Ficar longe dos amigos e da família pode fazer tão mal quanto cigarro e obesidade
RBS, por Marcel Hartmann
18/12/2018 17:00
Pesquisas comprovam: o Isolamento faz mal à saúde. Foto: Bigstock
A ciência já sabe que a chave da longevidade envolve uma combinação de bons genes com hábitos como exercício físico, alimentação saudável, zero tabagismo e consumo controlado de álcool. Mas, pouco a pouco, um novo componente conquista espaço na equação: o cultivo de laços sociais. Cada vez mais, cresce na medicina o lobby para construir relacionamentos de qualidade não só para a saúde mental, mas também física. É o chamado “efeito aldeia”: ter amigos, família e vizinhos por perto é, além de prazeroso, ótimo para a saúde.
O conceito foi proposto pela psicóloga canadense Susan Pinker no livro The Village Effect: How Face-to-Face Contact Can Make Us Healthier and Happier (O efeito aldeia: como o contato presencial pode nos deixar mais saudáveis e felizes, em tradução livre), publicado em 2014. A pesquisadora viajou a uma das cinco zonas azuis (comunidades com grande número de centenários) espalhadas pelo mundo – mais especificamente, na ilha da Sardenha, na Itália, onde há 10 vezes mais idosos com mais de cem anos do que a média da América do Norte. Ela descobriu que a população era extremamente unida e que os velhinhos desfrutavam de posição de prestígio. Hoje, ela advoga para que cultivemos mais intimidade com as pessoas.
“A interação protege mais a saúde do que perder peso ou parar de fumar. Há milhares de estudos mostrando a importância de fazer exercícios para a longevidade, mas é mais importante não estar sozinho”, argumentou Susan, em entrevista por e-mail.
Somos engolidos de tal forma pelo cotidiano a ponto de fazermos piada de tanto que o bar com os amigos foi adiado. O vizinho, mal cumprimentamos, apesar de vê-lo todos os dias. São hábitos comprovados em pesquisas: nos Estados Unidos, estudos da década de 1980 mostravam que cerca de 20% da população se dizia solitária. Em 2010, levantamento da Associação Americana de Aposentados (AARP, na sigla em inglês) apontou que a incidência dobrou para 40%.
Para além de evidenciar um certo individualismo em voga, o indicador preocupa porque o isolamento faz mal à saúde. Uma revisão de 70 estudos com 3,4 milhões de voluntários, publicada em 2015 no jornal da Association for Psychological Science, mostrou que pessoas solitárias tinham entre 26% e 33% mais risco de morrer nos próximos sete anos. Faz sentido: evolutivamente, sobrevivemos graças à nossa capacidade de interagir em grupo.
Grande impacto na mortalidade
Um dos estudos com mais bases para sustentar a importância dos laços sociais é um gigante da ciência, feito na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Desde 1938, pesquisadores acompanham milhares de voluntários para saber o que torna um indivíduo saudável. Após 75 anos de observação, os pesquisadores descobriram que são os relacionamentos, e não dinheiro ou fama, que trazem felicidade às pessoas. Além disso, viram que laços fortes estendem a expectativa de vida e postergam o declínio físico e cognitivo.
“Investir em amigos, familiares e comunidade protege o coração ao combater o estresse”, resume Aloyzio Achutti, cardiologista e epidemiologista, ex-membro do Conselho Diretor da Unidade de Doenças Cardiovasculares da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outra pesquisa, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, revisou 148 estudos, totalizando 308,8 mil voluntários, para identificar o impacto de relacionamentos na mortalidade. Descobriu-se que os indivíduos com laços sociais mais fortes tinham 50% menos chance de morrer. Na conclusão, os cientistas afirmam que “a influência de relacionamentos no risco de morte é comparável a outros riscos já estabelecidos, como fumar, consumir álcool ou exceder fatores de risco como inatividade ou obesidade”.
Pessoas doentes também se recuperam mais fácil quando estão conectadas. Estudo da Universidade da Califórnia indicou que mulheres com câncer de mama com boa rede de amigos têm quatro vezes mais chances de sobreviver do que aquelas mais isoladas. Há, é claro, uma dimensão psíquica. Se tenho um problema e encontro um amigo, além de sentir-me acolhido, também me confronto com outro ponto de vista e encaro a situação por outro prisma.
