Célia Celíaca: curitibana cria personagem para falar da doença que proíbe glúten
Amanda Milléo
23/11/2017 06:34
Eve Ferretti transformou experiência pessoal em personagem. Foto: divulgação
Cortar o glúten da dieta não é apenas um modismo para emagrecer, e a escritora curitibana Eve Ferretti quer que todos descubram isso. Diagnosticada tardiamente com a doença celíaca, Eve teve muitas dificuldades, como boa parte dos celíacos, para que amigos e familiares entendessem porque ela tinha se tornado a “estranha” que não come mais as mesmas comidas que antes. E foi então que ela criou a Célia Celíaca.
Célia é a primeira personagem celíaca da literatura mundial, e uma mulher jovem que, assim como a sua criadora, adapta a vida ao que o organismo, intolerante ao glúten, pede. Nesse caminho, a personagem vive situações comuns dos intolerantes ao glúten ao mesmo tempo em que tenta desmistificar a doença:
“Muitas pessoas ainda pensam que é possível ter ‘um pouco’ de doença celíaca. Existem, na verdade, graus dos danos que o glúten causa ao organismo. Quanto mais você se expõe a ele, mais vai tornando o intestino sensível. Então, quando alguém fala: ‘come só um pouquinho’, ele ainda não entende”, explica Eve, que só descobriu o que significava ter a doença há dois anos, embora fosse uma celíaca “clássica”, com sintomas desde a infância.
Seja através da literatura ou dos quadrinhos, a Célia Celíaca explica tão bem o cotidiano da doença que acabou premiada em um concurso nacional de empreendedorismo em Portugal. Ao lado do ilustrador e diretor de arte Pedro Mota Teixeira, a Célia cresceu, ganhou formas novas e o seu livro será lançado no Brasil no próximo dia 29, na pizzaria Rigani, em Curitiba.
O orgulho pela “filha” é ainda maior quando Eve lembra que todas as histórias são lembranças de situações vividas por ela mesma. “Na história da estranha da festa, eram as minhas festas de família. Quando eu menos esperava, o pessoal estava falando de mim, dizendo que me levariam para a igreja para me curar, ou para fazer um tratamento alternativo ou tentavam fazer com que eu comesse só um pouquinho. Depois que eu vim morar em Portugal, percebi que era um desconhecimento internacional, porque faziam o mesmo aqui”, diz a autora.
Embora Eve sofresse desde criança com os danos da doença celíaca (leia-se: diarreias constantes), mudar o seu comportamento com a comida não foi algo fácil. “Os centros dos principais eventos familiares e sociais envolvem comida. Natal, Páscoa. Eu passei a não comungar dos mesmos alimentos com os meus parentes. Eu tive que reavaliar a minha vida inteira. Amigos que não entendiam e foram embora, outros dos quais eu me afastei e até hoje meu pai não compreende completamente a doença”, conta.
Desde o diagnóstico até quando a doença realmente fez sentido para Eve, passaram-se três anos. Nesse período, ainda que cortando de forma leve o glúten, a escritora tinha sintomas importantes e quando o cabelo passou a cair como uma “peruca” toda vez que ela passava a mão, as unhas se quebraram pela metade e a falta de sono era constante, Eve percebeu que algo não estava certo. “Eu achei um especialista em doença celíaca em Curitiba, o dr. Paulo Costa Claro, e foi ele quem me falou dos riscos da contaminação cruzada, explicou que eu não poderia ter continuado a comer na mesma cozinha que meus pais, que eu teria de ter meus utensílios e panelas e separar meus alimentos na geladeira”, relata.
Longe do glúten (totalmente) há dois anos, Eve diz que não sente falta do que deixou para trás, pois os benefícios são bem maiores. Além disso, ela encontrou outras fontes de felicidade na alimentação:
“Eu achei outros sabores, alternativas ao trigo, como a própria batata. Hoje faço muitos pratos com base na batata. Acabei me voltando a uma alimentação que a minha avó comia e aprendi a cozinhar. Deixei de lado os industrializados e a única parte chata mesmo é quando vou viajar. Nem sempre há lugares que oferecem alimentos sem glúten de verdade, sem contaminação cruzada, e aí tem que levar todas as comidas junto na viagem”, diz Eve.