrastando as artes do Paraná/ cá em cima tava só que é um esporro/ que eles chamam ‘administrar’”, Lour destaca o lado crítico do bloco, que fazia graça com a situação do país. “Ríamos muito! Brincávamos. Havia muita gente jovem reunida”, diz ele, citando figuras como Mário Schoemberger, Luiz Melo, Eleonora Greca, Fátima Ortiz e muitos outros foliões ilustres.
DIRETO DO BAÚ DE MOMO
Confira algumas curiosidades do nosso carnaval:
– Na época do Império, a folia de Momo era chamada de entrudo. Só na República é que passou a ser chamada de carnaval. Especialmente na época do entrudo, pelas ruas de Curitiba havia muitas batalhas com água, limões de cheiro (bolas de cera recheadas com água perfumada) e lança-perfume.
– No século XIX e no início do XX, os desfiles de rua com carros ornamentados (puxados inicialmente por cavalos) eram conhecidos como corsos. Muitos deles aconteciam na Rua XV.
– Nada de samba. No carnaval do início do século XX, a trilha sonora de muitos carnavais era animada com polcas e choros.
– Em 1938, um informe do Clube Curitibano avisava: era proibido usar trajes de malandro. Cuícas também estavam proibidas e máscaras só podiam ser usadas até às 24h.
– Na primeira metade do século XX, na hora de dançar os foliões faziam “cordões” e bailavam o “miudinho”. Liamir Hauer explica: “No cordão todos davam as mãos e ia puxando um ao outro pelo salão. E no miudinho formava-se uma roda para um casal dançar no meio. Depois trocavam os casais e todos dançavam juntos.”
– Em 1945 foi criada a Escola de Samba Colorado, a primeira escola de Curitiba, fundada por Maé da Cuíca, um dos maiores sambistas da cidade.
– Em 1978, em Curitiba, a cantora Mãe Orminda foi a primeira mulher no Brasil a puxar um samba-enredo na avenida
– No auge dos desfiles na Marechal Deodoro, que aconteceram da década de 1970 até 1996, figuras ilustres como Cartola e Leci Brandão foram jurados do nosso carnaval.
– Mais histórias sobre o nosso carnaval estão nos livros: “Nem que me mordas: pequena história do carnaval de Curitiba” (1974), de Jorge Narozniak, e “Colorado: a primeira escola de samba de Curitiba” (2009), de João Carlos de Freitas.