Comportamento

Conheça quatro mulheres inspiradoras

Da redação
07/03/2015 20:05
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Sem dar bola para críticas ou convenções sociais, essas mulheres tiveram a coragem de fazer escolhas que deram significado aos seus dias e as tornaram o que hoje são: plenas, realizadas, felizes. Cada uma a seu modo – profissional, altruísta, mãezona ou tudo isso junto – elas mostram que a mulher pode ser o que quiser.
Mãe, esposa e a primeira capitã dos bombeiros
A capitã dos Bombeiros Geovana Angeli Messias, de 32 anos: primeira paranaense no cargo. Foto: Mel Gabardo/Gazeta do Povo
A capitã dos Bombeiros Geovana Angeli Messias, de 32 anos: primeira paranaense no cargo. Foto: Mel Gabardo/Gazeta do Povo
Em 2001, aos 19 anos, Geovana Angeli Messias se dividia entre o curso técnico em Design de Móveis na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e sua paixão pela natação. O fim daquele ano chegou e ela tomou a decisão que transformaria para sempre sua carreira: seria guarda-vidas voluntária no litoral paranaense. Passou três verões cuidando dos banhistas e nunca mais quis parar: em 2004 – o primeiro ano em que mulheres seriam aceitas no Corpo de Bombeiros – prestou concurso público para ser soldado e foi aprovada. Concluiu os oito meses de curso e, ao mesmo tempo, se formou como designer. Além disso, teve fôlego para passar no vestibular para ser cadete.
Foram três anos de muita dedicação na Academia Policial Militar do  Guatupê (APMG), que associava aulas teóricas às práticas militares. Nos fins de semana, estava livre para visitar os pais e ficar com o namorado, que também fazia o curso para ser oficial. Porém, existia uma regra: todos os estudantes precisavam permanecer solteiros. Em 2008, Geovana estava no terceiro e último ano, mas ele ainda estudava no segundo. Por sorte, a norma foi extinta, e eles se casaram no civil no mesmo dia em que Angeli – o nome de guerra dela – se formou com honra: foi a primeira da turma de 18 alunos.
De lá para cá, tiveram dois filhos. O mais velho, de 3 anos e meio, ainda não entende a profissão dos pais. A mais nova, ao contrário, parece ter a vocação no sangue: com um 1 ano e meio e sem pronunciar direito as palavras, imita a sirene da viatura e vibra ao ver uma farda. Há 10 anos no Corpo de Bombeiros, Angeli foi nomeada capitã em dezembro do ano passado, entrando para a história como a primeira paranaense a ocupar este cargo.
A jornada diária da oficial de 32 anos é pesada: às 6h30 da manhã, acorda, alimenta as crianças e as arruma. Veste a farda operacional, prende o cabelo, passa um make, leva as crianças à escola e vai para o quartel. Às 11h30, busca os filhos, leva-os para casa e almoça. Volta ao trabalho às 13h30 e sai às 17h30. Ao retornar para o lar, aproveita os momentos com os filhos e o marido, que é tenente e divide as tarefas com ela. (Daniela Piva, especial da Gazeta do Povo)
ESSA MULHER É FOGO!
O que é viver bem?
É estar em harmonia consigo mesmo, fazer escolhas seguindo os seus ideais e nunca fugir deles para fazer a vontade dos outros. Acredito, também, que é se dedicar, se esforçar ao máximo no que você se propuser a fazer.
Como quer ser lembrada?
Como uma pessoa que sempre tentou agir de forma correta. Alguém que se esforçou e se dedicou para fazer sempre o melhor para a família e para o bem de todos.
Gosta do que vê no espelho?
Sou vaidosa e acho que, como toda mulher, tenho pontos fortes e fracos. Os fortes tento ressaltar. Os fracos tento melhorar aqui e ali, sempre dentro do possível… mas, de maneira geral, gosto do que vejo.
Quais os seus maiores medos?
Meu maior medo é em relação ao futuro dos meus filhos. Não sei como será o mundo e me sinto insegura sobre isso. Afinal, quero o melhor para eles.
Como é trabalhar, basicamente, com homens?
Não sinto muita dificuldade. Acredito que, a partir do momento em que a mulher se coloca na posição de profissional, o seu gênero fica em segundo plano e é possível conseguir respeito e admiração.
Como você se sente ao ser a primeira mulher paranaense a alcançar o posto de capitã?
