Comportamento

Curitiba vira polo de Futebol Americano; conheça os times e praticantes

Flávia Schiochet
25/08/2018 07:00
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Tanto força quanto estratégia fazem parte do futebol americano, um esporte que inspira confiança no outro e espírito de equipe. Foto: Divulgação

Imagine-se correndo por uns 50 metros. Ou dez metros, que seja. Acrescente obstáculos à corrida. Imagine que esses obstáculos são pessoas e que não há problemas em esbarrar nelas — mas tente pensar em como não cair. Agora pense que você precisa correr, evitar cair no chão, fazer um passe e ganhar distância usando um equipamento que pesaria, no mínimo, cinco quilos. É mais ou menos essa a experiência de quem pratica futebol americano. E eles adoram.
“É um esporte que leva muito para a coletividade e espírito de equipe. Dentro de campo é você e mais dez e um depende do outro. A falha de um compromete o time todo”, resume Fábio Marques Jr., 28 anos, praticante desde 2013. O analista de sistemas joga como linebacker — cuja função é parar a corrida do oponente e receber passe — no Brown Spiders e treina cinco vezes por semana.
Brown Spiders em campo. Time foi inaugurado em 2001 em Curitiba. Foto: Caçadores de Jardas/Divulgação
Brown Spiders em campo. Time foi inaugurado em 2001 em Curitiba. Foto: Caçadores de Jardas/Divulgação
É inegável que para integrar um grupo como este, condicionamento físico é fundamental. Fábio, que já praticou jiu jitsu e muay thai, participa de seu último jogo no sábado, 25 de agosto, contra o Corupá Buffalos, de Santa Catarina. “Eu comecei em uma época que me dividia entre o jiu jitsu e o futebol americano. Não fazia preparação física para nenhum deles. Passei por cirurgia no joelho, esse ano quebrei o cotovelo. Meu corpo pede para eu parar”, conta. Com a “aposentadoria”, Fábio passa a se dedicar ao treinamento da categoria de base, que reúne pessoas de 14 a 36 anos.
Mesmo sendo amadores, os praticantes têm uma rotina intensa e a preparação física para ter um bom rendimento é apenas um deles. Além dos treinos semanais que podem variar entre três vezes até seis vezes por semana (quando perto de competições), os jogadores “estudam” em casa assistindo a vídeos e analisando jogadas próprias ou de times profissionais.
Foi assim, aliás, que muitos dos amadores brasileiros começaram. O jornalista Fernando Zimmer joga futebol americano desde 2005, quando se reunia com amigos do colégio nos gramados do Parque Barigui para praticar. “Não tinha youtube, então na época a gente entrava no site da NFL e via os vídeos. Tentava ver o que eles faziam para replicar”, conta Zimmer.
O Coritiba Crocodiles entrando em campo. Foto: Adriana Ferrari/Divulgação
O Coritiba Crocodiles entrando em campo. Foto: Adriana Ferrari/Divulgação
Era o Coritiba Crocodiles, criado em 2003. À época, a importação do equipamento era caríssima, o que fez com que Zimmer e seus amigos jogassem até 2008 sem os protetores de ombro e capacetes próprios. Foi quando se juntaram aos jogadores do Brown Spiders, fundado em 2001, para importar cerca de cem itens dos Estados Unidos.
A fauna desses dois times curitibanos — aranhas e crocodilos — realizou o primeiro jogo de futebol americano do Brasil, em 25 de outubro de 2008 em Curitiba. Alguns meses depois, em março, criou-se a Federação Paranaense de Futebol Americano. “Diz-se que em 2008 foi o primeiro porque os jogadores jogaram equipados. Foi o mais próximo de um jogo profissional que aconteceu no Brasil até então”, relembra Zimmer.
Mesmo que a prática de futebol americano tenha começado nas areias do Rio de Janeiro, foi nos gramados do Paraná que a prática do esporte evoluiu com amistosos e configuração mais próxima ao profissional. Atualmente, dos 210 times afiliados à Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), 18 ficam no estado do Sul.

Regras e valores

Como todo esporte, o futebol americano ensina mais que regras — o senso de coletivo é a principal tônica do esporte criado em 1869. “Eu era uma pessoa muito brigona e estourada, tinha uma visão individual e egoísta. No futebol americano, você aprende a confiar no outros e a se colocar à disposição da equipe”, diz Fábio Marques Jr.
O futebol americano derivou do rugby, ambos esportes de contato físico e de conquista de território. Mas ninguém começa trombando os colegas no treino: os times mais antigos mantêm uma escola para interessados, similar ao preparo de categoria de base para o futebol, que pode levar um ano ou mais para que treinem com o equipamento e quase dois anos para entrar em campeonatos. Nos mais novos, são feitos testes físicos e de resistência. Foi com um desses testes que Carla Alves, pedagoga de 36 anos, entrou para o Cold Killers em janeiro. O grupo reúne mais de 40 mulheres que treinam no mínimo duas vezes por semana.
As jogadoras do Cold Killers, time só de mulheres de Curitiba. Foto: Arquivo pessoal
As jogadoras do Cold Killers, time só de mulheres de Curitiba. Foto: Arquivo pessoal
“Eu pratiquei rugby por 13 anos e fiquei um tempo parada. Meu namorado havia começado no Moon Howlers Futebol Americano e fiquei com vontade, porque sempre fui muito ativa”, contou Carla. Em maio, as Cold Killers participaram do Campeonato Paranaense de Futebol Americano e ficaram em segundo lugar. “Quem pratica esporte aprende a se colocar no lugar dos outros, quando a gente conhece mais gente e mais culturas”, analisa Carla.
Fernando Zimmer concorda. Como um dos 70 atletas do Coritiba Crocodiles, ele exalta a diversidade do grupo e o quanto isso soma à convivência e criação de laços. “São profissões, vidas e culturas diferentes, pessoas que não conheceríamos se não fosse o Croco. Há muita ajuda e parceria. As amizades vão além do treino, fazemos churrasco, reunimos toda a família, esposas, namoradas, nossos pais. Há um senso de comunidade”, descreve Zimmer.
Carla Alves praticou 13 anos de rugby e, depois de um tempo parada, começou no futebol americano a exemplo do namorado, Juliano Sizanoski. Foto: Arquivo pessoal
Carla Alves praticou 13 anos de rugby e, depois de um tempo parada, começou no futebol americano a exemplo do namorado, Juliano Sizanoski. Foto: Arquivo pessoal
O envolvimento ultrapassa jardas e jardas do campo. “No Moon Howlers tem umas cinco pessoas que não jogam, mas estão lá para treinar as categorias de base, acompanhar e organizar os treinos. A gente vê a equipe andando junta no futebol americano”, diz Juliano Sizanoski, engenheiro eletricista de 35 anos que atua como linebacker. “É isso que difere esse esporte dos outros”, completa.
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