A escritora Simone de Beauvoir, a antropóloga Lélia Gonzalez e a pintora Frida Kahlo: ícones do feminismo.
“Amizade verdadeira é entre homens, as mulheres estão sempre competindo.” “Mulheres se vestem e se arrumam para as outras mulheres.” “Quando a chefe é mulher, persegue as subordinadas.” Todo mundo já ouviu essas máximas, que, de tão reproduzidas, acabam soando como uma verdade da qual não se pode escapar. Para a escritora e editora do blog Lugar de Mulher, Clara Averbuck, a chamada rivalidade feminina é algo construído, ensinado. “Desde pequenas somos encorajadas a competir umas com as outras. Para ser mais bonita do que a outra, para ser mais comportada do que a outra, para ser melhor do que a outra. Aprendemos que ‘não dá para confiar em mulher’”, afirma Clara no texto “A Melhor Amiga da Colega é a Colega”.
A autora e ativista social Gloria Jean Watkins, mais conhecida pelo pseudônimo bell hooks (em minúsculas mesmo), aborda a questão em seu livro O Feminismo É Para Todos. Segundo ela, as mulheres são ensinadas a olhar para as outras com inveja, medo e ódio. “O pensamento machista nos fez julgar umas às outras sem compaixão e punir umas às outras severamente”, escreveu. O resultado é a desunião e a criação de ambientes hostis para o gênero feminino, o que começa na escola e se estende ao meio profissional. “Quantas mulheres você conhece que já disseram que não gostam de trabalhar com outras mulheres?”, indaga Clara.
A ideia de que homens são aliados e mulheres são inimigas tem sido usada por séculos para enfraquecer um grupo e impedir que ele consiga mudanças, diz Lola Aronovich, professora de Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista Escreva Lola Escreva. “Mulheres podem ser amigas, devem ser aliadas. Nós devemos ser mais boazinhas umas com as outras e conosco mesmas, pararmos de nos julgar e nos unirmos mais”, afirma Lola. Ela convida as mulheres a pararem de aceitar a ideia de rivalidade feminina como algo natural, e a começar a analisar atitudes e discursos que são repetidos no automático: “Nós podemos querer mudar”.
Feminismo x machismo
A professora salienta que atualmente o feminismo luta pelo fim de todas as opressões, desde as relacionadas a gênero, como a violência doméstica, por exemplo, até o racismo e a discriminação por orientação sexual. Para Clara, é importante ressaltar que feminismo não é o contrário de machismo. “Feminismo clama por igualdade, pelo fim da dominação de um gênero sobre outro. Machismo é um sistema de dominação. Feminismo é uma luta por direitos iguais”, afirma Clara no texto “Feminismo para Leigos”.
Lola lembra que o feminismo não é só para mulheres, pois o machismo aprisiona os homens também: “Deve ser muito cansativo ter de se comportar de uma maneira sempre estereotipada, ter de provar masculinidade o tempo todo, não poder ter fraqueza, não poder chorar ou demonstrar afeto”.
O que querem as feministas? “Salário igual ao dos homens. Se exercemos o mesmo posto que eles, queremos a mesma remuneração. Queremos poder andar por espaços públicos, como ruas e ônibus, sem sermos assediadas. Queremos que o dever de cuidar do lar e dos filhos não seja visto como somente nosso”, afirma Lola, enumerando algumas das batalhas feministas. Segundo ela, só com união é possível conquistá-las.
A colaboração entre mulheres envolve dois conceitos-chave do feminismo: sororidade e empatia. “Sororidade é o pacto entre mulheres que se reconhecem como irmãs. Empatia é a capacidade de se colocar no lugar de uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela”, explica a escritora e cineasta Maynara Fanucci, criadora do projeto Empodere Duas Mulheres.
Princesas fora do padrão
Há cinco anos, quando a filha Beatriz nasceu, Isabela Kanupp, autora do blog Para Beatriz, começou a questionar alguns padrões utilizados na criação de meninas. Ao analisar as princesas dos contos de fada clássicos, Isabela viu que essas personagens não eram bons modelos. “Elas são submissas e estão sempre à espera de um príncipe que as salve.” A blogueira queria referenciais de independência e autonomia para sua filha.
