Fechado, arredio, desconfiado. Há quem atribua a suposta frieza dos curitibanos ao clima gélido. Outros, ao tropeirismo, que fazia ir e vir forasteiros de toda estirpe, bem e mal intencionados, de modo que era sempre bom ter cuidado. Há ainda a hipótese de Paulo Leminski (1944-1989), baseada na “mística do trabalho”: o afã de sobreviver e poupar os frutos da lida produziu habitantes focados na labuta e avessos à cordialidade.
Teorias à parte, o fato é que a fama de sisudo do curitibano não espanta ninguém. Em 2009, pessoas vindas de outros municípios representavam mais da metade da população de Curitiba, segundo pesquisa do Instituto Ethos encomendada à época pela Gazeta do Povo.
Em um de seus ensaios, Leminski disse que quem dá o tom à cidade é o imigrante. Ele falava, claro, dos poloneses, alemães, ucranianos e italianos que aqui aportaram no século 19. Neste 322.º aniversário de Curitiba, o Viver Bem foi checar que “tons” veem hoje os recém-chegados à capital paranaense: estrangeiros e brasileiros de outros estados. Como mostram um sérvio, uma venezuelana, uma mineira e um paulista, quem se aventura a quebrar o gelo do curitibano tem como recompensa uma cidade com vários motivos para comemorar seu aniversário.
Organização como ponto alto
A médica Maria José Unda Guevara (foto acima), 26 anos, é venezuelana de Guanare, uma cidade na região centro-ocidental do país. Há um ano e cinco meses, atua como clínica geral em Curitiba pelo Programa Mais Médicos. Apesar da saudade da família, a adaptação foi boa, principalmente por causa do ambiente de trabalho. A ligação da venezuelana com Curitiba, no entanto, não se limita ao campo profissional. Há oito meses, nasceu aqui Camilo Andres, seu primeiro filho. “As pessoas foram muito receptivas e me ajudaram bastante, tanto com minhas dúvidas de língua portuguesa quanto com minha gestação. Não é fácil estar grávida e longe da família.” Para a médica, a capital paranaense é organizada, bem sinalizada e tem moradores conscientes no trânsito. “Quando você começa a se afastar da cidade, vê que o tráfego fica diferente, menos tranquilo. Depois que vim para cá percebi a importância que Curitiba tem para o Brasil, por todo o desenvolvimento. Ainda falta muito para ser uma cidade de primeiro mundo, mas está no caminho”, opina ela.
Frieza num primeiro momento
"O povo daqui pode parecer mais frio, mas tem um coração enorme", economista mineira Olívia Resende, 33 anos. Foto: Fred Kendi / Gazeta do Povo
Em 2005, a economista e professora universitária Olívia Resende, 33 anos, natural de Barroso (MG), esteve pela primeira vez em Curitiba, a passeio. A bordo de um ônibus turístico, se enamorou pela capital das Araucárias. Foi avistar o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e encafifar que precisava estudar na instituição. Seis anos depois, estava ela cursando mestrado na universidade. O meio acadêmico se revelou prolífico: gente de toda parte do país e do mundo, muitas trocas de conhecimento, várias oportunidades. A cultura dos moradores também a agradou. “As pessoas daqui falam mais línguas, viajam mais, têm a mente mais aberta.” Aqui, Olívia se sentiu livre para praticar dança do ventre sem olhares de julgamento – modalidade que fazia escondida em sua cidade natal, tamanho o preconceito. Mineira de fala carinhosa, do tipo que trata o interlocutor por “bem”, ela provoca o estranhamento dos curitibanos, mais reservados. “O povo daqui pode parecer mais frio, mas tem um coração enorme. Fui muito bem acolhida.” Ela afirma que não conseguiria se readaptar a Minas Gerais. Hoje, cursa doutorado na Universidade Positivo e planeja permanecer na cidade.
Verde, clima e educação
"Adoro os parques, o clima e as pessoas são educadas". Engenheiro da computação sérvio Nikola Jankovic, 29 anos, com a namorada curitibana Melina Maia, 30 anos. Foto: Renata Surian/Gazeta do Povo
O engenheiro da Computação Nikola Jankovic, de 29 anos, é natural da pequena cidade de Loznica, no Oeste da Sérvia. Em junho do ano passado, ele decidiu sair da rotina do escritório e embarcou em um cruzeiro para trabalhar como assistente de garçom. Foi ali, em alto-mar, que conheceu a moradora de Curitiba Melina Maia, 30, professora de inglês, que também integrava a crew do navio. Não demorou muito para que o casal se formasse. Apaixonados, singraram pelas águas do Norte da Europa, Estados Unidos e Caribe. Em dezembro, Nikola veio de mala e cuia para a terra da amada. Em fevereiro, estavam casados. O estrangeiro se diz encantado pela cidade. “Ela tem uma estrutura diferente das outras capitais que conheço e diferente de um jeito bom. Adoro os parques, o clima e as pessoas são educadas.” Em apenas três meses, são muitas as boas lembranças, como um artista de rua tocando chorinho na feirinha do Largo da Ordem. Agora, ele aguarda o inverno – mais ameno que o dos Bálcãs – para provar o tão falado pinhão.
Cena cultural em crescimento
"Aqui tem agito, mas também tem calmaria, tem um movimento cultural forte". O músico paulista Marcos Vicenssuto, 33 anos. Foto: Ivonaldo Alexandre / Gazeta do Povo
Em 2003, o músico Marcos Vicenssuto, natural de Serra Negra (SP), esteve na capital para a Oficina de Música de Curitiba. Na época, tocava clarinete. Era a primeira vez que o rapaz de 16 anos se via sozinho em uma cidade grande. O Passeio Público, o Canal da Música e, em especial, o Teatro Guaíra, fizeram brilhar os olhos do paulista. Um amigo lhe apresentou o oboé, instrumento de sopro da família das madeiras, que Marcos decidiu começar a estudar e tocar. Nem lhe passava pela cabeça que 12 anos depois ele integraria a Orquestra Sinfônica do Paraná no posto de primeiro oboé. Há três anos na cidade, Marcos intercala a puxada rotina de ensaios e estudos com corridas em parques, como o Barigui e o Jardim Botânico. Para o músico, que morou dois anos na capital paulista, Curitiba é um bom meio-termo entre uma cidade do interior e uma metrópole. “A qualidade de vida aqui é muito alta. Serra Negra era muito parada e São Paulo era uma loucura. Aqui tem agito, mas também tem calmaria, tem um movimento cultural forte, com uma agenda cultural que está crescendo”, observa ele. O oboísta de 28 anos não se assusta com o modus vivendi curitibano. “No começo, você acha meio estranho, mas se acostuma. Demora um pouco para quebrar o gelo, mas depois disso, as amizades são ótimas.”