Comportamento

A linha tênue entre sinceridade e grosseria

Camille Bropp Cardoso
16/05/2015 15:35
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Nem todo mundo tem coragem de admitir em alto e bom som que não gostou tanto assim de um serviço que contratou. Então os que conseguem isso podem ser chamados de sinceros – uma virtude rara e louvável hoje em dia, pelo menos nas relações cara a cara. Mas o que dizer da mulher bem de vida que, em março, contratou a maquiadora paranaense Sâmela Luiz, de 25 anos, e, trabalho concluído, ergueu a voz para reclamar que as cores escolhidas a faziam parecer “uma palhaça”? “Na hora removi pacientemente a maquiagem dela e me segurei para não chorar. Estudo muito, me esforço, e sei que faço um bom trabalho. Não entendi por que falar daquele jeito”, conta Sâmela.
Pessoas muito sinceras atraem de tudo muito: têm fãs, mas também torcida contra (veja o box com sinceros famosos). O limite entre sinceridade e grosseria é uma reflexão árdua, mas indícios ajudam a separar as duas situações. Para o psiquiatra e psicanalista Hemerson Ari Mendes, o sincero verdadeiro aceita receber sinceridade de volta. Ou seja, quem surta ao ter os erros expostos (da mesma forma que faz com os outros) pode estar usando essa suposta característica para ter privilégios. Assim, ganha tudo o que quer no “grito”.
Outro ponto: o super-sincero não costuma escolher de forma calculista com quem exercitar esse traço de personalidade. Pessoas que têm mais facilidade em falar o que pensam, do jeito que bem entendem, para “subordinados” –similar ao citado no início do texto – podem ser do tipo oposto à franqueza. Em suma, ser sincero apenas com garçons não é virtude. “Me parece mais falsidade do que sinceridade”, avalia Mendes.
Verdade verdadeira
O psicólogo Alexandre Bortoletto, da Sociedade Brasileira de Neurolinguística (SBPL), avalia que o impulso de ser sincero é bom, ainda que não muito valorizado (e bem usado) no Brasil. “Nossa cultura tem um pouco do embromation”, acredita. “Em outros países, o feedback [avaliar o trabalho e a atuação de colegas] é cultivado nas corporações, portanto a sinceridade é bem acatada. Aqui, pode causar estresse. Ainda temos que aprender a usar e a encarar a sinceridade”.
Para que o resultado do impulso também seja bom, é preciso ser certeiro. Bortoletto acredita que qualquer coisa pode ser dita, desde que a forma seja producente. Vale obedecer a uma espécie de check list: pessoa, lugar e tempo têm de estar em sintonia. “Não adianta falar algo polêmico durante uma refeição, por exemplo, e acabar com o almoço de alguém. Falar de episódios muito antigos também não vale a pena”, exemplifica.
FRASES
“A sinceridade me livrou de enrascadas no trabalho, mas também fez com que muita gente começasse a falar mal de mim pelas costas. Me chamaram de mimado e fofoqueiro. Disseram que ajo como alguém que acha que nunca sofrerá consequências dos próprios atos. É injusto. Só prefiro ferir com a sinceridade a fazer sorrir contando mentiras. Se me perguntam algo, não consigo disfarçar, é contra os meus princípios. Mas estou aprendendo a medir palavras. Uma vez, contei a uma colega (que insistiu muito!) que o caso dela com um homem casado era conhecido de amigos. Ela ficou possessa, os outros também. Fora quando eu era casado e dava minha opinião sobre roupas e afins. Era tenso!”
André*,
27 anos, estudante.
“Me acho sincera até demais na vida pessoal (aprendi que a profissional exige filtros). Tem quem me ache grossa. Acho que a diferença é se a intenção é ser maldoso ou ajudar. O pior foi quando trabalhei em banco. O clima era competitivo, ser sincero não era qualidade. Daí me perguntavam sobre um colega e eu falava. Quem ouvia usava isso contra mim. Entre amigos tem vantagens, sempre querem minhas opiniões. Mas não me contenho e digo se a pessoa está namorando um ‘tranqueira’, por exemplo. Alguns se afastam por causa disso.”
Mônica*,
29 anos, designer.
* Nomes fictícios.