O maestro alemão da Orquestra Sinfônica do Paraná que não gosta de ouvir música
Carolina Werneck
08/07/2018 07:00
Stefan Geiger é alemão, mas passa parte do ano em Curitiba, onde é o maestro titular da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP). Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
O maestro Stefan Geiger, 50 anos, respira fundo e sorri antes de responder o que gosta de ouvir quando não está ensaiando com a Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP). A pausa é feita de propósito, como quem sabe que o que dirá a seguir será surpreendente. “O silêncio”, ele diz, com os olhos muito azuis ainda ecoando o sorriso de segundos antes.
“Eu escuto música, é claro, mas na minha casa eu nem tenho um aparelho de som. Porque tenho música e sons na minha cabeça o dia todo e também porque sou treinado para ser muito preciso, então fico pensando ‘ah, isso não foi perfeito’, ou ‘isso pode ser melhorado'”, explica. Essa busca pela perfeição fica clara durante os ensaios da OSP. Geiger é um maestro muito ativo, que ouve com atenção cada trecho executado e dá muitas sugestões a seus músicos.
Foram os próprios integrantes da orquestra que escolheram o nome do alemão para ser o maestro titular da OSP. Isso foi há dois anos e, desde então, ele divide seu tempo entre Curitiba e a Alemanha, onde vivem a esposa e os três filhos. “Eu sinto falta deles, mas não tem jeito. Se você escolhe a carreira de maestro é normal passar muito tempo viajando. E eles entendem, me apoiam. Durante as férias deles, eu costumo recusar convites, então vamos à Suíça esquiar”, conta. E completa admitindo que os três já esquiam melhor que ele.
Músico desde pequeno
Nascido no sul da Alemanha, entre Stuttgart e Munique, ele sempre viveu em um ambiente musical. O pai é músico profissional, assim como o irmão mais velho. Foi por causa dele, aliás, que o maestro decidiu começar a estudar trombone, quando ele tinha apenas dez anos de idade. “Meu irmão, que é 14 anos mais velho que eu, foi meu primeiro professor de trombone. Tive muita sorte de nascer em uma família assim. Meu pai não me obrigava a praticar muitas horas por dia, não era assim. Ele me deu a oportunidade de aprender muito sobre música. Eu pude aprender piano, um pouco de violino, de percussão, de trompa e, depois, o trombone.”
Aos 12 anos, o futuro maestro venceu um concurso e foi convidado a tocar em uma orquestra jovem. “Aquilo para mim foi uma sensação. Tocar em uma orquestra com outros jovens músicos tão fantásticos. Minha primeira peça foi a 5ª Sinfonia de Shostakovitch [Dmitri Shostakovich, compositor russo]. Eu nunca tinha tido esse sentimento, de tocar uma música tão fantástica com um grupo fantástico.”
Os efeitos desse primeira experiência em uma orquestra foram praticamente imediatos. Pouco depois, com 13 anos, o menino decidiu que queria ser músico profissional. Muito cedo? Não para Geiger, que diz que essa decisão tão temporã foi fundamental para que ele pudesse se concentrar na carreira desde jovem.
“Essa orquestra [em que ele tocava] funciona por duas semanas a cada vez, duas ou três vezes por ano. E no final dessas duas semanas há quatro ou cinco concertos. O último deles era na Suíça. Eu me lembro que meus pais me buscaram, se não me engano em Zurique. E metade da viagem de volta eu passei chorando porque eu tive que deixar a orquestra. Foi quando convenci meus pais de que eu realmente queria uma carreira na música.”
Música no mundo
Ao contrário da Alemanha, o Brasil não é um país com tradição na música clássica. Mesmo assim, Geiger discorda de quem pensa que o público brasileiro não gosta de concertos. “Em Curitiba a audiência é jovem, comparada às audiências europeias. E ela dá um ótimo feedback. Então, mesmo quando estamos ensaiando, tenho em mente que as pessoas querem sentir o espírito da música, e isso é ótimo. Não é só tocar corretamente, mas também trazer a alma da composição para nossos ouvintes”, opina. Além da música clássica propriamente dita, o maestro é um grande entusiasta de música contemporânea.
Um de seus projetos faz, justamente, a ponte entre a orquestra e uma arte mais popular, o cinema. Por causa dele a OSP já tocou, por exemplo, uma trilha sonora para o filme Luzes da Cidade, de Charles Chaplin. “Isso convence o público de que o som da orquestra é ótimo. O melhor que pode acontecer a um artista é a sensação de que as pessoas estão entendendo o que você está tentando fazer.”
A despeito da fama dos curitibanos, Geiger diz que não concorda com o estereótipo de um povo fechado e frio. Assim como os alemães também não são 100% do tempo fechados e frios como dizem por aí, ele acrescenta. Ele, com certeza, não corresponde em nada ao estereótipo alemão.
Sempre simpático, é dono de uma gargalhada solta e espontânea que poderia muito bem ser de um brasileiro. Também acompanha o que tem a dizer com gestos amplos, como fazem os italianos. E gosta de festas, como faz questão de dizer, o que o torna ainda mais distante do perfil sério de que seus conterrâneos são acusados. Embora tenha nascido na Alemanha, Stefan Geiger é mais uma pessoa do mundo.
Esse aspecto de sua personalidade também está presente na música que ele faz. O maestro tem dificuldades, por exemplo, para escolher um compositor preferido. Uma peça, então, é quase impossível. “Gosto muito do período entre 1890 e 1920. Talvez esse seja o fim do repertório romântico e começo da época moderna. Esse período é fascinante para mim porque a orquestra se tornou muito colorida. Mas também gosto de música contemporânea, dos compositores contemporâneos.”
Em termos musicais não é diferente. “Eu fui treinado em um ideal de som alemão. Então eu gosto se a orquestra soa forte, com sons graves. Isso é meio alemão, mas na verdade você só precisa desse tipo de som se estiver tocando um repertório alemão, como Wagner, por exemplo. Se você toca outras coisas, esqueça desses ‘sons alemães’.” Assim, ele afirma que tenta ser alemão se está fazendo música alemã; americano se está fazendo música americana; e “muito italiano se estou fazendo música italiana”.
Como alguém que cresceu cercado por música e decidido a se tornar um músico profissional, o maestro titular da OSP se diz satisfeito com a carreira que construiu. “Eu era muito novo e já era viciado em música. Então, em certo sentido, eu continuo sendo um garoto. Porque eu não planejei minha carreira como trombonista e depois maestro. Eu só queria ser um músico profissional. O que me fazia feliz era – e continua sendo – a chance de fazer boa música com pessoas que eu admiro.”