Comportamento

Refletir sobre a morte pode transformar nossa própria vida

Marina Mori
31/10/2015 15:00
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Foto: Bigstock

Pensar na morte nunca é fácil, mesmo que seja parte de um processo natural, como é o nascimento. Ela representa o fim de um ciclo, quando os momentos vividos se transformam em lembranças. Joanneliese de Lucas Freitas, professora doutora em psicologia e coordenadora do projeto “Lutos: vivências e possibilidades”, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que a morte é uma situação limite, seja a do outro ou a nossa própria. “A morte coloca em xeque todos os valores de uma pessoa e o sentido que ela dá à vida. Nesse momento, surge a possibilidade de transformação”, explica.
Em seus últimos meses de vida, o escritor e neurologista britânico, Oliver Sacks, publicou um texto de despedida ao mundo. Ele havia descoberto metástases do câncer que vinha tratando há quase uma década. Suas palavras foram tão emocionantes que jornais de todos os continentes divulgaram.
Sacks faleceu em agosto deste ano, mas as palavras que escreveu são perenes. O trecho a seguir faz parte de sua despedida. “Não posso fingir não ter medo. Mas o sentimento que predomina em mim é a gratidão. Eu amei e fui amado; tive muito e dei muito em troca; eu li, e viajei, e pensei, e escrevi. Eu tive com o mundo o relacionamento especial que os escritores e os leitores têm com ele. Acima de tudo, eu fui um ser senciente (que tem consciência), um animal pensante sobre este belo planeta, o que, por si só, foi um enorme privilégio e uma aventura.” Se for possível nos apropriarmos da reflexão de Sacks, que ela seja tão constante em nossas vidas quanto o acordar pela manhã com a expectativa de que o dia vai ser bom.
Mudança na vida
A morte também pode ser vista como um ponto de partida para o início de algo novo. Quantas vezes você “morreu” ao deixar para trás um pedaço de si para que o vazio se transformasse em algo novo e melhor? Às vezes é preciso morrer um pouco e continuar vivo. As borboletas nos ensinam bem. Nascem como pequenas lagartas e, dentro do casulo, passam por uma metamorfose. O corpo enrijece, asas nascem e ganham cor – tons de azul, amarelo, verde e tantas diferentes combinações impressionam até quase esquecermos da possível dor que elas sentiram ao renascer. Afinal, a lagarta precisa morrer, de certa forma, para se tornar borboleta.
Alguns ciclos existem para que nosso crescimento seja possível. A passagem da infância à adolescência, o início da vida adulta e tantos outros momentos nos impulsionam a mudar; seja uma demissão ou o término de um relacionamento, essas pequenas mortes podem deixar sementes que, mais tarde, quando a poeira do sofrimento baixar, vão brotar em novas oportunidades. “É preciso deixar para trás para poder avançar. De uma certa forma, você recicla, conserta. Pensar na morte, ao mesmo tempo que nos lembra que somos finitos, nos impulsiona a viver mais intensamente”, afirma Jorge Cláudio Ribeiro, professor doutor do departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Gentileza
Transformações podem ser dolorosas. Jéssica Giovanini tinha 23 anos quando descobriu como viver melhor após quase morrer. Era época de Natal e nenhum dos pratos elaborados para a ceia puderam ser devidamente aproveitados. Uma pneumonia a levou ao hospital e, logo antes de receber alta para saudar o Ano Novo em festa com a família, uma infecção tomou conta de seu corpo. Foi transferida para a UTI, onde ficou inconsciente por três dias.
Ao longo das semanas, ela voltou a se alimentar e a andar. Não havia outra coisa a fazer se não treinar a respiração para tentar amenizar a dor. “Acho que tive a sorte de passar por isso tão nova, porque a partir dessa experiência de dor consegui ressignificar muitos aspectos da minha vida. Fiquei mais piedosa, sensível. Não sei se queria ter entendido o significado da dor, mas uma absoluta compaixão nasceu em mim e entendi que gentileza não é quase amor, é amor. Tive que lidar com o tempo e chorei porque não soube entendê-lo. Hoje tenho mais habilidade para lidar com todas as outras dores, não só as físicas”, revela.
Para Jéssica, a experiência trouxe um novo olhar sobre si mesma. Em algum momento da vida, todos nós vamos parar, nem que por um minuto, e refletir a partir de uma mudança significativa. Deixar hábitos para trás, aprender a viver após uma doença ou mesmo perder alguém especial faz com que nos percebamos sob um novo olhar.