Comportamento

Por que desafiar a masculinidade tradicional é bom para os homens

Michelle Stratemeyer, Adriana Vargas Saenz e Elise Holland*, The Conversation
02/04/2019 17:00
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Trabalhar a masculinidade tradicional pode ajudar no comportamento dos homens. Foto: Bigstock.

Um homem senta em um consultório médico depois de meses de pedidos desesperados vindos de sua esposa para que ele procure ajuda profissional para sua tosse constante. No fim das contas, foi ela quem marcou sua consulta e até mesmo o levou até lá.
Outro homem se encontra com seu gerente e enfrenta escárnio e zombaria ao mencionar que precisa reduzir sua carga de trabalho em vista do nascimento de seu primeiro filho.
Um terceiro homem participa de uma briga do lado de fora de um bar, impulsionada pelo álcool e pelo machismo. Ele leva um golpe na cabeça e desfalece, batendo a cabeça no chão.
Esses três exemplos não refletem apenas estereótipos masculinos. São experiências e resultados concretos que marcam uma diferença clara entre homens e mulheres. Os homens são 32% menos propensos a visitar um profissional de saúde do que as mulheres. Os homens também são menos propensos a procurar terapia para queixas psicológicas, como se sentir para baixo ou ansiosos.

Os homens também têm taxas mais altas de suicídio e acidentes automobilísticos, são mais propensos a beber excessivamente e fumar e também são mais inclinados a problemas de saúde graves como ataques cardíacos, derrames e doenças vasculares.

Da mesma forma, os homens são mais propensos a perpetrar e a experimentar violência e a adotar crenças e comportamentos que aumentam o risco de violência. Não é nenhuma surpresa que os homens morram quatro anos antes, em média, do que as mulheres.
Em uma tentativa de melhorar a saúde e o bem-estar dos homens, a American Psychological Association (APA) divulgou recentemente diretrizes para psicólogos para o atendimento de homens e meninos. Essas diretrizes complementam as diretrizes da APA de 2007 para o atendimento de meninas e mulheres. Ambos os documentos compartilham pontos em comum, como o foco em práticas terapêuticas adequadas ao gênero e em educação.
A APA está reconhecendo que as questões de gênero são relevantes para todos, não apenas para as mulheres, e que as experiências masculinas podem diferir das femininas. Mas, apesar das intenções positivas das diretrizes, sua divulgação foi ofuscada por críticas infundadas em parte da mídia.
Trabalhar a masculinidade tradicional pode ajudar no comportamento dos homens. Foto: Bigstock.
Trabalhar a masculinidade tradicional pode ajudar no comportamento dos homens. Foto: Bigstock.
O que as diretrizes realmente dizem?
As diretrizes visam a desafiar alguns aspectos da masculinidade tradicional que podem causar problemas na vida dos homens. Por “masculinidade tradicional”, entende-se um conjunto de normas, ideias e crenças sobre o que significa ser um homem. Tais crenças incluem identificar os homens como pessoas autoconfiantes, hipersexualizadas e emocionalmente tácitas que dão prioridade ao trabalho em relação à família.
Quando essas crenças são levadas a um nível extremo, elas podem resultar em consequências desagradáveis para os homens, como a insatisfação nas relações românticas, problemas de saúde mental e envolvimento em comportamentos de risco.
Para ilustrar o impacto dessas ideias tradicionais de masculinidade na saúde e no bem-estar dos homens, vamos examinar três das dez recomendações da APA em detalhes.

Primeiro, as diretrizes pedem aos psicólogos que abordem as altas taxas de problemas como violência, abuso de substâncias e suicídio, que são mais comumente experimentados pelos homens.

As diretrizes destacam a ligação entre as crenças sobre formas tradicionais de masculinidade e o encorajamento do comportamento agressivo em meninos incentivados pela família, pelos colegas e pela mídia. Como resultado, os homens são mais propensos a exibir comportamentos violentos e a serem vítimas de violência.
As diretrizes também destacam os vínculos negativos entre a experiência do abuso na infância e o posterior desenvolvimento de comportamento agressivo, pensamentos suicidas e abuso de substâncias.
Reconhecer esses padrões oferece uma oportunidade para os terapeutas se engajarem em conversas adequadas ao público masculino e a delinear mudanças de comportamento em relação aos problemas que afligem os homens.
Em segundo lugar, as diretrizes destacam a importância de incentivar o envolvimento positivo dos homens em suas famílias.

Apesar do crescente número de famílias de renda dupla, ainda há uma forte pressão social para que os homens sejam os provedores e os chefes de família, em vez de assumirem o papel de cuidador e alentador. Essa expectativa pode ocorrer às custas do relacionamento do homem com sua esposa, seus filhos e com o restante da família.

Foi demonstrado que estimular o envolvimento positivo dos homens com suas famílias melhora os resultados de saúde e bem-estar para os homens, seus filhos e seus cônjuges. Assim, pensar em práticas de trabalho mais modernas, com melhor equilíbrio entre o trabalho e o tempo gasto com a família, pode ter benefícios adicionais.
Terceiro, as diretrizes destacam a necessidade de meninos e homens buscarem mais ajuda e assistência médica. Os homens são mais propensos do que as mulheres a morrer de doenças como o câncer colorretal, que pode ser evitado com os cuidados de saúde certos.
Em termos de saúde mental, a relutância dos homens em expressar emoções e a procurar ajuda através da terapia pode estar por trás dos altos índices de automutilação e suicídio.

A masculinidade tradicional também encoraja ações arriscadas e competitivas em homens, com o resultado de que lesões não intencionais são a principal causa de morte em homens com menos de 45 anos. De acordo com as diretrizes, precisamos mudar as crenças em torno da autoconfiança para que os homens sintam-se mais confortáveis cuidando de si mesmos e buscando ajuda e serviços profissionais quando necessário.

Em conjunto, as diretrizes da APA têm o potencial de melhorar a vida dos homens. Elas concentram-se diretamente nas diferenças de resultados entre homens e mulheres e fornecem sugestões claras sobre como melhorar o bem-estar dos homens por meio de estratégias como o fortalecimento do envolvimento familiar e a mudança de atitudes para adotar comportamentos saudáveis.
Muitas organizações sem fins lucrativos e grupos de defesa já estão enfrentando esse desafio para incentivar uma masculinidade saudável entre meninos e homens. Our Watch, a fundação nacional da Austrália para prevenir a violência contra as mulheres e crianças, por exemplo, fornece recursos e artigos para os jovens sobre masculinidade e sobre o que significa ser homem através de sua campanha, The Line.
Ao reconhecer que perspectivas de gênero também afetam os homens, podemos avançar no sentido de melhorar a maneira como médicos, profissionais e a sociedade apoiam homens e meninos.
*As autoras são pesquisadoras da Escola de Ciências Psicológicas da Universidade de Melbourne, na Austrália.
Tradução de Janaína Imthurm.
©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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