Corset, tight lacing e cintas modeladoras: afinar a cintura pode trazer riscos
Marina Mori
06/09/2017 12:00
Letícia Araújo pratica o tight lacing há pouco mais de um ano. Sua cintura diminuiu 12 centímetros ao longo desse período. Foto: Arquivo Pessoal
Mulheres de todas as idades e etnias têm desafiado algumas regras impostas pela sociedade – ser magra demais, ter cabelos lisos e compridos, ficar livre de celulites. Algumas, porém, encontraram o empoderamento justamente no símbolo que representa uma época de “ditadura” da beleza feminina de quatro séculos atrás: o corset. Com grupos no Facebook, a comunidade soma mais de 150 mil brasileiras adeptas à prática do tight lacing para moldar formas e diminuir medidas.
“Cerca de 300 novas mulheres são adicionadas toda semana”, afirma Flávia Cristiano, de 35 anos. Mineira radicada há 17 anos em Curitiba, ela criou o grupo “Tight Lacing e Corset Style” em julho de 2015 – hoje, são aproximadamente 53 mil participantes.
Segundo a tight lacer, o espaço foi criado para compartilhar experiências, dicas e alertas sobre a prática. “É muito sério. Deixo clara a importância de passar por todos os médicos”, afirma. Médicos? Sim. Para começar a vestir um espartilho, é preciso fazer uma série de avaliações prévias com ortopedistas, gastroenterologistas e até angiologistas. Mas, apesar de alguns dos grupos compartilharem listas colaborativas de profissionais que “recomendam” o uso do corset, os especialistas não incentivam a prática (leia mais sobre os riscos abaixo).
Armadura que empodera?
“Minha autoestima é muito mais alta hoje. Me sinto segura com o meu corpo”, conta a estudante de história e moderadora do grupo citado acima, Letícia Araújo, de 27 anos. Há um ano e um mês, ela veste um espartilho preto e amarra os laços nas costas todas as noites para que, durante oito horas de sono, a peça afine suas medidas. Tem funcionado. Ao longo desse tempo, seus 73 centímetros de cintura passaram a 61; o quadril, que media 96 cm, diminuiu para 92 e, o tórax, antes com 75 cm, hoje mede 68.
“Parece ser uma armadura que está doendo, mas na prática correta o corset não pode gerar desconforto”, garante Letícia. O objetivo é apertar a peça aos poucos, sem restringir a respiração. Seguindo os limites do próprio corpo, uma mulher pode levar até três anos para fechar um corset.
Outra prova de seu amor pelo tight lacing é seu trabalho de conclusão de curso, em que Letícia estuda a importância do espartilho para a mulher vitoriana do século 19. Mas a obsessão é antiga. Quando tinha 15 anos, ela tentou fazer um corset sozinha. Escolheu umas camisas de tecido grosso, algumas barbatanas e se apossou da máquina de costura da mãe às escondidas. “É óbvio que não deu certo”, relembra. Isso porque, para funcionar corretamente, cada peça deve ser feita sob medida por um corset maker.
Letícia Araújo pratica o tight lacing há pouco mais de um ano e "perdeu" 12 cm de cintura nesse período. Foto: Arquivo Pessoal
Corset x Corselet
Nos grupos do Facebook, as administradoras são categóricas em relação à procedência dos corsets. Elas indicam apenas marcas em que confiam e relembram, com frequência, da diferença entre corsets e corseletes. Enquanto os primeiros são feitos sob medida e servem para modelar o corpo nos “locais certos”, os corseletes são apenas para uso estético. “Muita gente compra de sites chineses achando que fez um ótimo negócio, mas nem imagina a quantidade de problemas irreversíveis que isso pode causar”, alerta Letícia.
Segundo ela, as barbatanas (tiras de alumínio ou inox que mantêm a peça firme) dos corseletes são posicionadas em locais errados, que podem machucar e deformar o corpo. Enquanto uma peça dessas sai por R$ 50 em sites como Aliexpress, um corset feito sob medida é vendido a partir de R$ 400 e pode chegar a centenas de milhares de reais. “O céu é o limite”, diz.