“Temos que ensinar às meninas que elas são capazes de salvar a si mesmas, elas não precisam se casar com homens ricos para ter uma vida boa. Elas podem ser a pessoa que tem dinheiro, que vai se sustentar e que vai estar bem se estiver sozinha.” Segundo a blogueira, mesmo sendo algo muito sutil, acabamos levando o “complexo de Cinderela” para a vida toda.
Outro “problema” das princesas clássicas é o padrão de beleza inalcançável que elas reproduzem: “Todas seguem o estereótipo de mulheres magras, brancas, com olhos claros e cabelos lisos, sedosos. E as meninas negras, elas não são lindas?”, questiona. Assistindo a esse modelo de beleza desde a primeira infância, as garotas aprendem que tudo que difere dele é feio. Isso resulta em baixa autoestima e até em distúrbios alimentares, como bulimia e anorexia.
Na visão de Isabela, as meninas têm de ter liberdade. “Criança tem de ser livre para ser criança, para brincar, sair correndo, subir na árvore”, opina a mãe de Beatriz, que não deixa de mostrar o lado lúdico das princesas à filha, mas optou por personagens “fora do padrão” como Mulan, Merida e Princesa Ervilha.
Referencial
Em sua dissertação de mestrado Girando entre Princesas: Performance e Contornos de Gênero em uma Etnografia com Crianças, a antropóloga Michele Escoura Bueno mostra que as clássicas personagens femininas do cinema influenciam muito no entendimento do que é ser mulher: “Inspirando produtos mundialmente consumidos, as princesas entram no cotidiano infantil e se tornam presentes entre os referenciais para a construção da feminilidade entre as crianças.”
A pesquisa de Michele foi feita com cerca de 200 alunos de diferentes escolas do interior de São Paulo. Uma das conclusões foi a de que o casamento e a concretização do amor romântico são critérios para a constituição de uma princesa, o que se reflete na fala de uma das garotas participantes do estudo: “Para ser princesa tem que casar, né? Porque princesa solteira não existe, senão não vai ser princesa, vai ser solteira”.
“É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e aceitas”, resumiu a antropóloga à época da publicação do estudo, em entrevista à agência de notícias da Universidade de São Paulo.
Projetos de apoio às mulheres
Fight Like a Girl
A desenvolvedora de jogos gaúcha Carolina Porfírio, de 28 anos, sempre se incomodou com a forma como as personagens femininas são retratadas em videogames e desenhos animados. Por isso ela criou o projeto Fight Like a Girl (Lute Como Uma Garota), com imagens de mulheres fortes.
Chega de Fiu Fiu
É uma campanha promovida pela organização OLGA contra o assédio sexual em espaços públicos, uma agressão que a maioria das mulheres vive diariamente. Uma das iniciativas é o Mapa Chega de Fiu Fiu, uma ferramenta colaborativa para rastrear os locais mais perigosos para as mulheres no Brasil. Saiba mais neste site.
Empodere Duas Mulheres
Criado pela escritora e cineasta Maynara Fanucci, 23 anos, o projeto Empodere Duas Mulheres visa a disseminar o conteúdo do feminismo entre mulheres que desconhecem o movimento ou têm resistência a ele. Maynara divulga cartazes com ideias feministas na página do projeto no Facebook.
Projeto Mulheres
As ilustrações com mensagens tocantes da designer gráfica mineira Carol Rossetti, 26 anos, ganharam o Facebook e vêm sensibilizando muita gente. Com elas, Carol dá voz a mulheres fictícias que passam por diversos tipos de opressão: a dos padrões de beleza, de credo e orientação sexual, por exemplo. “Tento focar em como alguém se sente quando é criticado em relação a uma escolha pessoal ou a um aspecto muito próprio de sua identidade”, diz ela. Veja os desenhos no site dela.
Agradecimento: Ketryn Alves, ilustradora, autora da ilustração que abre esta matéria.