Comportamento
De acordo com a psicóloga e terapeuta familiar e de casal Daniela Bertoncello, os conflitos vividos por Ana e Wilian são comuns na terapia dos consultórios. “Muitas vezes o homem até concorda em fazer o serviço doméstico, mas ele escolhe o que vai fazer, quando e de que maneira. Se vão cozinhar, não é a comida do dia a dia, mas é aquele preparo digno de um chef de cozinha e sem lavar a louça depois”, diz.
Panorama
Em Curitiba, 400 homens estão cadastrados na agência de relacionamentos Par Ideal e a grande maioria se diz disponível para ajudar a parceira nos serviços domésticos. Todos os que estão na faixa dos 60 anos são favoráveis à divisão de tarefas; dos que têm 50 anos, 80% se mostram disponíveis e entre os que têm entre 30 e 50 a porcentagem é de quase 95%. Os números parecem animadores, mas não dá para esquecer que “estar disposto a ajudar” pode estar a um abismo de distância do que as mulheres realmente gostariam de receber do parceiro.
Na prática, enquanto as mulheres brasileiras dedicam em média 25 horas semanais aos afazeres domésticos, os homens gastam dez horas, segundo um estudo divulgado ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que utilizou dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Quando se casam, as mulheres ganham mais sete horas de trabalho dentro de casa, enquanto os homens passam a trabalhar uma hora a menos. Para a pesquisa, 51% deles responderam que executam afazeres do lar. Entre elas o porcentual é 90%.
Somente a apresentação dos dados já seria suficiente para demonstrar a desigualdade no uso de luvas e aventais entre mulheres e homens. No entanto, outro detalhe reflete um cenário ainda mais complexo. Geralmente, para as mulheres trabalho doméstico significa realizar tarefas para o coletivo da casa, marido e filhos, enquanto o homem já diz que ajuda se faz um churrasco no final de semana e lava o carro.
Na casa do educador físico Wagner Carlos Rosa, 39 anos, é assim: ele faz, mas… “Tem que ser do meu jeito, sozinho, sem ninguém falando para fazer dessa ou daquela maneira”, conta. Ele diz que passa a semana sonhando com o sábado à tarde, quando acompanhado do controle remoto se esparrama no sofá e abre sua cervejinha. É o que chama de “descanso do guerreiro”. Merecido, ele ressalta, explicando que até chegar o momento de abrir a latinha já gastou muita energia. “Eu acordo bem cedo e já começo o dia levantando os sofás. Você arruma tudo, a casa está cheirosinha, aí é só almoçar e deitar no sofá para ficar relaxado, com o sentimento de dever cumprido. É meu ritual de recompensa”, diz.
Mas o gosto por manter a casa limpa não é recente nem apareceu por insistência da esposa dele, a manicure Rosemary Rosa da Silva, 31 anos. “Desde moleque sou acostumado a limpar a casa. Lembro-me quando eu e meu irmão ensaboávamos a área e ficávamos deslizando de um lado para o outro. Aprendi que cuidar da casa era divertido”, diz.
E é justamente essa experiência prévia que acaba faltando para os homens, segundo o psiquiatra e educador Içami Tiba. As mulheres são treinadas desde pequenas a serem “caprichosas”, a zelarem pelas suas coisas e a ajudarem a mãe na faxina, enquanto o homem não brincou de casinha e pode ter crescido observando um pai que gritava para a mulher quando queria um par de meias. “A mulher tem que entender que a maioria dos homens de hoje não cresceu familiarizada com esses cuidados. Ela não pode esperar que nasça nele, espontaneamente, o envolvimento com os serviços domésticos.”
Nesse sentido, a socióloga Marlene Tamanini, do Núcleo de Gênero da Universidade Federal do Paraná (UFPR), reforça dizendo que as meninas “são pequenas mulheres com uma função doméstica a cumprir”. “Elas são concebidas para o doméstico, à elas são deliberados o cuidado para com os irmãos e com a casa. Já aos meninos são criados para serem futuros homenzinhos, a ganhar dinheiro”, diz.
Descompasso
Como aliar um e outro para uma convivência harmônica? A mulher deve, em primeiro lugar, parar de exigir que o homem, que não foi treinado para isso, desempenhe as funções dentro de casa com a mesma perfeição que ela. “Se ela faz tudo do jeito dela para o marido e para o filho, não vai dar espaço para que eles aprendam a fazer”, diz Içami Tiba. Daniela Bertoncello complementa: “Como ela nunca teve escolha do que e quando fazer, ela não consegue entender que o homem queira ter esse privilégio.”
Quem oferece mais uma dica é Aimée Frota Merheb, endocrinologista e consultora da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística, uma das palestrantes de um curso sobre a administração do tempo. Ela conta que uma das dificuldades das mulheres, sobrecarregadas com múltiplas jornadas, é livrar-se da ideia de que o lar e as crianças são seu domínio e responsabilidade, e de que o companheiro é um coadjuvante. “Já que estes papéis sociais estão ainda arraigados na nossa sociedade, sair deles deverá ser um processo consciente, voluntário e compartilhado pelo casal, com regras muito claras e transparentes.
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Serviço
Daniela Bertoncello, psicóloga da Clínica Renaissance, fone (41) 3252-5913 / Curso Gestoras do Lar, fone (41) 3253-4665
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