“Pessoas inseridas em uma comunidade lidam com adversidades de uma forma mais efetiva. O indivíduo muda a forma como encara o obstáculo e isso repercute no corpo”, destaca Fernando Bignardi, geriatra do Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Vale ressaltar que vínculos afetivos ocorrem em três níveis: familiar, de amizade e comunitário (com vizinhos, por exemplo). O psiquiatra Diogo Lara, professor da pós-graduação em Neurociências da PUCRS, destaca que é possível focar em apenas um, mas o resultado mais significativo surge ao investir nas três frentes. Nisso, é preciso esforçar-se para conviver e lidar com as diferenças. Só que hoje, diz, em uma época líquida, o investimento em relacionamentos interpessoais perdeu força. Surgem, então, novos protagonistas.
“Em uma sociedade cada vez mais individualista, o cachorro, por exemplo, virou substituto de afetos. Isso é incentivado pelo capitalismo, que lucra conforme as pessoas ficam carentes e precisam consumir, em busca de substitutos. Relacionamento é complexo, preciso saber comportar-me. Já o cachorro é uma fonte de amor incondicional. Recorremos a ele, ao sorvete, ao smartphone, substitutos não tão bons quanto o amor de uma pessoa, mas é o que tem”, reflete.
O que a solidão provoca no corpo
O isolamento social não escolhido coloca o corpo em alerta e pode fazer tão mal quanto o cigarro e a obesidade. Estudo norte-americano mostrou que a solidão aumenta a mortalidade em cerca de 30%. Veja os efeitos.
Inflamação crônica
O sistema neuroendócrino normalmente libera substâncias inflamatórias no organismo, uma forma de preparar o sistema imunológico para o perigo. Mas a solidão agrava o processo e contribui para oxidar (envelhecer) as células e aumentar os riscos de desenvolver síndrome metabólica (desregulação na metabolização de gorduras pelas células). São fatores de risco para diabetes, câncer e até Alzheimer.
Declínio cognitivo
O aumento no nível de hormônios do estresse, como cortisol, adrenalina e noradrenalina, pode, no longo prazo, prejudicar a memória.
Envelhecimento precoce
Pequenas “capas de proteção” no fim das moléculas de DNA, os telômeros encurtam conforme as células se multiplicam. A ciência sabe que o estresse acelera o encurtamento dessas “capas” e envelhece as células mais rapidamente.
Doenças cardiovasculares
Estudo publicado em 2015 no conceituado jornal Heart mostrou que o isolamento aumenta os riscos de doença coronária do coração em 29% e de infarto em 32%. É que os hormônios do estresse também regulam a circulação sanguínea. Elevados, promovem danos nas paredes de artérias, fator de risco para aterosclerose, e aumento da pressão arterial. Além disso, promovem a liberação de mais gordura e açúcar no sangue, o que está relacionado a diabetes.
Sono ruim
Como se ficássemos em alerta após nos separarmos da tribo, o corpo libera mais cortisol durante o dia, o que piora a qualidade do sono, importante para a produção adequada de hormônios.
Sistema imunológico deficiente
Há estudos indicando que pessoas solitárias sofrem mais de doenças cardiovasculares, como câncer e infecções. Uma das explicações seria que o corpo suprime a expressão de genes ligados à atuação do sistema imunológico, de forma a reduzir a produção de leucócitos.
Excesso de peso
Sobretudo na adolescência, o isolamento está relacionado ao sobrepeso, uma vez que são nesses momentos que investimos em junk food. Em idosos, é fator de risco para controle da hipertensão.
Paranoia
O estado de vigilância constante que ficamos devido ao isolamento muda a forma como interpretamos a realidade. Desenvolvemos uma tendência maior a encarar o outro como ameaça e, na prática, reduzimos ainda mais o contato social.
A ciência do afeto
A plenitude depois de um churrasco em família, uma noite com os amigos ou o voluntariado se explica por uma liberação em cascata de substâncias no cérebro. Um dos mais marcantes é a oxitocina, o “hormônio do amor”. Produzido na hipófise, ela atua como um calmante e gera aquela sensação de estar conectado.
