Os contos “Pra Lá de Bagdá” e “Ao Oceano”, escritas por Flávio, são analisadas por Regina, que retoma nestes ensaios as suas teses mais conhecidas – e já abordadas em outras obras, como A Cama na Varanda, atualizada e relançada no ano passado. Entre elas, o fim do amor romântico e o prejuízo causado pelo pacto de exclusividade entre os casais. Regina também aponta as novas tendências dos relacionamentos amorosos, entre elas o amor a três.
Se algumas mudanças de comportamento parecem ousadas demais ou difíceis de serem aceitas, a autora lembra: “Há 30 anos, casar sem ser virgem ou se divorciar eram comportamentos escandalosos. Hoje em dia, são considerados comuns. No futuro, teremos liberdade para escolher a forma como viveremos.”
A terapeuta carioca fala mais sobre o livro e sobre o destino do amor romântico na entrevista a seguir.
Como é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo se somos criados para buscar a cara-metade e a formar um casal?
O amor é uma construção social. A cada época e em cada lugar, ele é de um jeito. Durante muito tempo e ainda hoje, vivemos sob o mito do amor romântico. O amor romântico é aquele que propõe a fusão entre as pessoas, a idéia de que você vai encontrar alguém que o completa, a sua alma gêmea… Todas as pessoas são educadas para dirigir a sua energia amorosa e sexual para uma única pessoa. Mas é possível amar mais de uma pessoa sim, tanto é que o amor romântico está dando sinais de desgaste e outras formas de amar começam a se consolidar aos poucos.
Por que o amor romântico está saindo de cena?
Porque estamos vivendo um momento em que se observa a busca pela individualidade, o contrário do que amor romântico prega. E enquanto o amor romântico sai de cena, podemos observar várias tendências, entre elas, a de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Acreditamos que o amor só pode ser de um jeito porque foi isso que aprendemos. Mas muitas regras já não valem mais para os dias de hoje. Nas décadas de 50 e 60, antes dos movimentos de liberação, se alguém dissesse que dali a algumas décadas uma moça não precisaria mais se casar virgem, diriam que você era louco, que seria algo impossível de acontecer. Se dissessem que, no futuro, a separação seria uma coisa corriqueira, também não acreditariam porque no passado a mulher separada era discriminada, os filhos não eram aceitos na escola, era uma vergonha para a família.
Qual é o problema do amor romântico?
O amor romântico é calcado na idealização do outro, atribui-se ao parceiro ou à parceira características que ele (a) não tem. Esta forma de amar é prejudicial porque criam-se expectativas muito difíceis de cumprir. O amor romântico prega que quem ama não tem desejo por mais ninguém além do parceiro. Que ter uma relação com outra pessoa que não é o seu marido (ou mulher) significa que você não o ama mais. Que a vida só tem graça se os dois estiverem juntos. Que um só tem olhos para o outro. Essas afirmações, além de não serem verdadeiras, causam muito sofrimento. E é por isso que o amor romântico perde terreno para outras formas de se relacionar que não exigem exclusividade.
Além do amor a três, quais são as outras tendências nas relações amorosas que foram identificadas?
As principais são o amor a três, o poliamor e a bissexualidade. Também haverá profundas mudanças nos casamentos. O casamento hoje é um conjunto de leis, normas, regras e cobranças que limitam a vida das pessoas. Acredito que, no futuro, será possível ter vários parceiros fixos. Um para ir ao cinema, outro para viajar, outro que é ótimo para conversar… Sempre brinco que os nossos bisnetos vão nos olhar com muita piedade e dizer: “Coitadinha da minha bisavó, ela tinha um marido para tudo!”
O mais importante em uma relação amorosa é sentir-se amado e desejado. Se o amor e o desejo existem, o que o outro faz, quando não está com você, não deveria ser da sua conta. Acredito que você possa ter um excelente casamento, muito desejo pelo seu parceiro, e o seu parceiro por você, e ter relações extra-conjugais. Porque o ser humano gosta de variar. Variar é bom. É muito simples.
Como deve ser a dinâmica de uma relação com mais de duas pessoas para que ela funcione?
Em meu livro A Cama na Varanda, conto uma história real de duas mulheres e um homem que viveram juntos durante mais de 15 anos, e muito bem. Mas como são relacionamentos pouco comuns, ainda é difícil de avaliar. Acho que as relações de casamento que se vivem hoje são sofríveis. Estudiosos apontam que cerca de 5% das relações de casamento são realmente boas. Esse número é muito baixo. Então, não adianta ficarmos nos agarrando a relações e a comportamentos que nos fazem sofrer. Que não proporcionam prazer, felicidade e alegria. Aos poucos, aumenta o número de pessoas que percebem que são livres para criar as suas próprias formas de viver. Hoje, se você quiser ficar solteira, pode. Da mesma forma que se quiser ser fiel a uma pessoa por 30 anos também pode. Não é trocar um modelo por outro, mas poder escolher o que mais se adapta à sua realidade.
E como lidar com o ciúme?
O ciúme é muito difícil de controlar porque está muito arraigado na nossa mentalidade. E nós nos acostumamos, desde que nascemos, a esse sentimento. A criança pequena tem muito ciúme da mãe porque se a mãe sumir, ela morre. Para ela, é um instinto natural, mas para o adulto, não. A nossa cultura é que nos incentiva a repetir esse comportamento. É compreensível que, nas relações amorosas, os casais queiram reeditar esse vínculo que tinham com a mãe, só que isso é impossível. A nossa cultura devia nos incentivar a desenvolver a capacidade de ficar sozinho, ao invés de incentivar a busca pela alma gêmea. Isso causa muito sofrimento e cria muitas limitações.
Você acredita que algum dia a sociedade vai aceitar essas novas relações com naturalidade?
Eu não tenho a menor dúvida de que daqui a 20, 30 anos (ou até antes) essas relações serão consideradas normais. A sociedade já deu sinais claros disso. A novela Duas Caras, por exemplo, mostrou um triângulo, bem aceito pelo público. A Grande Família também. É humor, é piadinha, mas sinal de que a mentalidade está mudando. Em vários lugares do mundo já existem movimentos a favor do poliamor (polyamory): congressos na Alemanha, passeatas na Inglaterra. Quem é a favor, acha a coisa mais natural do mundo amar e ser amado por mais de uma pessoa. Muitos, em algum momento da vida, já amaram mais de uma pessoa ao mesmo tempo, mas foram obrigadas a se decidir por uma.
E quando já existe uma família formada por duas pessoas ou a vontade de ter filhos. Como fica a relação com a terceira pessoa?
A família atual já apresenta diferenças da família tradicional nuclear há algum tempo. Pais separados, que levam os filhos do primeiro casamento, têm mais um filho no segundo casamento… O que a criança realmente precisa é ser amada, valorizada e respeitada. Se a criança se sente amada e respeitada, não interessa se é por duas, três ou quatro pessoas, se os pais moram juntos ou em casas diferentes.
Serviço
Amor a Três, de Regina Navarro Lins e Flávio Braga, editora BestSeller, R$ 19,90.
A Cama na Varanda – Novas Tendências (edição revista e ampliada), de Regina Navarro Lins, editora BestSeller, R$ 39,90.