Batalhei muito para conseguir tudo que conquistei e me sinto lisonjeada. Mas, ao mesmo tempo, poderia ter sido qualquer outra, acho que só estive no lugar certo, na hora certa. Com esforço, dedicação e coragem, você chega aonde quiser. (Daniela Piva)
A irmã que transformou o campinho num território de paz
A Irmã Anete Giordani - que joga bola de hábito - ajudou a pacificar a Vila Sabará investindo no futebol. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
A Irmã Anete Giordani - que joga bola de hábito - ajudou a pacificar a Vila Sabará investindo no futebol. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Nascida em Bento Gonçalves (RS), aos 6 anos, a Irmã Anete Giordani recebeu a visita de freiras e se encantou com o trabalho de “levar balas coloridas e alegria” para todos. Cresceu, namorou, se formou professora e fez um curso de contabilidade. Mas, aos 18 anos, a vocação falou mais alto e ela se tornou freira.
Chegou a Curitiba em 1994. Colaborou com o Centro Social Divina Misericórdia na Vila Sabará, na Cidade Industrial, onde fazia um trabalho ligado à pastoral. Em 1999, a irmã Anete assumiu a creche do bairro, foi morar por lá e teve contato com a violência local. Segundo ela, o número de assassinatos semanais variava entre quatro e seis e eram provocados pela guerra de gangues. A freira rezava nos velórios, e se entristecia com a situação. Certa vez, a mãe de uma aluna da creche apareceu na porta do local desesperada. Seu filho mais velho, de 15 anos, fora assassinado por engano. Ao chegar ao velório e olhar o caixão do adolescente ouviu uma voz dizer: “de que adianta vir aqui depois do acontecido?”. A frase a tocou muito, mal conseguia dormir.
Começava um novo capítulo, o de técnica de futebol para jovens do bairro. Com a ajuda da Secretaria Municipal do Esporte e Lazer da capital, conseguiu apitos, bolas e redes. Vontade não faltava. A aproximação foi lenta. Ela diz que, para muitos moradores da região, “freira é um bicho estranho, imagina uma que joga bola com o hábito?”. Irmã Anete oferecia lanche e ouvia a história de cada participante. Alguns iam armados. Mas ela foi conquistando a confiança dos jovens e começou a falar sobre a realidade e as causas dos crimes. Convenceu que na base da vingança os ciclos não terminariam. O resultado pode ser considerado um milagre: muitos jovens largaram as gangues e a violência diminuiu. No campinho, criou-se um território de paz.
Hoje com 50 anos,  ela vai às creches dar um beijo em cada criança. Passa o dia procurando apoio. À noite, após suas orações, encontra tempo para criar novos projetos. Ainda coordena o trabalho de cinco unidades, que se dividem em creches, atendimento dos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos e unidades de atendimento a idosos.
NOVIÇA REBELDE
O que é viver bem?
Dedicar-me aos outros. Não preciso de roupas, sapatos caros ou luxo. Sou voluntária. A fé me faz crer na vida única, por isso o que importa é o que construímos com amor e carinho. A minha felicidade está em entrar numa sala de aula e ser recebida por uma criança que corre para me abraçar, para procurar colo e aconchego. Falo sem romantismo. A vida não é mole, eu tenho a sorte de ter uma equipe bacana para ajudar os meus projetos.
Como quer ser lembrada?
Como uma mulher do povo. Comum e que fez o que pôde para fazer todos felizes. Deus nos criou para que fôssemos felizes. A vida é muito simples.
Gosta do que vê quando se olha no espelho?
Gosto. Acompanho meus cabelos ficando brancos e as rugas surgindo. É bonito ser assim. Minha aparência é minha história. Não quero camuflar as coisas. O primeiro mundo que você precisa mudar é o seu. Se você se ama e se aceita tudo ao redor vai ficar melhor.
Quais os seus maiores medos?
Nunca parei para pensar sobre isso. Não tenho medo nem de morrer. Acho que meu único receio é perder o controle sobre os sentidos quando eu ficar mais velha e não poder continuar até o fim da vida ajudando e servindo os outros.
O que o seu trabalho significa para você?
Ele é minha vida. Saí da casa dos meus pais e abri mão de várias coisas, como a de criar família e ser avó, para poder viver para os outros. Acordo e vou dormir pensando na superação das pessoas. Mais do que a dificuldade financeira, é preciso cuidar da vulnerabilidade, felicidade e estima das pessoas. Não me acho uma salvadora da pátria, sou humana. Mas faço o que posso ao lado da minha equipe.
