Crianças agora têm serviço de “personal kids” para aprender a brincar
Mariana Ceccon, especial para Gazeta do Povo
06/06/2019 08:00
Parece brincadeira, mas não é só isso. Os exercícios físicos são planejados para a perda de peso e aumento da flexibilidade. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Luta, balé ou natação? Quem tem criança em casa sabe que essa oferta limitada de exercícios físicos pode minar a tentativa de estimular os filhos a lutarem contra o sobrepeso e a ociosidade.
“Essas atividades estavam fora da minha realidade financeira e minha filha, desde os 5 anos, sempre esteve no limite para o excesso de peso”, conta a advogada Thaís Chao, 29 anos.
A alternativa encontrada pela mãe foi um serviço de personal kids. O nome pomposo refere-se a um profissional que reserva de 30 a 60 minutos para realizar atividades físicas variadas com as crianças, tirando os pequenos da ociosidade do mundo virtual e as levando para parques e praças.
Há de tudo no mercado. Desde ensinar os novinhos a pularem corda, escalar e plantar bananeira, até aqueles que aproveitam piscinas dos condomínios para praticar o nado, os quintais de casa para o pique-esconde e até o ambiente de academias para mandar ver nos abdominais e alguns outros exercícios derivados do crossfit para adultos.
A hora de uma “aula” como essa varia de R$ 50 a R$ 140, dependendo da cidade onde o serviço for buscado e também se o profissional será dividido entre irmãos ou amigos do condomínio, bem como a quantidade de vezes por semana que as crianças terão à sua disposição esse tipo de serviço.
A filha da advogada Thaís Chao, por exemplo, faz parte de um grupo com outras três crianças que frequentam, duas vezes por semana, a Praça da Colonização Menonita, em Curitiba.
Há dois anos realizando as atividades, Laís, de 10 anos, conseguiu deixar para trás as cobranças do pediatra para equilibrar a balança. “Na última consulta médica comparamos o resultado. Não só ela conseguiu manter o peso de acordo com seu crescimento, como a concentração escolar dela está muito melhor e a disposição. Hoje ela não tem preguiça”, comemora a mãe.
Os resultados foram tão positivos que a irmã mais nova, a Alice, de 4 anos, passou a ser parte do grupo também. “Ela sempre imitava a irmã e agora, um pouco mais velha, está fazendo os exercícios. É importante porque desde cedo ela vai ter esse hábito e mais facilidade, quando adulta de manter uma rotina de exercícios saudáveis. Coisa que nós não tivemos”, acrescenta a advogada. “É legal ver como ela respeita as regras do exercício, ainda que a quantidade passada para ela seja menor. As duas adoram”, completa.
Trabalhando como personal kids há cinco anos na capital do país, Silvia Lobato conta que muitos pais recorrem a esse serviço, não só para o exercício físico em si, mas também por uma questão de sobrevivência.
“Algo que é muito comum em Brasília são os pais pedindo orientações sobre piscinas de casa ou do condomínio, porque tem medo que as crianças caiam, por exemplo, e não saibam o que fazer após o susto”, contou. “Na natação não é possível o professor dedicar essa atenção exclusiva”, ressalta.
A profissional diz que o atendimento personalizado também é muito procurado para crianças com necessidades especiais, como portadores da síndrome de Down ou os inseridos no espectro autista.
“O serviço depende muito da necessidade da família. Pode ser por um atendimento especializado ou até descer no parquinho do prédio, porque os pais não têm tempo”, explica. “Já atendi irmãs, por exemplo, porque uma não tinha desenvoltura nas aulas de educação física, se sentia desengonçada e fizemos um treino para pular corda, escalar e outro voltado aos esportes”.
Definir um serviço tão abrangente é um desafio até mesmo para quem atua na área. Mas a síntese, garantem os especialistas, passa por um exercício físico com o objetivo e planejamento bem definidos, que não podem ser separados do clima de brincadeira e prazer.
“Como se tratam de crianças é preciso resgatar um pouco esse lado lúdico, de subir na árvore, correr, mas a ideia é sempre passar um respeito ao horário necessário destinado ao exercício físico”, comenta a personal kids Talissa Carine Rosa.
“Cerca de 80% dos pais me procuram porque houve uma indicação médica para exercício, então o objetivo é sempre coordenação, força e flexibilidade”, arremata.
Talissa é responsável pelas atividades na Praça da Colonização Menonita há dois anos e também faz atendimentos em domicílio. “O que acontece é que hoje não vemos mais as crianças brincando na rua, como na minha época. Então pelo menos uma vez por mês a gente combina de fazer as atividades no parque, por exemplo, para criar esse hábito aliado a uma sensação prazerosa”, comenta.
Crianças devem ter até três horas de atividade por dia
Mãe da Isabelle de 11 anos, a assistente administrativa Vanessa Cardoso, 37, diz que encontrou o serviço de personal kids pelas redes sociais. O interesse veio após a filha ter sido diagnosticada como hipertensa e iniciado medicação controlada.
“Hoje ela faz os mesmos exercícios que um adulto faria, mas claro, de uma forma mais lúdica para não ficar tão maçante”, comenta. “Ela nem sabia o que era fazer ponte, pular corda e plantar bananeira, o que era natural para nós, antigamente. Com o tempo corrido, nem as escolas passam isso mais”, lamentou.
Completando um ano de atividade físicas, hoje a menina está com a pressão controlada e perdeu peso. “A disposição é outra. Ela adora fazer personal”, finaliza.
A médica Patrícia Guedes, do Grupo de Trabalho de Atividade Física da Sociedade Brasileira de Pediatria, diz que o recomendado é que as crianças tenham pelo menos três horas de atividade diária, envolvendo brincadeiras e exercícios que gastem energia. Para os adolescentes, o ideal é pelo menos uma hora diária.
“Atividades aeróbicas, que envolvam de alguma forma a força muscular e o desenvolvimento são sempre bem-vindas, muito mais quando podem ser feitas em um ambiente externo, em contato com a natureza”, comenta.
Agora exercícios como abdominais ou movimentos que normalmente são feitos por adultos, dentro de um ambiente de academia, ela não vê sentido em realizar. “É importante manter esse lado lúdico e prazeroso”, acrescenta.
Para a médica, é compreensível que essas atividades sejam supervisionadas por um profissional, mas ela reforça a necessidade das crianças terem um tempo de desenvolvimento familiar. “Hoje sabemos da dificuldade da disponibilidade de tempo, mas é importante que os pais façam um esforço de passar um tempo de qualidade com os filhos, e essas atividades são uma boa oportunidade para a família”, finaliza.