Comportamento
Entrar em forma, fazer amizades, desenvolver o autocontrole e a disciplina, extravasar as tensões. Quem pratica uma arte marcial busca bem mais do que aperfeiçoar-se na defesa pessoal. O próprio termo “marcial” mostra que as lutas – como judô, muay thai, karatê, taekwondo, aikidô, jiu-jítsu e a brasileiríssima capoeira – têm referências no treinamento militar, que envolve disciplina e autocontrole físico e emocional.
“Não existe arte marcial sem respeito pelo ambiente, sem a valorização do adversário”, explica o professor de karatê Marco Antônio Ferreira, 48 anos, psicólogo do esporte do Centro de Estudos e Pesquisa da Psicologia do Esporte (Ceppe). Por isso, ao contrário do que muita gente pensa, a paz costuma reinar dentro e fora da área de treinamento. “Uma coisa é luta, outra é briga, que vai contra a filosofia de qualquer arte marcial, de subjugar oponentes mais fracos”, completa Luiz Fraiz, 33 anos, advogado e professor de muay thai na Academia Omni.
Com filosofias em que corpo, mente e espírito evoluem juntos, as artes marciais são conhecidas por promover inúmeras “melhorias” em seus praticantes. A primeira delas, certamente, é o desenvolvimento físico. Hoje não faltam mulheres treinando muay-thai, karatê ou jiu-jítsu com o objetivo de entrar em forma. “Por usar muito braços e pernas e, em consequência, o abdômen, o praticante de muay thai emagrece e tonifica sua musculatura”, explica Luiz Fraiz.
Mas a parte física é só a ponta do iceberg. “O treinamento torna o praticante mais focado, confiante, desenvolve reflexos e coordenação motora. Ele esquece os problemas do dia a dia, pois o treino é intenso, exige atenção e o professor está sempre em cima para que os movimentos sejam corretos”, complementa.
Com preceitos como “esforçar-se para o aprimoramento do caráter”, “seguir o caminho da verdade” e “reprimir a coragem insensata”, o karatê contribui para gerar atitudes melhores diante da vida. Ao praticar socos, chutes e imobilizações, quem diria, aprende-se o caminho da não-violência. “Treina-se o autocontrole e, por isso, diante de uma situação incômoda, agressiva, o lutador aprende a evitar confusão, pegar suas coisas e ir embora”, explica Ferreira.
Atitudes que se aprendem na prática sobre o tatame, não apenas com palavras, como explica Samuel Ferreira, 47 anos, professor de karatê na Academia Paramita que também atua como árbitro mundial da modalidade. “Nos exercícios dois a dois, os adversários se saúdam, em respeito um ao outro. A própria situação de luta, de adversidade, leva ao desenvolvimento.”
Além da construção de uma autoimagem positiva, da convivência social, Ferreira menciona ainda outros benefícios diretos das lutas marciais. “Diante da ansiedade da luta, aquela sentida no cotidiano se apequena”, diz. E se medalhas ou faixas vão para a gaveta, a sabedoria apreendida ao longo dos treinamentos segue com o praticante. “Um professor considera-se bem-sucedido quando seu aluno consegue transferir a superação da área de treinamento para a própria vida”, complementa.
Nos tatames também se iniciam grandes amizades – sem sombra de dúvida, o maior dos inúmeros ganhos da prática de qualquer luta marcial, na opinião unânime de professores e lutadores. “Meu melhor amigo era meu adversário nos campeonatos, mas fora do ambiente de combate sempre fomos aliados”, conta Ferreira.
O professor de muay thai Luiz Fraiz, 33 anos, esteve três vezes na Tailândia para conhecer a prática desta arte marcial milenar em seu local de origem. “O muay thai na Tailândia é como o futebol no Brasil. Qualquer molequinho sabe lutar. A carreira dos lutadores, no entanto, é curta, pois começam muito cedo e o treinamento é extenuante”, conta o faixa preta que foi aluno de Rafael Cordeiro, considerado melhor professor de MMA do mundo pela revista inglesa Fighters Only, em 2013. Conhecido como “a luta das oito armas”, por usar os dois punhos, cotovelos, joelhos e canelas, o muay thai praticado no restante do mundo se diferencia pelo uso mais frequente dos socos – influência do boxe implementada pelos holandeses, os maiores campeões mundiais do esporte. As aulas que Luiz Fraiz oferece na Omni Academia incluem corrida, para fortalecimento das pernas e cardiorrespiratório, além de abdominais e flexões de braços. Na parte técnica, o professor ensina os movimentos da luta e, à medida que avançam, os alunos combinam os golpes. “Aprendem a dar socos, se defender, desenvolver a movimentação e os reflexos para se esquivar dos golpes do oponente”, explica o professor, que já ensinou alunos de 8 a 60 anos. Para que ninguém se machuque, ele acompanha de perto toda a movimentação em sala e aconselha o uso de proteções, principalmente protetor de boca e bandagem sob as luvas para preservar tendões e articulações.
Luigi Poniwass
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