Post do grupo de corset e tight lacing, no Facebook, que mostra as diferenças entre o corset e o corselet. Foto: Reprodução Facebook.
Riscos à saúde
Para Ubirajara Bley Filho, ortopedista especializado em coluna do Hospital Marcelino Champagnat, o uso do corset pode trazer mais problemas do que benefícios à saúde.
Ele afirma que, por mais que não fique tão apertado na cintura, a frequência respiratória de quem pratica o tight lacing diminui devido à pressão constante no abdome ao moldar as costelas flutuantes. Além disso, se usado de modo errado, a compressão nos quadris pode causar inchaço nas pernas, varizes e até mesmo trombose.
“Não aconselho o uso. A princípio tudo pode estar bem, mas lá na frente os problemas podem ser irreversíveis”, opina o ortopedista.
Outra questão importante é a restrição da musculatura. “Muitas mulheres acham que firmar a coluna tem benefícios, mas isso é péssimo a longo prazo”, alerta Bley Filho. Ao manter o tronco imóvel, todos os órgãos e a musculatura ficam restritos, causando atrofia e dores intensas.
No grupo “Corset e Tight Lacing”, as administradoras levam os riscos a sério e sempre alertam as participantes. Tão importante quanto usar o corset feito sob medida e sem pressionar o tórax, por exemplo, é a prática diáriade abdominais e exercícios para a lombar.
Letícia explica que os exercícios devem ser realizados o compensar os músculos pelo tempo em que ficaram imobilizados. “Jamais use o corset se não realizar os exercícios de compensação diário”, avisou ela em um post sobre o assunto.
Ela fez um experimento ousado para comprovar as consequências: usou o corset durante 10 dias sem praticar os 500 abdominais e mais de 200 exercícios para a lombar. “A dor nas costas era insuportável”, conta. Segundo ela, quem não faz os exercícios não consegue ir adiante com a prática.
As irmãs Kardashian são referência de corpos ultradelineados. Elas não escondem de seus milhares de seguidores o uso de cintas modeladoras. Fotos: Reprodução Instagram
“Fazer abdominais pode ser suficiente apenas para compensar a musculatura, mas o ganho de massa é muito mais lento. É simples: enquanto uma pessoa que não usa corset ou cinta faz 50 abdominais por dia, aquela que usa precisa fazer quatro vezes mais. Isso compensa?” , questiona Nadio Sanzovo, ortopedista especializado em coluna do Hospital São Vicente.
Como os músculos ficam atrofiados, em menor ou maior grau, os ossos e as articulações ficam sobrecarregados para conter os órgãos internos, segundo o especialista. Surgem, então, artroses precoces e dores crônicas a longo prazo. “Pode ser que não aconteça nada nunca, mas é preciso saber que a proteção estrutural do corpo está sendo debilitada”, alerta.
Cintas modeladoras também podem ser perigosas
Segundo Sanzovo, as cintas modeladoras também têm uma função nociva em relação à qualidade da musculatura. “Embora a cinta elástica permita uma boa utilização da musculatura, também ocorre uma atrofia muscular generalizada por conta da pressão”, explica.
Confira, abaixo, o depoimento de uma mulher sobre o uso indiscriminado da cinta elástica. Por conta do aperto, seu diafragma foi empurrado para os pulmões, pressionando também o coração. “Imagina se eu tivesse usado um corset sem orientação médica? Poderia estar morta”, escreveu.
Contraindicações
Mesmo entendendo os riscos da prática, não é toda mulher que pode moldar a cintura com o acessório. Quem tem problemas na coluna, como escoliose, nem sequer pode pensar na possibilidade. Mulheres que fumam, tomam anticoncepcional e têm histórico de doenças cardiovasculares ou apresentam problemas gástricos também devem passar longe do corset, explica o médico.