Comportamento

Quem disse que o coelho da Páscoa não existe?

Luan Galani, especial para a Gazeta do Povo
31/03/2013 03:04
A maioria das crianças já conhece o protocolo de cabeça. Basta se comportar durante o ano, deixar a janela aberta na véspera do dia de Páscoa e ir dormir cedo. Em troca, ganham a tão esperada visita do coelhinho, que, embora nunca tenha sido visto, é conhecido por ter orelhas pontudas, olhos vermelhos e pelo branquinho, como garante a cantiga popular. E as provas estão por toda a casa para quem ousar questionar sua existência: feno e pedacinhos de cenoura jogados por todos os lados, trilhas de pegadas e ovos coloridos escondidos em diferentes cantos.
Porém, os adultos sabem quem são os verdadeiros responsáveis por tornar palpável esse universo de fantasia: os pais. Mas muitos ainda perguntam se deveriam incentivar a imaginação da criançada dessa maneira. Para o psicólogo Dionísio Banaszewski, viver esse período de fantasia para as crianças é tão fundamental quanto cuidar da saúde física. “Enquanto o adulto vive das obrigações, a criança vive essencialmente da fantasia, que é sua maneira de compreender a realidade, já que ela desconhece totalmente as bases concretas para lidar com as situações da vida”, defende.
A psicanalista Mônica Bigarella lembra que a imaginação é uma característica do brincar, que compõe uma importante etapa para o desenvolvimento cognitivo infantil. “O mundo da criança é recheado de faz de conta e a fantasia, portanto, é uma forma de expressão, de compreender e apreender o mundo”, conta.
Fantasia X realidade
Na opinião da psicóloga comportamental Mariana Garcez Pereira de Almeida, os pais devem, sim, explorar a fantasia na infância, utilizando a imaginação para ensinar lições importantes e para viver de uma maneira mais prazerosa. “O estímulo lúdico de acreditar no coelhinho da Páscoa ou no Papai Noel, por exemplo, ajuda a desenvolver a criatividade e a estimular a flexibilidade na vida adulta. Toda criança tem esse potencial lúdico. É só explorar”, ressalta.
Mas, para os pais que ainda encaram a fantasia como uma maneira de enganar seus filhos, Mariana é enfática: “Não é enganar, mas maximizar o instrumento de aprendizado e criatividade que as crianças têm. Sem excessos, não faz mal.”
Aos 7 anos, contudo, as crianças começam a reunir provas da realidade e a confrontar suas fantasias, conforme diz a psicóloga especialista em infância e adolescência Vera Regina Miranda, da Universidade Positivo (UP). Ela destaca que essa crença se desfaz naturalmente, mas permanece para sempre como um momento especial. “Deixar de acreditar nessas figuras permite às crianças constatar que os pais também têm limites, que podem cometer erros, que não são perfeitos. Eles começam a entender que a realidade pressupõe frustrações, que estão intrinsecamente ligadas ao amadurecimento”, explica Vera.
Ajudantes do coelho em ação (foto 1)
“Eu não acredito!”, exclama com surpresa a pequena Alice, 4 anos, colocando as mãos na cabeça ao verificar que, enquanto dormia, o coelhinho da Páscoa andou por sua casa e pelo jardim. As provas são inegáveis: feno, rastros com pegadas, ovos de diferentes tamanhos escondidos em diversos lugares. É assim que ela se sente toda Páscoa, mas ainda não imagina que essa criatura de orelhas pontudas, na verdade, atende por outros nomes e convive diariamente com ela: seus pais e seu irmão Henrique, 12 anos. “Nós nos esforçamos para fazer da Páscoa um dia especial de fantasia para eles, para que nunca se esqueçam desse momento de alegria em família. Eu mesma não me lembro muito bem das minhas páscoas quando criança, mas recordo de quando ouvia o assovio do meu pai, indicando que ele havia chegado e que havia trazido um doce da cantina do quartel. Ele não ficou um único dia sem trazer. E isso a gente nunca esquece”, conta a jornalista Katy Mary de Farias, 42 anos, mãe de Alice e Henrique. O pai, o professor universitário José Simão de Paula Pinto, 50 anos, explica que a figura do coelho também é um meio que ajuda na disciplina diária. “A gente sempre lembra: independentemente da Páscoa, é importante se comportar, mas quemw não obedece as regras não ganha ovo do coelhinho”, brinca. O filho mais velho do casal já passou da fase de acreditar, mas ainda espera ansioso pela Páscoa, seja para ver a reação da irmã Alice ou para se deliciar com os chocolates. No fim das contas, Simão diz que a Páscoa para eles é como ir ao parque de diversões, inevitavelmente recheada de muita alegria e união familiar.
Como era feito antigamente (foto 2)
Os alemães adoram a Páscoa. Isso é fato consumado. E com Christoph Leon de Almeida Martin, 7 anos, não poderia ser diferente. “Ele conta os dias para a comemoração e, desde que voltamos de Magdeburg, na Alemanha, para morar no Brasil, há dois anos, eu tento resguardar as raízes, para que ele nunca se esqueça”, afirma a mãe de Christoph, a tradutora brasileira Fabiane de Almeida, 38 anos. Por isso, é comum que, na Páscoa, ele e seus primos se reúnam em uma mesma casa da família para passar a data. “No dia anterior, nem é preciso falar para ir dormir. Ele sabe que quanto antes dormir, antes o coelhinho virá”, conta Fabiane, que, junto com um pequeno exército de primas e amigas, passa mais de duas horas preparando tudo para a manhã de Páscoa, logo após as crianças irem se deitar. Além dos tradicionais ovos de chocolate e das trilhas de patas de coe­lho, ela prepara diversas guloseimas de cenoura, monta uma mesa de café da manhã temática, recheia “cenouras” de pano com brinquedos e pinta ovos cozidos de galinha, escondendo e os pendurando nas árvores, como dita a tradição alemã. No dia seguinte, cada criança recebe uma cesta e vai em busca de seus prêmios. Depois, é só quebrar as cascas e servir os ovos na primeira refeição comunitária do dia. “Nós nos divertimos muito juntos, mas o Christoph já começa a questionar alguns detalhes. Na última Páscoa, por exemplo, ele e os primos notaram que as patas eram adesivos plásticos. Por isso, talvez comecemos a usar farinha novamente”, brinca Fabiane.
Uma viagem ao mundo da imaginação (foto 3)