Não poder ter tido sua própria família lhe traz algum ressentimento?
Na creche eu já tenho filhos do pessoal do futebol. Aqui eu sou mãe, amiga e avó. As crianças me abastecem diariamente com relação à maternidade. (Bruna Covacci)
Mãe em tempo integral é o melhor trabalho para a ex-economista
A ex-supervisora financeira Clarissa Scheer Ruoso, 49 anos, largou o emprego numa multinacional para cuidar das filhas. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo
A ex-supervisora financeira Clarissa Scheer Ruoso, 49 anos, largou o emprego numa multinacional para cuidar das filhas. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo
Ela tinha acabado de dar à luz sua terceira filha quando foi demitida. Nenhuma surpresa, pois, segundo ela, o mesmo acontecia com toda funcionária que engravidava. Os três últimos anos não haviam sido fáceis na multinacional. No posto de supervisora financeira, por muitas vezes, ela trabalhou das 7h30 à 1 hora do dia seguinte. Não sabia o que era sábado, domingo ou feriado. Não raro seu superior lhe telefonava e dizia: “preciso reduzir a folha, me dê cinco nomes para mandarmos embora”. Sobrecarregada e sob pressão, ela havia conversado sobre sair do emprego com o marido, que pedia “larga isso, pelo amor de Deus”.
Há 16 anos, logo após a demissão, a economista pós-graduada fez a escolha que lhe permitiu acompanhar o crescimento das filhas, participar das reuniões da escola e dar total apoio quando ficaram doentes. Clarissa Scheer Ruoso, 49 anos, optou por não procurar emprego. Saiu do mercado de trabalho e decidiu se dedicar inteiramente à família. Esposa do técnico de manutenção elétrica Paulo Afonso Ruoso, de 49 anos, e mãe das estudantes Mariana, 22 anos; Amanda, 18; Julia, 16; e Bruna, 4, Clarissa passa “o dia todo de camiseta e short” e se sente plenamente realizada.
“A Amanda eu não vi crescer. Fui vê-la engatinhando uma semana depois. Aos 4 anos, ela estava terrível, teimosa, dando muito trabalho. Acho que era pela falta da mãe. Eu não parava em casa e não valeu a pena”, lembra. Embora Clarissa trabalhasse desde os 12 anos, romper abruptamente a rotina do escritório não lhe causou estranhamento algum. A função de cuidar das filhas e levá-las para as aulas preenche o tempo e a alma. “Eu não paro de trabalhar. Mas esse é um trabalho que satisfaz.”
Sete anos após sair da multinacional, Clarissa recebeu uma proposta de emprego, que recusou sem titubear. “Pensei ‘tô tão bem, curtindo minhas filhas, não quero essa vida de novo’. Trabalhei demais, hoje posso me dar ao luxo de me mandar para a praia quando acabam as aulas das meninas e só voltar em fevereiro.” Se houve críticas à sua decisão, ela não deu bola: “Não ligo para o que os outros falam. Não me arrependo e largaria tudo de novo”.
NASCIDA PARA SER MÃE
O que é viver bem?
É viver a vida com alegria, curtir a família e viver o hoje, porque o amanhã pode não existir.
Como quer ser lembrada?
Com alegria. Comigo não tem tempo ruim.
Gosta do que vê no espelho?
Adoro, amo. Vejo que fiz uma escolha bem feita, não me arrependo de jeito nenhum.
Quais os seus maiores medos?
Hoje, meu maior medo seria não conseguir encaminhar a Bruna [a filha caçula, de 4 anos], porque as outras já estão encaminhadas. Por encaminhar quero dizer dar um rumo para a vida, garantir uma boa educação de modo que ela consiga caminhar com as próprias pernas. (Luisa Nucada, especial para a Gazeta do Povo)
Maternidade fora  dos planos da publicitária
A publicitária Patrícia Piana Presas, 42 anos, por sua vez, escolheu não ter filhos. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo
A publicitária Patrícia Piana Presas, 42 anos, por sua vez, escolheu não ter filhos. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo
Durante as brincadeiras de infância, as bonecas da Patrícia Piana Presas nunca foram suas filhas e não recebiam nomes de pessoas. Até os 30 anos, ela não havia sentido vontade de segurar um bebê. Lembrando essas histórias, a administradora, publicitária e professora de ensino superior percebe que cresceu com muitas certezas. Ela sabia que iria passar em um vestibular, formar uma carreira, encontrar o marido, casar e viver. Mas deixar uma herança para alguém nunca foi uma preocupação, nem uma cobrança da família e isso jamais a fez se sentir menos mulher.