Há a hipótese de que o contato social iniba o hipotálamo posterior, zona responsável pela secreção de hormônios do estresse, ligados ao aumento da pressão arterial e à aceleração de batimentos cardíacos. Ao mesmo tempo, elevam-se os níveis de endorfina, analgésico natural ligado ao prazer, e de neurotrofinas, proteínas que estimulam o surgimento e a sobrevivência de neurônios.
“O estímulo cognitivo também está relacionado com ações sociais. O velhinho que se diverte e ri estimula a memória durante a conversa, se esforça para entender o argumento do outro. É um jeito também de se proteger contra o Alzheimer”, afirma a neurocientista Mônica Vianna, pesquisadora de longevidade e professora na Escola de Ciências da PUCRS.
Mais do que isso, relacionamentos nos conferem posições sociais dentro de um grupo e contribuem para a manutenção de uma autoestima saudável. Esse senso de propósito – estar conectado a algo maior – é apontado por analistas como essencial para nossa saúde. Estudo britânico publicado no Journal of Epidemiology and Community Health mostrou que quem tinha mais amigos aos 45 anos relatava mais bem-estar aos 50.
Isso é especificamente importante para idosos, que podem se sentir sem rumo após a aposentadoria e por se tornarem dependentes da família devido a doenças. A reconexão com um bem comum pode se efetuar com o cuidado dos netos, o preparo das refeições em família ou atividades lúdicas, como jardinagem. Esse propósito é marcante nos centenários que vivem nas zonas azuis espalhadas pelo mundo (Okinawa, no Japão, Sardenha, na Itália, Nicoya, na Costa Rica, Icaria, na Grécia, e Loma Linda, nos Estados Unidos).
Agora, se você é o tipo de indivíduo que adora estar sozinho, em silêncio, ao fim do dia, fique tranquilo. Há uma diferença entre a solitude, um afastamento voluntário para refletir e se conectar consigo mesmo, e a solidão, que é o isolamento social no momento em que se anseia por contato.
“A conexão é o que dá sentido à nossa vida. `Mas e o monge budista?´, podem perguntar. Bom, ele tem um preparo e buscou um isolamento. E mesmo assim ele se sente conectado, via meditação. Basta ouvir o Dalai Lama falando “, diz o psiquiatra Diogo Lara.
Todos esses benefícios, no entanto, ocorrem apenas em relacionamentos saudáveis. Laços sociais tóxicos fazem mal, podendo afetar nossa autoestima. Portanto, escolha bem quem ficará ao seu lado e monte sua “aldeia”, como propõe a psicóloga Susan Pinker. Se a escolha for boa, você viverá nela por muito tempo.
Dicas para conectar-se mais
>> Se sua rotina é atribulada, foque em almoços: o intervalo para comer é obrigatório mesmo, então, por que não fazê-lo com alguém que você não vê há um tempo?
>> Não troque o encontro ao vivo pela interação digital.
>> Faça uma lista de pessoas que você quer ver regularmente. O encontro não precisa exigir grande preparação nem durar horas a fio. Se você ficaria uma hora na rua esperando um compromisso, que tal aproveitar para um café com um amigo?
>> Cultive relacionamentos no trabalho. Estudos mostram que quem tem amigos na empresa é mais realizado profissionalmente e, inclusive, rende mais. Invista no cafezinho na cozinha da firma.
>> Deixe o celular no bolso enquanto você está com alguém. O cérebro presta menos atenção na conversa se existe a possibilidade de você mudar o foco para uma notificação de aplicativo. Com isso, o engajamento e a empatia são menores.
>> Foque em atividades de lazer de acordo com seus interesses. Clubes de leitura, grupos de corrida, voluntariado e reuniões para debate são boas formas de conectar-se a um propósito comum ao lado de outros.
>> Seja um bom ouvinte. Escute o problema do outro e não o compare com o seu. Cada um sente a dor de uma forma peculiar, que tem sua importância. Se o ouvinte diz que enfrenta um obstáculo, não responda “Pelo menos você tem…”. Invista em: “Como isso te incomoda?”. Às vezes, o importante não é ouvir uma resposta, só falar já ajuda.
>> Foque em refeições em família. Para crianças, é um bom momento de incrementar o vocabulário.