Comportamento

As mentiras que eles (e elas) contam

Mariana Sanchez, especial para a Gazeta do Povo - marianab@gazetadopovo.com.br
18/07/2010 03:01
De acordo com o psicoterapeuta Raul Buchi, a desculpa de que o homem trai porque sua natureza seria mais propensa ao sexo é puro papo machista. “Na prática, a mulher gosta muito mais de sexo do que o homem. A questão masculina não é o ato sexual em si, mas parecer aventureiro e desbravador, imagem que é construída desde a infância e que culmina com a figura do pai levando o filho adolescente para perder a virgindade.” Buchi acredita que a mulher trai por motivos me­­nos “patológicos” que o ho­­mem, genuinamente interessada em satisfazer seus desejos, enquanto eles fazem sexo com outras parceiras para ter o que contar para os amigos.
Conceito subjetivo
A terapeuta de casais e mediadora de conflitos Josete Cesarino Túlio explica que cada casal tem seu próprio sistema de regras sobre o que é considerado infidelidade. “A traição amorosa seria todo ato que viole o contrato do casal, sejam suas regras explicitamente claras ou não.” Para Raul Buchi, mais importante do que a traição em si é a sensação de estar sendo enganado. “Devemos perguntar o que cada pessoa entende por trair e como se sente em relação a isso, pois o conceito é muito subjetivo e varia de acordo com os limites e valores de cada indivíduo. Para alguns, olhar para o lado já pode ser considerado infidelidade, enquanto para outros ter um amante virtual é entendido como traição.”
Fora de compasso
Os momentos da vida que mais favorecem o aparecimento de ca­­sos extraconjugais, segundo Jose­te Túlio, são o início do casamento – quando os parceiros ainda estão construindo a conjugalidade –, após o nascimento de um filho – quando a função materna se torna o centro da vida da mulher –, a fase em que os filhos saem de casa e quando surge o sentimento de que o outro não pode mais satisfazer a imagem idealizada.
Na opinião do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar, autor de Canalha e O Amor Esquece de Começar, a fidelidade também pode ser uma forma de traição. “Se o casamento é bajulação ou indiferença, a fidelidade é apenas falta de vontade, acomodação, partilha de imóvel.” Ele acredita que é mais fácil um casal feliz se separar do que um triste. “A cumplicidade do tédio é inabalável. Já quem está alegre chamará atenção e despertará a inveja dos próximos. Tenho medo dos pares que não brigam, perderam até o ânimo para discutir”, diz.
Reconciliação
Para Fabrício Carpinejar, o grande teste do amor não é ser fiel, mas o que fazer depois da infidelidade. Em seu “consultório poético”, blog em que responde a cartas de leitores com problemas amorosos, ele está acostumado a ler relatos de traições. “Há gente que tem vontade de perdoar, mas se sente culpado e envergonhado diante da família. É curioso: muitos homens e mulheres fazem questão de espalhar que sua companhia pulou a cerca e depois se recusa a reatar porque já virou fofoca. A infidelidade fere muito mais o amor público, o casal como exemplo, do que o amor privado, a relação em si”, analisa. Mas Josete Túlio garante que é possível, sim, fortalecer um casamento após a descoberta de uma traição. “Isso vai depender do grau de maturidade, capacidade de diálogo, intensidade de amor e desejo de investir na relação.” Para a terapeuta, o mais importante é conseguir superar os problemas inerentes à infidelidade – a culpa e o ciúme. “Aprender a construir pontes onde antes existiam abismos é o grande aprendizado que o casal pode tentar.”
Virtual
“A internet se tornou um lugar privilegiado para encontrar aquilo que se deseja, mas não pode ser encontrado no mundo real”, afirma Mirian Goldenberg. Na percepção dos entrevistados pela antropóloga, manter um relacionamento virtual tem certas “comodidades”, como deletar o amante quando se está cansado dele, não correr o risco de contrair doenças e não se sentir traindo verdadeiramente o cônjuge, já que a relação é apenas virtual. Mas nem sempre existe alguém teclando do outro lado do monitor. O psicoterapeuta Raul Buchi lembra que, hoje, há uma grande proliferação de vídeos e imagens pornográficas circulando na rede. “O homem que busca este tipo de material se torna um colecionador, e, como a imagem colecionada provoca excitação, ele desvia para a virtualidade o desejo sexual que sente, deixando, inclusive, de se relacionar com a própria esposa.”
Os dois lados
Luisa*, 26 anos, conviveu com a traição desde cedo. Seu pai enganava a esposa com outras mulheres, engravidou a secretária e o caso só foi descoberto quando o filho tinha dois anos. “O que era traição conjugal virou uma traição familiar, já que a minha irmã e eu nos sentimos tão traídas quanto nossa mãe. Foi como se tivessem mudado a história de nossas vidas sem nos perguntar ou pedir licença”, lembra. Depois da confissão, sua mãe perdoou o marido e eles continuaram casados por mais um ano, até se divorciarem. Hoje, a ex-amante virou esposa e o pai de Luisa também já a traiu com outras mulheres. Michelle*, 29 anos, viveu outra situação difícil. Depois de perdoar o namorado infiel diversas vezes, na esperança de que algo mudaria, foi diagnosticada com o vírus HPV em estágio avançado e precisou até passar por uma cirurgia para evitar o desenvolvimento de um câncer no colo do útero. Ele havia sido seu primeiro parceiro sexual. “O sofrimento físico foi muito grande, mas o emocional foi ainda maior. Passei por um longo tratamento, perdi um relacionamento, mas tive a minha vida de volta”, conta.
Nunca fui santa
“Já traí e meus ex-namorados nunca descobriram” admite Luisa*. Para ela, todo ser humano trai, mesmo que em pensamento, mas é importante manter a lealdade e respeitar certas “regras”, como evitar pessoas do mesmo círculo do seu parceiro, jamais confessar – nem para amigos próximos ao casal – e nunca deixar transparecer. “Quem trai deve fazê-lo por si e não para ma­­chucar o outro. Se a pessoa tem vontade de ficar com outras e isso irá satisfazê-la, não vejo problemas”, opina.
* Nome fictício.