“Minha mãe nunca esperou que viessem netos de mim. Meu pai teve uma fase em que fazia um olharzinho, mas ninguém cobrou. E, por sorte ou azar, eu achei um marido que também não queria”, diz Patrícia. No auge dos 42 anos, a multiprofissional sente-se orgulhosa da vida que criou e admite: “Ser mulher hoje é não acreditar no discurso da fragilidade. É também dar a cara para bater. Você não é mais mulher porque tem filho ou menos porque decidiu que não quer ser mãe”.
A área de marketing sempre chamou a atenção e, aos 17 anos, quando foi escolher a carreira no vestibular, começou pelo curso de Administração. “Na época, não havia cursos de marketing e se quisesse trabalhar nessa área, era preciso fazer administração. Quando fui fazer a pós-graduação, conheci o Joaquin, que era designer, trabalhava com a comunicação, publicidade, estava montando uma agência e a vida me encaminhou para isso também”, recorda.
Depois da pós veio o casamento aos 25 anos com o publicitário Joaquin Presas e mais estudos: o mestrado em Comunicação e Linguagens, em 2003, pela Universidade Tuiuti do Paraná e, agora, o doutorado em Administração na Universidad de la Empresa, do Uruguai, que está em fase final.
Com 21 anos de profissão e 16 de casada, Patrícia conta que se sente mais reconhecida no âmbito profissional e não sofre preconceito ou discriminação pelas suas escolhas na vida pessoal. “Preconceito puro, eu ignoro. Mas às vezes são amigos dos meus pais que falam: ‘Um dia você vai dar um neto para o Darci? Maria José, como pode ela não ter filhos?!’ E, às vezes, algumas mães mais empolgadas: ‘Você não sabe o que está perdendo!’. E eu respondo: ‘Não sei mesmo, e está tudo bem’.”
SER MULHER NÃO É SER MÃE
O que é viver bem?
Viver bem, para mim, é ter paz e tranquilidade, não ter as cobranças do tempo, que é muito do nosso dia a dia. Você tem muita coisa para fazer e tem muita coisa acontecendo em paralelo, os prazos, doutorado, aula, pós, clientes… essas pressões fazem com que eu vire um aluno, às vezes, e pergunte: “Cadê o X do calendário, qual é o próximo feriado mesmo?”. Você poder ter o seu timing da vida, sabendo que tem tarefas a cumprir, mas escolher o tempo para essa atividade, não pela cobrança e prazo. Ter mais “domingos de manhã”, sabe? Aquela preguiça de “vamos tomar um café ou ficar mais um pouco na cama?”. Isso vale todo o dinheiro que eu tenho e o que eu não tenho também.
Como quer ser lembrada?
Gostaria que as pessoas me vissem como eu acho que sou: dedicada, comprometida, que pega e faz. Um pouco ao contrário do viver bem [risos]. Mas, se é para fazer, vamos fazer e bem feito. Seria bom se as pessoas percebessem que isso não é natural. A gente faz porque nos dedicamos.
Gosta do que vê no espelho?
Eu me sinto bem, talvez pela minha experiência de vida, e essa é uma grande vantagem do mundo. Eu me vejo melhor do que quando eu tinha 20 anos. Hoje eu me cuido mais, sou mais magra, mais bonita, mais vaidosa, mais feliz e mais orgulhosa. Não que eu não fosse antes, mas agora é uma soma de experiências que influenciam as decisões, e as atitudes são mais conscientes. Sou também mais reconhecida nas coisas que eu faço, e tudo isso somado adiou a síndrome dos 40 anos. Para mim, essa síndrome é uma lenda.
Quais os seus maiores medos?
Tenho medo de fazer com que as pessoas próximas a mim passem por certas situações novamente. Perdi meu irmão há 20 anos e morrer hoje, antes dos meus pais, é uma coisa que eu não quero que aconteça. Não é um medo de envelhecer, de se tornar obsoleto, isso é normal. (Amanda Milléo)